Embora só tardiamente Cecília Meireles viesse a publicar em livro as primeiras crônicas, era longa sua prática do gênero. Por mais de trinta anos, com breves intervalos, escreveu prosa circunstancial, de glosa ao cotidiano, com tal versatilidade, que poucos de nossos escritores poderiam mostra, no gênero, igual desembaraço. Do jornalismo, que exerceu, pelos anos de 30 e 40, na constância do dia a dia, lhe adveio a tarimba necessária à pronta manipulação do assunto, a habilidade no recorte do insólito, o registro do grotesco ou a graça da matização irônica. Primeiro no Diário de Notícias, depois em A Nação e A Manhã, sua pena se afina pelo exercício permanente. A "Página de Educação" lhe recolhe, no primeiro jornal, a coluna cotidiana - "Comentário" -, onde, no entusiasmo pelas novas ideias pedagógicas, treina o estilo polêmico, defendendo a influência da arte na educação, pregando a laicização da escola, criticando indecisões da política do governo ou ironizando a incapacidade de ministros relutantes. E entre uma e outra invertida, entre alusões zombeteiras, o comentário às gentes, às coisas, às datas, numa exploração oportuna da matéria cotidiana.
A partir de 1950, embora sem a obrigatoriedade do dia a dia que caracterizara seu trabalho naqueles jornais, é constante a presença de Cecília Meireles na imprensa brasileira. No Rio de Janeiro, é ainda o Diário de Notícias que lhe publica os comentários de viagens pelo mundo afora; em São Paulo, Minas Gerais e Sul do país, distribuem-se suas crônicas por numerosos periódicos, numa atividade que surpreende a quantos só venham a conhecer a Cecília cronista num primeiro livro tardio e publicado em coautoria. Por curiosa singularidade, as crônicas de Quadrante viriam não do jornal, em que Cecília iniciara um processo de comunicação mais ampla, mas do rádio, onde o processo termina.
Da colaboração escrita para programas radiofônicos nas emissoras Rádio Ministério da Educação e Cultura e Rádio Roquette Pinto nos primeiros anos de 60, se formou a bibliografia de Cecília Meireles como cronista: Quadrante (1962), Quadrante II, Escolha o seu sonho (1964), Vozes da cidade (1965) e Inéditos (1968). Os três primeiros títulos saíram ainda em vida da autora e a ela se deve a seleção das peças que publicou; os dois últimos são obras factícias, em parte (Vozes da cidade, pelo que toca a Cecília) e no todo (Inéditos, que, como os dois que o antecedem, inclui uma ou outra peça já publicada). O primeiro, o segundo e o quarto livros reúnem crônicas de diversos autores e reproduzem, na sua titulação, o nome dos programas radiofônicos em que se leram os respectivos textos. Só o título de Escolha o seu sonho foi dado pela autora.
A conveniência de que se reeditassem as crônicas de Inéditos favoreceu a reformulação do livro. Assim, juntaram-se-lhe os escritos incluídos em obras coletivas e desfez-se a imprecisão do título substituindo-se ele por Ilusões do Mundo, que, provindo de uma das crônicas, atende ao clima geral da obra e à concepção ceciliana do mundo como sonho, matéria de ilusão.
Registro do mundo circundante, a crônica de Cecília Meireles é também uma projeção de sua alma no universo das coisas. Alimenta-se da referencialidade, das coisas concretas, de fatos e situações que envolvem o ser humano em seu comércio diário, mas matiza subjetivamente tudo isso. No comentário da vida e suas situações risíveis ou pungentes, de entusiasmo ou revolta, tem sempre Cecília Meireles uma ironia sem travo ou uma ternura sem excesso, mas que sentimos morna e brotada de uma aceitação maior do mundo e seus desconcertos e do pobre ser humano que se esforça nos labirintos da vida.
Nota editorial escrita por Darcy Damasceno e retirada do livro Ilusões do Mundo, de Cecília Meireles, Editora Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1976.