sábado, 28 de outubro de 2023

Admirável Mundo Novo

Futurismo ou ficção científica em 1931 revela a face hegemônica da sociedade atual e serve como alerta para os tempos que virão


Em seu apocalíptico romance, que dá título a essa reflexão, o escritor inglês Aldous Huxley imaginou uma sociedade distópica, formada por pessoas programadas em laboratório, adestradas para cumprir seu papel em uma sociedade de castas biologicamente definidas já no nascimento. O ano seria 2540, o grande ídolo é empreendedor norte-americano Henry Ford, e os sistemas de produção em massa criada pelo empresário louvam o avanço da técnica da linha de montagem e da produção em série. Nesse universo, a música, a pintura e a literatura servem apenas para referendar e solidificar o conformismo.

Admirável mundo novo também é nosso. Descobrimos água em Marte, nossas infovias levam informações a uma velocidade impensável por todo o planeta, nos comunicamos daqui do Brasil com alguém em Kanpur, na Índia, como se fosse nosso vizinho de porta. Aprendemos pela internet, compramos pela internet, comemos com um click na internet, amamos pela internet, aprendemos como matar e como morrer pela internet. Pequenos aparelhinhos luminosos nos dizem aonde ir, o que falar, quem odiar, como amar, quantos amigos podemos ter e como apagar uma pessoa da sua vida a um simples delete.

Sabemos tanta coisa: trocamos de coração, fígado, rins e até a face se for preciso.

Nossos livros viraram e-books e são consumidos na hora que quisermos em nossa biblioteca digital. Se a memória é pouca, deletamos aqueles de que menos gostamos ou até os que ainda não temos. Nossas playlists musicais não nos deixam em silêncio um minuto. Temos excesso de comida brotando em rincões e carros tão velozes que nunca atingiremos sua potência total. Técnicas avançadas em clareamento dental nos colocam um sorriso magnífico. E assim seguimos, dando um touch aqui e ali. Como somos sofisticados.


A distopia total


Também apoiamos a construção de muros que impeçam que indivíduos menos agraciados venham a se imiscuir em nossa cultura. E para que tudo permaneça como está, matamos aqueles que são diferentes, enquanto continuamos operando nossas máquinas para que não se rompa o sistema de produção. Evoluímos tanto que já nem precisamos nos comunicar verbalmente. Mas ainda interagimos através de mensagens. A comunicação dá-se por meio de sinais e carinhas/bonequinhos que nos representam. E, quando algo novo se prenuncia nesse nosso admirável mundo, apelamos para o retrocesso e as forças de segurança. Que nada mude de lugar. Assim caminhamos nessa nova humanidade.

Mas fiquemos espertos, porque a distopia atual não nos permite o controle. A fome domina nações inteiras, crianças são mantidas presas porque seus pais decidiram ir em busca de uma vida melhor, guerras aniquilam populações, doenças já erradicadas começam a se espalhar assustadoramente. São as potencialidades autoritárias do próprio mundo que criamos. E basta que um único homem dê ordens para que alguém aperte o temível botão.

É preciso estarmos atentos e fortes.


Texto de Maria Beatriz retirado da Revista Língua Portuguesa - Conhecimento Prático, Editora Escala, São Paulo, Ano 8, Edição 72, Agosto/Setembro 2018.

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