sábado, 20 de agosto de 2022

Hermes, o deus condutor dos caminhos e meios para se viver na Terra. O condutor das almas para a ressurreição!

    Hermes é um deus singular na mitologia grega. Não tem lugar fixo na hierarquia olímpica. É o único que pode deslocar-se do Olimpo para a Terra e para o mundo subterrâneo dos mestres. Por isso tem asas na cabeça - para ensinar os homens a se elevar - e nos pés - para ensinar os homens a descer, pois "quem não souber descer jamais servirá para subir" (Tábua das Esmeraldas, conjunto de ensinamentos sagrados, atribuída ao próprio Hermes). Queria isso dizer que quem não aprender a ser simples e humilde jamais poderá se aproximar dos deuses.

    É filho de Zeus e Maia (a aparência, a ilusão), significando que a criação, ao unir-se à aparência e à ilusão, deu origem a uma divindade que ensinou aos mortais as muitas possibilidades e meios para viver na Terra e que, se muitas podem ser verdadeiras, outras podem ser falsas. Seu culto remonta a épocas muito arcaicas e as evidências apontam sua origem no deus egípcio Toth.

    Nasceu em uma gruta e seu nome deriva do sânscrito "Hemú", que significa a pedra guardiã sagrada da ressurreição. 

    Homero dá na Ilíada uma versão muito divertida de seu nascimento e das primeiras peripécias com seu irmão, o deus Apolo. Conta que nasceu no Monte Cileno e que "naquela aurora tocou a lira pela noite e praticou o célebre roubo dos bois de Apolo". Ao sair de sua gruta, Hermes encontrou uma tartaruga, matou-a e limpou seu casco, e das tripas de uma ovelha esticou sete cordas que prendeu no casco... Assim nasceu a primeira lira, que se pôs a tocar.

    Ao pôr-do-sol, dirigiu-se à Pieria, onde se encontravam os bois sagrados de Apolo. Apoderou-se de cinquenta reses e, para dissimular sua fuga, retirou-se andando de frente para trás, apagando com arbustos seus rastros e os dos animais. Chegou com o rebanho em Pilos, escondeu os bois e imolou dois, dividindo a carne em doze partes, uma para cada deus, e assou-a como oferenda. Ele próprio nada comeu e retornou para casa contando a sua mãe o episódio. Esta, admoestou-o, e seu irmão Apolo, como tinha o dom da profecia, logo descobriu tudo. Dirigiu-se ao monte Cileno e exigiu a devolução dos bois, mas o pequeno Hermes recusou-se a fazê-lo.

    Decidiu então levar o pleito ao próprio Zeus, que muito se divertiu ao saber do ocorrido, ordenando, no entanto, a restituição do rebanho sagrado a seu dono.

    Hermes não se deu por vencido e, para aplacar a ira do irmão, pôs-se a tocar a lira. Apolo ficou imediatamente fascinado e aceitou o instrumento em troca dos bois.

    Tão logo as mãos de Apolo tocaram o instrumento, ela se transformou na famosa lira de ouro que sempre o acompanhará como um de seus mais importantes símbolos.

    Hermes recebeu, além dos bois, um cajado de ouro de Apolo, no qual imediatamente entrelaçaram-se duas serpentes, formando seu símbolo, o caduceu, que será erroneamente associado à medicina.

    Finalmente, Hermes recebeu de Apolo o dom da adivinhação, mas não o da profecia, sendo considerado o deus protetor dos jogos de azar.

    Em Hesíodo, na Teogonia, esse deus é descrito como o "Psicopompo", o condutor das almas após a morte no caminho da ressurreição e do voltar a viver. Com efeito, os antigos gregos e egípcios acreditavam que após a morte voltavam a viver em um novo corpo e que encontrariam esse caminho por meio de Hermes.

    A palavra "hermético" tinha esse significado original, ou seja, cada um deve descobrir seu caminho - com a ajuda de Hermes - para conquistar a vida após a morte. Essa busca só poderia ser feita pelo diálogo interior com Hermes, não sendo possível com mais ninguém. Esse diálogo adquiriu então uma conotação de secreto ou incompreensível, o que na modernidade redefiniu como sendo "hermético", quer dizer, "indecifrável". Isso apenas revela como nos tornamos superficiais e incapazes de ouvir nossa voz interior (que não deve ser confundida com consciência moral!)

    O culto de Hermes tinha enorme importância na antiguidade. Ele é retratado como de extraordinária inteligência, tolerância, benevolência e indulgência, o que o fazia muito amado pelos deuses e pelos homens. É acima de tudo o arauto do Olimpo e indica os caminhos do destino aos homens. Seus símbolos são as asas nos pés e na cabeça, e o cajado de ouro (o caduceu) que...

* É de ouro e retilíneo, porque indica o caminho para a imortalidade.

* Tem no topo um oito aberto. O círculo significa o divino (pois este não tem começo, meio ou fim), e o semicírculo é a dualidade dos princípios divinos, o masculino e o feminino.

* As duas serpentes entrelaçadas no cajado significam a ambiguidade fundamental da condição humana, a morte e a vida, a essência e a aparência e a dualidade do amor, que é sacrifício e desejo, alma e matéria, alegria e tristeza, busca e perda, e assim por diante.

    É, mais do que tudo, a maravilhosa esperança, sempre renovada, de viver e amar. Para Hermes, tudo é alegria e graça, e condena severamente aqueles que levam a vida muito a sério. Tudo nele encontra uma solução, sendo considerado o deus mais amigo dos homens e em especial dos adolescentes, que o adoravam por seu humor e "brejeirice".

    Tão popular era, que todas as casas tinham na frente uma estátua ou estrela de Hermes como falo ereto, símbolo de que a casa era fecunda e plena de paixão. (O falo ereto não tinha nem de longe o significado que o falso moralismo judaico-cristão lhe conferiu.)

    Era ainda considerado o deus da comunicação - interior e exterior. Em cada esquina das cidades helênicas, uma estrela de Hermes funcionava como indicador de direção, nomeando os logradouros e tinha inscrições para ajudar os transeuntes a encontrar seu caminho interior. Algumas dessas inscrições ficaram famosas e citamos algumas, tão úteis ontem como hoje e sempre:

* "O microcosmos é idêntico ao macrocosmo; lá encontrarás o conhecimento dos deuses e do universo." Ou seja, é no seu interior, que é idêntico à imensidão cósmica, que você encontrará deus e o entendimento dos mistérios do incomensurável.

* "A riqueza é destinada ao uso; seu acúmulo é tolo e vão; tudo deixarás aqui."

* "Você deve partir daqui com o corpo completamente gasto. Gaste-o, mas gaste-o bem; transforme tua matéria em nobreza, beleza e bondade e partirás daqui leve como uma pluma, pronto para renascer."

    Iniciação e hermetismo para os antigos gregos não eram senão a arte de aplicar esses ensinamentos de Hermes, não tendo nada de esotérico ou misterioso. Ao contrário, eram fórmulas muito práticas para atingir a verdadeira espiritualidade.


Trecho retirado do livro Mitologia Viva - Aprendendo com os deuses a arte de viver e amar; Viktor D. Salis, Editora Nova Alexandria, São Paulo, 2003.

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