domingo, 25 de agosto de 2024

Guardemos o Cuidado (34)

 "... mas nada é puro para os contaminados e infiéis." - Paulo (TITO, 1:15.)


O homem enxerga sempre, através da visão interior.

Com as cores que usa por dentro, julga os aspectos de fora.

Pelo que sente, examina os sentimentos alheios.

Na conduta dos outros, supõe encontrar os meios e fins das ações que lhe são peculiares.

Daí, o imperativo de grande vigilância para que a nossa consciência não se contamine pelo mal.

Quando a sombra vagueia em nossa mente, não vislumbramos senão sombras em toda parte.

Junto das manifestações do amor mais puro, imaginamos alucinações carnais.

Se encontramos um companheiro trajado com louvável apuro, pensamos em vaidade.

Ante o amigo chamado à carreira pública, mentalizamos a tirania política.

Se o vizinho sabe economizar com perfeito aproveitamento da oportunidade, fixamo-lo com desconfiança e costumamos tecer longas reflexões em torno de apropriações indébitas.

Quando ouvimos um amigo na defesa justa, usando a energia que lhe compete, relegamo-lo, de imediato, à categoria dos intratáveis.

Quando a treva se estende, na intimidade de nossa vida, deploráveis alterações nos atingem os pensamentos.

Virtudes, nessas circunstâncias, jamais são vistas.

Os males, contudo, sobram sempre.

Os mais largos gestos de bênção recebem lastimáveis interpretações.

Guardemos cuidado toda vez que formos visitados pela inveja, pelo ciúme, pela suspeita ou pela maledicência.

Casos intrincados existem nos quais o silêncio é o remédio bendito e eficaz, porque, sem dúvida, cada espírito observa o caminho ou o caminheiro, segundo a visão clara ou escura de que dispõe.


Texto retirado do livro Fonte VivaFrancisco Cândido Xavier pelo Espírito Emmanuel, FEB, Brasília, 1987.

sábado, 24 de agosto de 2024

Iminência e Eminência, Piti & Moringa.

São palavras parônimas, ou seja, vocábulos quase homônimos, que se diferenciam ligeiramente na grafia e na pronúncia. O berço de "iminência", por exemplo, é o latim imminentìa, o estado de alguma coisa que está para acontecer logo, que é iminente.

Já "eminência", que também tem berço no latim eminentia, é palavra que remete a alta posição social, grande reputação, proeminência.

Iminente, portanto, é o que está prestes a acontecer. Usa-se em contextos de algum tipo de ameaça - perigo iminente, risco iminente, etc.

Eminente gerou a expressão eminência parda. É o tratamento dispensado aos cardeais. O homem forte do reinado de Luís XIII, da França, era o cardeal Richelieu, conhecido como Eminência Vermelha, pela cor de suas vestes. Seu secretário, um padre capuchinho chamado Joseph, era apelidado de Éminence Grise, pois grise significa pardo em francês, cinzento, sombrio, irônico paralelo a Richelieu, ambos trabalhando à sombra do chefe. Assim sucede geralmente em todo governo forte, cada um com sua eminência parda, que permanece anônima, não aparece mas manda um bocado.


PITI

Designação que teria sido dada por Joseph Babinski aos distúrbios secundários da histeria, rigorosamente subordinados aos primários. É o mesmo que chilique, escândalo ou barraco. Exemplos práticos: bater o pé quando não se agrada de alguma coisa; o diretor deu um piti com sua secretária porque ela esqueceu de lhe dar o recado de que um dos clientes precisava falar com ele. É o estado de nervos exibido por uma pessoa por causa de pequenos aborrecimentos que não mereceriam tal conduta. Cena comum no mundo do cinema quando determinado ator dá um piti contra os fotógrafos e atira um deles ao chão com máquina e tudo. Exemplo de piti foi o que a atriz Linda Daniel deu no Copacabana Palace nos anos 50 ao jogar pela janela os móveis de seu quarto por considerá-los, digamos, reles para sua tão decantada fama internacional.


