domingo, 7 de agosto de 2022

O rei que virou vaca

    Certa vez, um rei convocou os nobres da corte e declarou que era um vaca. Os nobres ficaram assustados. O soberano disse mais: desejava ser morto e ter sua carne cortada e distribuída ao povo.

    Achando que o rei havia enlouquecido, os nobres convocaram os principais médicos do reino. Remédios e unguentos foram experimentados mas, infelizmente, sem nenhum resultado.

    Enquanto isso, o monarca piorava. Mugia o dia inteiro. Sujava o chão do palácio. Dez vez em quando, saía galopando, dando coices e cabeçadas.

    Passado um tempo, o rei chamou novamente seus principais nobres e ministros. Parecia contrariado. Esbravejou. Disse que, porque suas ordens não haviam sido cumpridas, a partir daquele dia não ia comer mais nada.

    Uma nuvem negra pousou no futuro do reino. O povo, angustiado, acompanhava o drama de seu querido rei, cada vez mais magro, fraco e abatido.

    Um dia, um famoso cientista apareceu no reino. Diziam que era um grande médico. Diziam que era um filósofo capaz de lidar com os mais intrincados segredos da alma humana.

    O sábio foi ao palácio examinar o rei. Deitado na cama, o monarca repetiu ao médico suas alucinações. Mugiu. Confirmou que era uma vaca. Confirmou que seu único desejo era ser morto, cortado e ter sua carne distribuída ao povo.

    Coçando a longa barba, o sábio declarou que o rei tinha razão. Ordens reais eram leis que precisavam ser cumpridas imediatamente. Em seguida, abrindo a porta, chamou o açougueiro.

    Um homem imenso, vestido de branco, entrou no quarto com uma faca na mão. Perguntou onde estava a tal vaca.

    - Estou aqui! - gemeu o soberano, exultante, com os olhos alegres de loucura.

    O açougueiro aproximou-se da cama. Levantou, cuidadoso, a perna fina e branca do monarca. Balançou a cabeça, decepcionado. Aquela vaca estava magra demais. De que adiantava matar um animal que era só pele e osso? Cortar o quê? Distribuir o quê?

    - Primeiro - aconselhou ele -, é necessário que essa vaca aprenda a se cuidar, a comer, dormir direito e caminhar pelas montanhas, até ficar forte, alegre e cheia de saúde.

    Dizendo que só voltaria quando a vaca estivesse no ponto certo, o açougueiro guardou a faca e foi embora.

    A partir desse dia, o rei decidiu alimentar-se de novo. Aos poucos, foi engordando, as cores voltaram a brilhar em seu rosto, ficou forte e acabou esquecendo de vez que um dia havia sido vaca.


Versão de um conto popular recontado por Ricardo Azevedo publicado na Revista Nova Escola, Fundação Victor Civita, Editora Abril, Outubro de 1999.

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