quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Toda Uma História

                          Luiz Avellar & Zizi Possi

Se é verão ou inverno
Não importa a estação pra ter
Clareado o desejo de estar são para viver
Toda beleza de ser uma só vez
Toda uma história
Que alguém um dia fez
Enquanto houver tempo
De sentir a cor e a luz
Terei em meu coração
Um invisível fio
Que me conduz.

Todos sabem a excelente intérprete que Zizi Possi sempre foi. Apesar de hoje ser adorada e idolatrada pela crítica, no passado já torceram o nariz para ela e seu repertório, hoje considerado de muitíssimo bom gosto.
Em 1983, ela lançou o delicado e ao mesmo tempo forte LP " Pra sempre e mais um dia ", arriscando mais uma vez escrever a letra de uma música. Sua primeira experiência como letrista foi fazendo uma versão para o seu disco de 1980. No ano seguinte, motivada por alguns amigos, voltou a fazer parcerias em três músicas para seu disco anual, intitulado " Um Minuto Além ". Em 1982, para o álbum  " Asa Morena ", ela arriscou fazer outra versão. Em 1984, com o seu então marido, o guitarrista Liber Gadelha, compôs uma música que fecharia o disco " Dê Um Rolê ". Em 1986, ela compôs, também com o músico, a última música de sua breve carreira de compositora. Não sei se ela tem algo guardado...

Meu Namorado

                      Edu Lobo & Chico Buarque

Ele vai-me possuindo
Não me possuindo
Num canto qualquer
É como as águas fluindo
Fluindo até o fim
É bem assim que ele me quer
Meu namorado
Meu namorado
Minha morada é onde for morar você.

Ele vai-me iluminando
Não iluminando
Um atalho sequer
Sei que ele vai-me guiando
Guiando de mansinho
Pro caminho que eu quiser
Meu namorado
Meu namorado
Minha morada é onde for morar você.

Vejo meu bem com seus olhos
E é com meus olhos que o meu bem me vê.

Esta belíssima canção é de 1982 e foi gravada originalmente pela cantora Simone para o igualmente belo " O Grande Circo Místico " . As músicas foram especialmente feitas pela dupla para o Ballet Teatro Guaíra de Curitiba. O LP foi lançado pela gravadora Som Livre e relançado em formato CD pelo pequeno selo Velas em 1993.

Mulheres

                        Toninho Geraes

Já tive mulheres de todas as cores
De várias idades, de muitos amores
Com umas até certo tempo fiquei
Pra outras apenas um pouco me dei.

Já tive mulheres do tipo atrevida
Do tipo acanhada, do tipo vivida
Casada, carente, solteira, feliz
Já tive donzela e até meretriz

Mulheres cabeça, e desequilibradas
Mulheres confusas, de guerra e de paz
Mas nenhuma delas me fez tão feliz
Como você me faz

Procurei em todas as mulheres
A felicidade
Mas eu não encontrei e fiquei
Na saudade
Foi começando bem,
Mas tudo teve um fim

Você é o sol da minha vida,
A minha vontade
Você não é mentira, você é verdade
É tudo o que um dia eu sonhei pra mim.

Esta música pertence ao CD " Tá Delícia, Tá Gostoso " de 1995, do grande Martinho da Vila.

Guardar

                              Antônio Cícero

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro
Do que um pássaro sem voos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama o poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.

Antônio Cícero é irmão e parceiro da cantora Marina em suas belas canções.

Sobre a Afinidade

                           Arthur da Távola

Afinidade não é o mais brilhante, mas é o mais sutil,
delicado e penetrante dos sentimentos.
Não importa o tempo, a ausência, os adiantamentos, as
distâncias, as impossibilidades.
Quando não há afinidades, qualquer reencontro retoma a relação,
o diálogo, a conversa, o afeto no exato ponto onde foi interrompido.

Afinidade é não haver tempo mediante a vida. É vitória do
adivinhado sobre o real, do subjetivo sobre o objetivo, do
permanente sobre o passageiro, do básico sobre o superficial.

Ter afinidade é muito raro mas quando ela existe não precisa
de códigos verbais para se manifestar.
Ela existia antes do conhecimento, irradia e permanece
depois que as pessoas deixaram de estar juntas.

