segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Vai já pra dentro, menino!

 Vai já pra dentro, menino!

Vai já pra dentro estudar!

É sempre essa lengalenga

quando o que eu quero é brincar...


Eu sei que aprendo nos livros,

eu sei que aprendo no estudo,

mas o mundo é variado

e eu preciso saber tudo!


Há tanto pra conhecer,

há tanto pra explorar!

Basta os olhos abrir,

e com o ouvido escutar.


Aprende-se o tempo todo,

dentro, fora, pelo avesso,

começando pelo fim,

terminando no começo


Se me fecho lá em casa,

numa tarde de calor,

como eu vou ver uma abelha

a catar pólen na flor?


Como eu vou saber da chuva,

se eu nunca me molhar?

Como eu vou sentir o sol,

se eu nunca me queimar?


Como eu vou saber da terra,

se eu nunca me sujar?

Como eu vou saber da gentes,

sem aprender a gostar?


Quero ver com os meus olhos,

quero a vida até o fundo,

quero ter barro nos pés,

eu quero aprender o mundo!


Poema de Pedro Bandeira retirado do livro Palavras de Encantamento, da série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.

domingo, 20 de novembro de 2022

Lições de Céu

 VÊNUS

Madrugadinha

Vênus machuca

o coração da gente

de solidão azul


CRESPÚSCULO

Na hora em que o dia

não é mais dia,

em que a noite

não é noite ainda,

tudo é magia

e o céu parece

veludo furta-cor

escorrendo

das mãos vazias.


ANÉIS DE SATURNO

Que os mortos viram fantasmas

todo mundo já sabe,

mas que vão namorar escondido

nos vãos dos anéis de Saturno,

por essa ninguém esperava.


AMIGO

No rumo certo do vento

amigo é nau de se chegar

em lugar azul.

Amigo é esquina

onde o tempo para

e a Terra não gira,

antes paira em doçura

contínua.

Oceano tramando sal,

mel inventando fruta,

no rumo certo do vento,

amigo é estrela sempre.


BURACO NEGRO

Essa coisa esquisita

que às vezes

a gente sente,

como se faltasse

um pedaço,

essa vontade que se tem

de não se sabe o quê,

esses abismos que nascem

repentinamente,

esses buracos negros do céu

dentro da alma da gente.


SONHO

Um dia os homens acordaram

e estava tudo diferente:

das armas atômicas nem sinal havia

e todos falavam a mesma língua,

falavam poesia.

Quem visse a Terra do alto

nem reconheceria,

eram campos e campos de trigo

e corações de puro mel.

E foi uma felicidade tamanha,

nos jornais nem um só crime,

que contando ninguém acreditaria.


Poema de Roseana Murray retirado do livro Palavras de Encantamento, série Literatura em minha casa, Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.

sábado, 19 de novembro de 2022

Porvir Inexorável

    O indivíduo senciente deve manter como objetivo primacial da existência física a conquista dos valores eternos. Não obstante a consideração pelas conquistas contemporâneas, torna-se-lhe indispensável a compreensão da transitoriedade desses recursos e realizações.

    O acúmulo de riquezas materiais proporciona-lhe conforto, não, porém, felicidade. Esta é decorrente natural do autoencontro responsável, graças ao qual se entrega à conquista de diferentes bens, por enquanto, desdenhados.

    Somente através da reencarnação, compreendida e aplicada à vivência lúcida, é que poderá considerar o vazio da existência corporal, período este para a aprendizagem iluminativa e libertadora.

    Assim considerada, a existência material deixa de ser sucessão de sofrimentos e incertezas para proporcionar os investimentos duradouros, que se transferem de uma para outra forma, no corpo ou além dele, porquanto, em qualquer circunstância, ninguém se apresentará fora da Vida.

    A vida física se caracteriza pela busca do prazer, no entanto, este sempre se expressa acompanhado de sofrimento. Isto, porque, o próprio prazer gera o medo da sua descontinuidade, o que se transforma em aflição.

    A manutenção do prazer estimula o egoísmo, a ambição, a arbitrariedade e seus sequazes criminosos.

    Cultivando com acendrado interesse a ignorância, o homem distrai-se no relacionamento com amigos; armazena joias e dinheiro, víveres e trajes; multiplica habitações e veículos, embora o seu corpo somente os possa usar um a um. Demais, advindo a morte, que é inevitável, vê-se constrangido a deixar tudo, levando apenas a si mesmo e com ele os atos impressos nos painéis da consciência.

    Ninguém te condena por seres previdente; porém, a tua consciência te reprocha a ganância.

    Pessoa alguma te fiscaliza a conduta gozadora; mas, a tua consciência te diz que isto não te basta.