MORINGA

Vaso de barro que pode receber água - e que, aliás, lhe dá sabor muito especial e gostoso -, com capacidade entre um e dois litros, utilizado sobretudo por habitantes do Nordeste do Brasil. è também o único gênero de plantas da família das angiospérmicas. Quando da recente ameaça de cólera no Zimbábue, pesquisadores locais usaram o pó obtido das sementes da árvore moringa para conseguir água potável e prevenir a doença. Suas folhas e flores são usadas para enriquecimento de alimentos por contar com grande quantidade de nutrientes, além de seu uso como ração animal. Numa acepção bem paulista, o vocábulo também é sinônimo de cabeça - "fica frio, não precisa esquentar a moringa" ou "fiquei de moringa quente porque não consegui pagar as contas".


Textos de Márcio Cotrim retirado da revista Língua Portuguesa, Ano 9, nº 112, Fevereiro de 2015, Editora Segmento, São Paulo.

domingo, 18 de agosto de 2024

Erguer e Ajudar (33)

 "E ele dando-lhe a mão, a levantou..." - (ATOS, 9:41)


Muito significativa a lição dos Atos, quando Pedro restaura a irmã Dorcas para a vida.

Não se contenta o apóstolo em pronunciar palavras lindas aos seus ouvidos, renovando-lhe as forças gerais.

Dá-lhe as mãos para que se levante.

O ensinamento é dos mais simbólicos.

Observamos muitos companheiros a se reerguerem para o conhecimento, para a alegria e para a virtude, banhados pela divina claridade do Mestre, e que podem levantar milhares de criaturas para a Esfera Superior.

Para isso, porém, não bastará a predicação pura e simples.

O sermão é, realmente, um apelo sublime, do qual não prescindiu o próprio Cristo, mas não podemos esquecer que o Celeste Amigo, se doutrinou no monte, igualmente no monte multiplicou os pães para o povo esfaimado, restabelecendo-lhe o ânimo.

Nós, os que nos achávamos mortos na ignorância, e que hoje, por acréscimo da Misericórdia infinita, já podemos desfrutar algumas bênçãos de luz, precisamos estender o serviço de socorro aos demais.

Não nos desincumbiremos, porém, da tarefa salvacionista, simplesmente pronunciando alguns discursos admiráveis.

É imprescindível usar nossas mãos nas obras do bem.

Esforço dos braços significa atividade pessoal.

Sem o empenho de nossas energias, na construção do Reino Espiritual com o Cristo, na Terra, debalde alinharemos observações excelentes em torno das preciosidades da Boa Nova ou das necessidades da redenção humana.

Encontrando o nosso irmão, caído na estrada, façamos o possível por despertá-lo com os recursos do verbo transformador, mas não olvidemos que, para trazê-lo de novo à vida construtiva, será indispensável, segundo a inesquecível lição de Pedro, estendendo-lhe fraternalmente as nossas mãos.


Texto retirado do livro Fonte VivaFrancisco Cândido Xavier pelo Espírito Emmanuel, FEB, Brasília, 1987.

sábado, 17 de agosto de 2024

Quando a ciência vira alquimia

 Tom panfletário para defender teorias pode ser sintoma de dogma linguístico


A ciência funda-se nos princípios da objetividade, neutralidade e imparcialidade, pilares do método científico, na busca da verdade, doa em quem doer, e na destruição de crenças infundadas, por mais arraigadas que estejam.

Não obstante, muitos discursos, especialmente nas ciências humanas - mas não exclusivamente nestas -, pautam-se pela subjetividade e passionalidade. Essa conduta tem servido aos críticos da ciência, que a consideram apenas mais uma fantasia do espírito humano e lhe atribuem a mesma credibilidade que a filosofia ou a religião. Mas é preciso lembrar que, quando a ciência se torna ideologia, a culpa não é dela mesma, mas dos cientistas, que, como seres humanos, são falhos e emocionais (além de, por vezes, incompetentes ou desonestos).

Com a linguística não é diferente. Embora tenha sido a primeira das humanidades a ganhar status de ciência, em princípios do século 19, muito do que se publica hoje a respeito de língua resvala no juízo de valor, na subjetividade e tendenciosidade em detrimento dos fatores objetivos.


Variação

É natural que todo estudioso, face à sua própria formação acadêmica e interesse de pesquisa, se filie a alguma corrente teórica, isto é, adote uma determinada metáfora para descrever a realidade (a língua como ser vivo, estrutura mecânica, sistema complexo, fato biológico, social ou mental, e assim por diante). Mas a defesa instransigente do modelo a despeito da realidade que ele pretende descrever arrisca-se a transformar teoria em dogma e ciência em religião ou facção política.