Afinidade é ficar longe, pensando parecido a respeito dos
mesmos fatos que impressionam, comovem, mobilizam.

Afinidade é receber o que vem do outro com uma aceitação
anterior ao entendimento.

Afinidade é sentir com. Nem sentir contra, nem sentir para.
Sentir com é não ter necessidade de explicação do que está
sentindo.
É olhar e perceber.

Afinidade é um sentimento singular, discreto e independente.
Pode existir a quilômetros de distância, mas é adivinhado
na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar.

Afinidade é retomar a relação no tempo em que parou:
porque ele ( o tempo) e ela (a separação) nunca existiram.
Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pelo tempo, para que
a maturação pudesse ocorrer e que cada pessoa pudesse ser cada
vez mais e mais...

A expressão do outro sob forma ampliada e refletida do seu " Eu"
individual e aprimorado.

domingo, 17 de outubro de 2010

Fragmentos de Clarice Lispector

" Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem
tentou sabe. Perigo de mexer no que está oculto -
e o mundo não está à tona, está oculto em suas
raízes submersas em profundidades do mar. Para
escrever tenho que me colocar no vazio. Neste
vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio
terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um
escritor que tem medo da cilada das palavras: as
palavras que digo escondem outras - quais?
talvez eu diga. Escrever é uma pedra lançada no
poço fundo. "

" Tenho que ter paciência para não me perder
dentro de mim: vivo me perdendo de vista. Preciso
de paciência porque sou vários caminhos, inclusive
o fatal beco-sem-saída. "

" O que me atormenta é que tudo é 'por enquanto',
nada é 'sempre'. A vida - a partir do momento em que
se nasce - é guiada, idealizada pelo sonho. "

" Eu abro caminho por mim mesmo. Vivo sem modelos.
Escrevo sem modelos. Ser livre é o que me dá essa
grande responsabilidade. "

" Voar baixo para não esquecer o chão. Voar alto e
selvagemente para soltar as minhas grandes asas. "

" Estou sofrendo de amor feliz. Só aparentemente é
que isso é contraditório. Quando se sente amor,
tem-se uma funda ansiedade. É como se eu risse e
chorasse ao mesmo tempo. "

(fragmentos do livro Um Sopro de Vida)

Poema Em Linha Recta

                                Álvaro de Campos/Fernando Pessoa

" Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado.
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma covardia!
Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infante de vileza. "

Os Amantes

                              Lygia Fagundes Telles

" Estranho, sim. As pessoas ficam desconfiadas, ambíguas
diante dos apaixonados. Aproximam-se deles, dizem
coisas amáveis, mas guardam certa distância, não invadem
o casulo imantado que envolve os amantes e que pode explodir
como um terreno minado, muita cautela ao pisar nesse terreno.
Com sua disciplina indisciplinada, os amantes são seres diferentes
e o ser diferente é excluído porque vira desafio, ameaça. Se o amor
na sua doação absoluta os faz mais frágeis, ao mesmo tempo
os protege como uma armadura. Os apaixonados voltaram ao Jardim do Paraíso,
provaram da Árvore do Conhecimento e agora sabem. "

(em A Disciplina do Amor - fragmentos)

Canção Em Volta do Fogo

" Se o amor então se cansou
Durma que a lua eu vigio
Se o céu te parece ruir
Em pedaços de vidro
Dançaremos em volta do fogo
Subiremos com a maré
E amanheceremos de novo

Se o nosso olhar se perder
Em horizontes tão estranhos
E o mundo insistir em girar
Como numa ciranda
Deixaremos as luzes acesas
E abriremos as portas da casa
Para termos então a certeza

Que toda noite será
Eterna como um sonho
Que insistimos em ter
Então durma, durma
Que o dia não demora a sangrar
Com o canto do primeiro galo
Então durma, durma
Que o dia não demora a sangrar
Quando o primeiro galo cantar. "

Esta música do Marcelo Hayena e do Cal pertence ao repertório da cantora Eliana Printes. É a 7ª música de seu terceiro CD intitulado " O Próximo Beijo ". Sempre gostei dela e resolvi, então, tomar emprestado para nomear o Blog. A ideia dele surgiu naturalmente... Vamos ver como será!!