quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Submissão

                                 Arley Pereira

 Bem que ela tentou fugir outra vez. Mas ficou só na tentativa, já que ele soube impedir a fuga. Mas, esquiva ela sempre foi e a cada vez era a mesma coisa, o trabalho de dominá-la, de fazê-la obedecer, de ensinar a submissão. Um trabalho que só dava a ele prazer. O saber antecipado que venceria a disputa entre os dois, que - como na grande maioria das vezes - ela responderia às suas vontades, faria tudo o que ele determinasse, obediente - quase sempre - às coisas que ele quisesse, mais estranhas que fossem.

O encanto estava, porém exatamente naquele " quase sempre ". Vez que outra ela conseguia enganá-lo. Fingia, negaceava, chegava perto e recuava, oferecia-se sem se dar a - suprema humilhação - preferia sem nenhum pudor um amigo (ou mesmo um inimigo), que andasse próximo.

Mas era raro. No normal das coisas, ela procurava, como que por instinto, a fuga no primeiro contato, mas acabava por se entregar. E sempre ali, no chão, enrolando-se na grama, volteando sobre si mesma, oferecida, as redondices brilhando ensolaradas, ou molhadas de chuva, que o tempo jamais foi coisa de impedir o encontro de ambos, a cada semana renovado inteiro, como se a primeira vez fosse.

E sempre, no olhar dele, o brilho do desejo. A vigilância de não se deixar enganar, de não perdê-la, a certeza incerta da obediência e submissão, prometidas, mas nem sempre cumpridas. Cola-se a ela, o corpo suado funcionando magneticamente, atrativamente, dominadoramente. Os cabelos molhados entram pelos olhos, a visão é momentaneamente perdida, mas ele reage, passa a mão nervosa no rosto e volta a enxergar. Suspira aliviado. Ela ainda está ali, não fugiu, não se negou. Os olhos brilham ainda mais e ele se movimenta - agora mais rápido, a cadência se acelerando - antecipando o momento. Os músculos todos participam da luta, o cérebro distribuindo comandos, o corpo obedecendo. E ela, ali. Ora à sua frente, tomando-lhe a dianteira; ora a seus pés, esquiva mas submissa; ora a seu lado, atrasando-lhe no galope, ele diminuindo, emparelhando e impondo-lhe a velocidade ideal.

O momento está chegando e ele pressente, mais que vê. As pernas à sua frente, mexem-se nervosas, entreabertas. Não há que titubear uma fração apenas. Sempre estava preparado para aquele momento, que já se repetiria muitas vezes em sua vida e ele esperava outras tantas. Sabia o que fazer, na situação. Era meio reflexivo que refletido. Naquele momento, sua ação era sempre igual. Olha mais uma vez - um décimo de segundo - e as pernas permanecem ali, oferecidas, prontas para sua decisão.

Com um sorriso de certeza, nem abaixa a cabeça para vê-la. Firmemente a impulsiona entre as pernas à sua frente, contorna-as e está sozinho, frente ao goleiro. Aí então volta a olhá-la. Rolando suavemente na grama, oferecida ao golpe final, dócil e submissa, a bola. Desta vez ela não fugiu e se entrega. O pé esquerdo golpeia seco e, antes que ela alcance as redes, já o grito de gol barulha de um canto a outro no estádio.

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