Nenhuma teoria científica, por mais neutra, imparcial e objetiva que seja (e é preciso que assim o seja, senão não é científica), está livre de transformar-se em ideologia nas mãos de pesquisadores imaturos ou mal-intencionados. A bola da vez parece se a chamada linguística variacionista.

Decorrente dos estudos sociolinguísticos dos anos 1970, esse linha de investigação teve o mérito de mostrar que a língua não é um sistema único, monolítico, mas um conjunto de subsistemas apenas parcialmente coincidentes, em que as variações e mudanças decorrem de fatores como o tempo histórico, a localização geográfica, a classe social, o nível de escolarização, a situação de comunicação, a modalidade (oral ou escrita) e o meio físico (canal ou mídia) em que se dá o discurso.


Revisão

A teoria variação linguística permitiu mostrar que todos somos, como diria Evanildo Bechara, poliglotas em nossa língua, assim como contribuiu para relativizar a questão do erro gramatical e da obediência cega à norma padrão. Entretanto, se desmistificou a crença de que "a maioria dos brasileiros não sabe falar português" ou "nunca se falou tão mal como hoje em dia", muniu os ideológicos de plantão com argumentos que, para contestar a norma vigente, fazem apologia da fala popular e não escolarizada; para defender uma pseudodemocracia linguística, legitimam o desrespeito à gramática, vista como instrumento de repressão a serviço das classes dominantes; e assim por diante.

É evidente que não se pode nem se deve usar o português normativo numa mesa de bar ou numa brincadeira de crianças, mas isso não quer dizer que se deva estimular as pessoas a falar de modo informal em situações formais. É óbvio que está equivocado o professor que destrói a autoestima dos alunos ao convencê-los de que são ignorantes, falam errado ou não sabem se expressar direito. É para mostrar que há várias línguas dentro da língua e que cada uma é adequada a uma situação de discurso que muitos linguistas propõem o ensino da variação linguística em sala de aula. Mas desde que fique claro que o objetivo da escola é ensinar o aluno a manejar com maestria o português formal, pois é este o que lhe será exigido no mercado de trabalho e em muitas relações sociais, até porque no português informal o aluno já é proficiente.


Contexto

Mas há educadores que, mesmo bem-intencionados, disseminam a falsa crença de que o importante na comunicação é a eficiência (Si deu pra  intendê, tá tudo certo!) e de que clareza, correção e elegância são coisas supérfluas ou, pior, excludentes ("a norma culta é o instrumento linguístico criado pela burguesia para oprimir o proletariado"). Esses maus educadores acabam contribuindo para alimentar a fama que os linguistas têm entre gramáticos conservadores e leigos desavisados de que são a favor do vale-tudo em matéria de língua.

Com isso, perde a linguística séria, pautada no método científico; perde o já tão desprestigiado ensino da língua; perdem os estudantes, que irão para o mercado de trabalho despreparados e para a sociedade dotados de um vocabulário de não mais que oitocentas palavras; perde enfim o país, costumeiramente na lanterninha em avaliações internacionais de desempenho escolar.


Texto de Aldo Bizzocchi retirado da revista Língua Portuguesa, Ano 9, nº 113, Março de 2015, Editora Segmento, São Paulo.

sábado, 10 de agosto de 2024

A Boa Parte (32)

 "Maria escolheu a boa parte, que não lhe será tirada." - Jesus. (LUCAS, 10:42.)


Não te esqueças da "boa parte" que reside em todas as criaturas e em todas as coisas.

O fogo destrói, mas transporta consigo o elemento purificador.

A pedra é contundente, mas consolida a segurança.

A ventania açoita impiedosa, todavia, ajuda a renovação.

A enxurrada é imundície, entretanto, costuma carrear o adubo indispensável à sementeira vitoriosa.

Assim também há criaturas que, em se revelando negativas em determinados setores da luta humana, são extremamente valiosas em outros.

A apreciação unilateral é sempre ruinosa.

A imperfeição completa, tanto quanto a perfeição integral, não existem no plano em que evolutimos.

O criminoso, acusado por toda a gente, amanhã pode ser o enfermeiro que te estende o copo d'água.

O companheiro, no qual descobres agora uma faixa de trevas, pode ser depois o irmão sublimado que te convida ao bom exemplo.

A tempestade da hora em que vivemos é, muitas vezes, a fonte do bem-estar das horas que vamos viver.

