Qualquer manifestação linguística vem marcada pelo fenômeno da variação. Curiosamente, persiste entre nós a ideia de que a variedade padrão, a norma culta, escapa a essa heterogeneidade. Não é o que as pesquisas têm demonstrado. Desde os anos 1970, maiormente depois de 1978, os pesquisadores do Projeto de Estudo da Norma Urbana Linguística Culta passaram a constatar que a norma do Português Brasileiro é heterogênea. Depois disso, o Projeto de Gramática do Português Culto Falado no Brasil procedeu a uma descrição minuciosa da norma, com base nos materiais levantados pelo projeto anterior, identificando diferenças por toda parte. Elas não impedem a intercompreensão, mas existem.
Impossível resumir aqui a enorme bibliografia gerada pelos dois projetos. Mesmo assim, peço a atenção do leitor para o que Dinah Callou, João Antônio de Moraes e Yonne Leite descobriram, no capítulo intitulado "Mapeamento dos processos", publicado em Maria Bernardete M. Abaurre (Org.) A Construção Fonológica da Palavra (Contexto, 2013), que é o volume VII da série Gramática do Português Culto Falado no Brasil. Eles observaram seis processos: palatalização do /s/ em final de sílaba (meninos ou meninosh?), fricativização e posteriorização do /r/ antes e depois de vogal (comer ou comeR?), palatalização do /t/ e do /d/ diante de /i/ (dia ou djia?), vocalização do /l/ em final de sílaba (anil ou aniu), nasalação da vogal de consoante nasal (bànana ou bãnana?), elevação da vogal média pretônica [e] à [i] e [o] à [u] (pequeno ou piqueno? moleque ou muleque?).
Texto de Ataliba T. de Castilho, professor da USP.
Mitos Ideológicos, 100 Mitos retirado da revista Língua Portuguesa, Ano 9, número 100, Fevereiro de 2014, Editora Segmento, São Paulo.
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