Na tradição afro-brasileira do candomblé, Oxalá é o deus da paz. Alegre, sonhador e calmo, o mais criativo dos deuses fazia uma certa confusão ao criar. Conta-se que tudo o que Oxalá ia encontrando pelos caminhos do mundo o encantava tanto que ele parava para aproveitar de sua beleza. Assim, quando viu as árvores, deitou-se à sombra delas e passou um longo tempo adormecido. Tomou a seiva de uma árvore, e seu sabor era tão doce que o embriagou. Quando se deparou com os rios, demorou mais tempo ainda banhando-se em suas águas. Resultado: o mundo nunca ficava pronto.
Os outros deuses foram se irritando com o belo e tranquilo Oxalá. Então Oduduá, a deusa da terra, ofereceu-se para apressar a criação do mundo. E concluiu tudo antes que Oxalá, que repousava sob uma árvore, despertasse.
Ao acordar de seus sonhos e ver o mundo criado, o deus da paz se enfureceu. E ninguém pode ser mais terrível, vingativo e destrutivo do que ele. Por quê? Porque Oxalá não consegue controlar a raiva, o ódio, sentimentos estranhos à sua natureza.
É por isso que Oxalá apenas encontra equilíbrio quando se aproxima de Ogum, o deus da guerra. Ogum é a personificação da velocidade, do movimento e da inquietude. É ele quem comanda as mudanças, abre os caminhos, controla o próprio medo transformando-o na mais pura coragem. Pode parecer estranho, mas Ogum, o deus da guerra, só luta para conquistar a paz. Ele sabe que sua principal missão é ensinar aos homens que a felicidade existe. Assim, é Oxalá quem ajuda o amigo Ogum a descansar, rir, divertir-se, confiar na vida e respirar aliviado. Em troca, o deus da guerra ajuda o deus da paz a dominar a própria ira, ter coragem, ir em frente, achar seus caminhos em vez de perder-se na beleza do sonhos.
Trecho do prefácio de Heloisa Pietro retirado do livro de contos organizado por ela intitulado O Livro dos Medos, Companhia das Letrinhas, 2ª Edição, 2007, São Paulo.
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