Busquemos o lado melhor das situações, dos acontecimentos e das pessoas.

"Maria escolheu a boa parte, que não lhe será tirada" - disse-nos o Senhor.

Assimilemos a essência da divina lição.

Quem procura a "boa parte" e nela se detém, recolhe no campo da vida o tesouro espiritual que jamais lhe será roubado.


Texto retirado do livro Fonte VivaFrancisco Cândido Xavier pelo Espírito Emmanuel, FEB, Brasília, 1987.

De que é feita a prosa de ficção

 Contar histórias significa mobilizar quatro aplicativos principais


Quando dizemos que um conto ou um romance "contam uma história" estamos fazendo uma simplificação, porque cada autor conta sua história de uma maneira diferente. Cada autor tem sua paleta de cores, ou sua caixa de ferramentas, ou sua pasta de aplicativos - fique o leitor com a comparação que achar mais justa. Para mim, os aplicativos principais (pois não estou dizendo que não haja outros) são quatro: descrição, ação, diálogo e narração. Eles  aparecem aqui e ali com nomes diferentes, mas são estes os nomes que aplico para uso próprio; talvez essa divisão possa ser útil a mais alguém.


Descrição

É qualquer texto que reproduz o mundo físico, visível, palpável, onde acontece a história:

"Ele chegou a uma ruazinha estreita, calçada de pedras, iluminada por um lampião. Na calçada, diante do batente de uma casa, um velho de pijama cochilava numa cadeira de balanço. Ele caminhou até o número que tinha anotado."

O romance realista do século 19 refinou a arte da descrição a um ponto que me parece insuperável. Uma tentativa de superá-la foi feita por alguns autores do século 20, especialistas em descrições minuciosas, de extrema imaginação; Alain Robbe-Grillet (Encontro em Hong Kong, A Suspeita, etc) e Georges Perec (A Vida Modo de Usar, As coisas, Um Homem que Dorme) se especializaram nisso, e sua literatura, embora excelente, bate muitas vezes num teto de onde não é possível ir além.

É bom lembrar que a descrição não á apenas visual, não é somente a tentativa de evocar na mente do leitor o que Ezra Pound chamava de "fanopeia", a impressão visual produzida pelo texto. O autor pode estar descrevendo a sensação total produzida por um ambiente físico:

"Uma criada de roupa amarfanhada abriu a porta e pediu-lhe que esperasse. A sala tinha um cheiro úmido e abafado como se há muito tempo as janelas não fossem abertas para dar entrada ao sol; farelos de comida pelo chão indicavam que não tinha sido varrida na véspera. Do quarto ao lado, a TV ligada bradava o ruído irritante de um filme de mercenários em guerra. Ele sentou no sofá, que cedeu mais do que era de se esperar. E esperou um longo tempo".

Sensações físicas dão origem a interpretações. O autor não apenas descreve o que o personagem vê, cheira ou escuta, mas a impressão que aquilo lhe causa.


Ação

É o que acontece, a parte dinâmica da narrativa, se mistura a todo o resto. Ação e descrição devem estar misturadas como café e leite. A ação pode ocorrer em diferentes níveis de tempo. É possível sintetizar ações de vários anos num pequeno trecho:

"Há dez anos ele tentava localizar aquele homem. Viajou o país inteiro, remexeu arquivos, consultou cartórios, rastreou os indícios de sua passagem."

Estreitando um pouco o foco temporal, pode-se narrar uma ação de um dia inteiro:

"De posse do endereço, ele voltou ao hotel, almoçou, deu alguns telefonemas, e ao anoitecer pegou o ônibus que o deixaria próximo do local."

A ação é aparentemente fácil de escrever ("basta contar o que as pessoas estão fazendo"), mas pode ser traiçoeira. Uma das armadilhas mais frequentes são as cenas de ações muito específicas: cenas de sexo, de briga corporal, etc. Não basta dizer o que está acontecendo, é preciso fazê-lo de um modo que tenha a ver com os atos, os movimentos. Não se pode narrar uma briga como se narra uma refeição.