    Deus não te proíbe fruir dos bens, nem da vida; todavia, tua consciência, apesar de anestesiada, vez que outra desperta, assinalando a tua ilusão...

    Descoberta a causa do sofrimento do senciente, que é a ignorância,o seu antídoto é, de logo, a sabedoria.

    Clareia-te, assim, com as luzes da reencarnação e saberás conduzir a vida sem apego, sem desconsideração, descobrindo-lhe o vazio do mediano e aplicando parte do teu tempo na preparação do teu provir eterno, que te espreita, e para o qual marchas inexoravelmente, quer o queiras ou não.


Texto retirado do livro Momentos de Felicidade; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 5ª Edição, 2014.

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Segredinhos de Amor/Todas as cartas de amor são ridículas

Gosto muito de vocês,

muito mesmo,

mas não me peçam explicação,

pois não vai dar pra contar

o que vai morrer comigo,

o que já fechei no meu poço.


Vocês sabem como são 

os segredinhos de amor...

Todo mundo tem os seus

e pobre de quem não tem...


Sei, de fato,

entre amigos há sempre um pacto,

um elo belo,

mas não vale tal fato

pros segredinhos de amor.


Não, não é medo do ridículo.

Nem é o meu segredo um conflito.

Pode até ser coisa infantil

e até meio boba,

mas segredo é segredo, 

coisa guardada a medo

pra alegria e tortura

só da gente.


E em segredo é muito mais segredo

se for um segredinho de amor!


Todas as cartas de amor são

Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem

Ridículas.


Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras,

Ridículas


As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser 

Ridículas.


Mas, afinal,

Só as criaturas que nunca escreveram

Cartas de amor

É que são

Ridículas.


Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso

Cartas de amor

Ridículas.


A verdade é que hoje

As minhas memórias

Dessas cartas de amor

É que são ridículas.


(Todas as palavras esdrúxulas,

Como os sentimentos esdrúxulos,

São naturalmente

Ridículas).


Poema de Elias José retirado do livro Palavras de Encantamento, da série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.


Poema Todas as cartas de amor são ridículas, de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, FTD Editora, São Paulo, 1992. 

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

O medo do menino

 Que barulho estranho,

vem lá de fora,

vem lá de dentro?!...


Que barulho medonho

no forro,

no porão,

na cozinha,

ou na despensa!...


Será fantasma

ou alma penada?

Será bicho furioso

ou barulhinho de nada?


E o menino olha

na escura escada

e não vê nada.


E olha na vidraça

e uma sombra o ameaça.


Quem se esconde

Esconde onde?


Se vem alguém passo a passo

na rua deserta

o medo aumenta.

Passos de gente da casa

encolhe o medo.

Se somem vozes e passos

de gente da casa, 

no ato, no quarto,

vem o arrepio.


E o menino encolhe, 

fica todo enroladinho.

E se embrulha nas cobertas,

enfia a cabeça no travesseiro

e devagar, devagarinho,

sem segredo,

vem o sono

e some o medo.


Poema de Elias José retirado do livro Palavras de Encantamento, série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Tem tudo a ver

 A poesia

tem tudo a ver

com tua dor e alegrias,

com as cores, as formas, os cheiros,

os sabores e a música

do mundo.


A poesia

tem tudo a ver

com o sorriso da criança,

o diálogo dos namorados,

as lágrimas diante da morte,

os olhos pedindo pão.


A poesia

tem tudo a ver com a plumagem, o voo e o canto,

a veloz acrobacia dos peixes,

as cores todas do arco-íris,

o ritmo dos rios e cachoeiras,

o brilho da lua, do sol e das estrelas,

a explosão em verde, em flores e frutos.


A poesia

- é só abrir os olhos e ver -

tem tudo a ver

com tudo.


Poema de Elias José retirado do livro Palavras de Encantamento, série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.

terça-feira, 15 de novembro de 2022

O menino que carregava água na peneira

 Tenho um livro sobre águas e meninos.

Gostei mais de um menino

que carregava água na peneira.


A mãe disse

que carregar água na peneira

Era o mesmo que roubar um vento e sair

correndo com ele para mostrar aos irmãos.


A mãe disse que era o mesmo que

catar espinhos na água

O mesmo que criar peixes no bolso.


O menino era ligado em despropósitos.


Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.


A mãe reparou que o menino

gostava mais do vazio

do que do cheio.

Falava que os vazios são maiores

e até infinitos.


Com o tempo aquele menino

que era cismado e esquisito

Porque gostava de carregar água na peneira


Com o tempo descobriu que escrever seria

o mesmo que carregar água na peneira


No escrever o menino viu

que era capaz de ser

noviça, monge ou mendigo

ao mesmo tempo


O menino aprendeu a usar as palavras.

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

E começou a fazer peraltagens.


Foi capaz de interromper o voo de um pássaro

botando ponto no final da frase.


Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.


O menino fazia prodígios.

Até fez uma pedra dar flor!

A mãe reparava o menino com ternura.


A mãe falou:

Meu filho você vai ser poeta.


Você vai carregar água na peneira a vida toda.


Você vai encher os

vazios com as suas peraltagens


E algumas pessoas

vão te amar por seus despropósitos


Poema  de Manoel de Barros retirado do livro Palavras de Encantamento, da série Literatura em minha casa - Volume 1 - Poesias, Editora Moderna, São Paulo, 2001.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Flores em Você

 De todo o meu passado

Boas e más recordações

Quero viver meu presente

E lembrar tudo depois

Nessa vida passageira

Eu sou eu, você é você

Isso é o que mais me agrada

Isso é o que me faz dizer:

Que vejo flores em você!


Música de Edgard Scandurra gravada pelo grupo Ira! em seu então LP Vivendo e não Aprendendo lançado em 1986 pela Gravadora WEA e relançado em CD no ano de 2000.

domingo, 13 de novembro de 2022

O Pião

 A mão firme e ligeira

puxou com força a fieira:

e o pião

fez uma elipse tonta

no ar e fincou a ponta

no chão.


É o pião com sete listas

de cores imprevistas.

Porém,

nas suas voltas doidas,

não mostra as cores todas

que tem:


- fica todo cinzento,

no ardente movimento...

E até

parece estar parado,

teso, paralisado,

de pé.


Mas gira. Até que, aos poucos,

em torvelins tão loucos

assim,

já tonto, bamboleia,

e bambo, cambaleia...

Enfim,

tomba. E, como uma cobra,

corre mole e desdobra

então, 

em hipérboles lentas,

sete cores violentas,

no chão.


Poema de Guilherme de Almeida retirado do livro Caminho da Poesia, série Literatura em minha casa, Global Editora, São Paulo, 2003.

sábado, 12 de novembro de 2022

Estado Mental de Felicidade

    A problemática da felicidade encontra solução eficaz no comportamento íntimo do indivíduo em relação à vida.

    Por que transferir para o futuro o momento de ser feliz, quando se pensa em conseguir determinados valores, que possivelmente não lograrão completar o quadro de harmonia e ventura pessoal?

    Pode-se e deve-se ser feliz em cada instante, pois que tal conquista procede do estado de espírito e não dos recursos materiais amealhados de que se pode dispor.

    O dinheiro soluciona alguns problema; projeta a personalidade; promove socialmente o indivíduo, mas não resolve as situações interiores, nas quais estão as bases da harmonia como do desequilíbrio.

    É necessário valorizar-se o que realmente pode proporcionar a felicidade e não os seus acessórios. Digamos, então, que esta é um estado mental, variando de pessoa para pessoa, conforme o seu grau de evolução, portanto, a sua aspiração maior.

    As conquistas materiais não dispõem do poder de fazer as criaturas felizes. Podem diminuir-lhes a aflição, atender a algumas necessidades, minorar amarguras, gerar bem-estar e conforto...

    Esperando-se conseguir o beneplácito da felicidade, mediante as dádivas da cornucópia da fortuna, por exemplo, perdem-se muitos instantes felizes que dificilmente retornarão.

    Essa felicidade dourada, sem preocupações, ociosa, não existe; é miragem que se dilui ante a realidade.

    Podes conseguir o estado mental da felicidade de permanente, crendo que ela é propiciada pelo amor a Deus, que a deposita no escrínio dos teus sentimentos, a fim de que aí a desdobres, brindando-as às demais pessoas.

    Assim, não obstante as mudanças e circunstâncias em que te encontres, alterando o ritmo dos assuntos e acontecimentos externos, ela permanecerá contigo, porque está em ti.

    O vendaval das paixões não a expulsa; a frialdade do abandono não a empalidece; a chuva das acusações não a conspurca; o granizo da ofensa não a fere; o ouro das ambições não a entorpece; o fogo das lutas cruzadas não a atinge.

    Ela permanece serena, e qual chama abençoada, com a luz aponta o caminho seguro a seguir, acalmando as ansiedade do coração.

    A felicidade plena e compensadora não é deste mundo. No entanto, germina e se desenvolve enquanto o Espírito avança pela estrada  reencarnacionista, graças às ações desenvolvidas e ao comportamento mantido.

    Reservada para o Reino dos Céus, é indispensável que o homem lhe conduza as matrizes íntimas mediante as quais se desvela no momento oportuno.


Retirado do livro Momentos de Esperança; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª Edição, 2014.