Narração

É o texto em que o autor comenta, fala o que há na mente dos personagens, dirige-se ao leitor, evoca passados ou futuros, etc. É um espaço onde ambiente e personagens retrocedem para o fundo do palco e o autor se adianta. Não sei se "narração" é o termo adequado, mas evoca uma presença por trás do texto (que não é necessariamente o autor, é muitas vezes um "preposto" seu, criado por ele para contar a história):

"A escolha do filme e o volume alto tinham sido propositais. O estalo do 22 passou despercebido. O homem e a criada arrastaram o corpo para o buraco retangular cavado desde a véspera. Para eles era um ritual aguardado, que se cumpria em minutos e sinalizava o início de uma nova espera. Pás de uma terra escura, empapada de chuva, foram jogadas sobre o cadáver e sobre os ossos carcomidos que despontavam no fundo. Dentro da casa, o tiroteio do filme continuava, surdo àquele outro tiroteio esparso que há anos vinha reduzindo o número dos detentores de um segredo mortal."


Diálogo

Parece simples - é o que os personagens dizem, geralmente indicado por travessões (uns usam aspas, à norte-americana). Para alguns, é a parte fácil: dezenas de páginas de bate-papo ininterrupto. Muitas vezes torna-se a parte redundante (o diálogo só confirma o que já foi mostrado) ou supérflua (o autor inexperiente pede a um personagem que explique ao leitor um ou outro detalha que ele não conseguiu deixar claro).

Idealmente, todo diálogo deveria trazer uma revelação sobre quem fala e escuta, sobre a narrativa propriamente.

" - Quem lhe deu meu endereço me ligou em seguida - disse a voz à janela, sobressaltando-o.

Olhou: era o velhinho que estivera cochilando na calçada, e o revólver em sua mão não tremia.

- Não pense que me caço. Fui eu que o pesquei."


Texto de Bráulio Tavares retirado da revista Língua Portuguesa, Ano 9, nº 113, Março de 2015, Editora Segmento, São Paulo.

sábado, 3 de agosto de 2024

Lavradores (31)

 "O lavrador que trabalha deve ser o primeiro a gozar dos frutos." - Paulo. (II TIMÓTEO, 2:6)


Há lavradores de toda classe.

Existem aqueles que compram o campo e exploram-no, através de rendeiros suarentos, sem nunca tocarem o solo com as próprias mãos.

Encontramos em muitos lugares os que relegam a enxada à ferrugem, cruzando os braços e imputando à chuva ou ao sol o fracasso da sementeira que não vigiam.

Somos defrontados por muitos que fiscalizam a plantação dos vizinhos, sem qualquer atenção para  com os trabalhos que lhes dizem respeito.

Temos diversos que falam despropositadamente com referência a inutilidades mil, enquanto vermes destruidores aniquilam as flores frágeis.

Vemos numerosos acusando a terra como incapaz de qualquer produção, mas negando à gleba que lhes foi confiada a bênção da gota d'água e o socorro do adubo.

Observamos muitos que se dizem possuídos pela dor de cabeça, pelo resfriado ou pela indisposição e perdem a sublime oportunidade de semear.

A Natureza, no entanto, retribui a todos eles com o desengano, a dificuldade, a negação e o desapontamento.

Mas o agricultor que realmente trabalha, cedo recolhe a graça do celeiro farto.

E assim ocorre na lavoura do espírito.

Ninguém logrará o resultado excelente, sem esforçar-se, conferindo à obra do bem o melhor de si mesmo.

Paulo de Tarso, escrevendo numa época de senhores e escravos, de superficialidade e favoritismo, não nos diz que o semeador distinguido por César ou mais endinheirado seria o legítimo detentor da colheita, mas asseverou, com indiscutível acerto, que o lavrador dedicado às próprias obrigações será o primeiro a beneficiar-se com as vantagens do fruto.


Texto retirado do livro Fonte VivaFrancisco Cândido Xavier pelo Espírito Emmanuel, FEB, Brasília, 1987.

terça-feira, 30 de julho de 2024

A evolução esbarra na educação

Que as línguas evoluem já se tornou um truísmo. Estamos tão acostumados à ideia de que cada geração se expressa de modo diferente e novos termos e construções surgem a todo momento que prestamos mais atenção à mudança do que à conservação. E, no entanto, se a tendência natural da língua é mudar, o fato verdadeiramente admirável não é que haja inovações o tempo todo, mas que exista certa estabilidade no sistema, de modo que conseguimos nos comunicar com eficiência desde que aprendemos a falar até o fim da vida.

Embora muitos pensem que exista uma força impulsionando a evolução, na verdade, a mudança se dá por inércia: é necessário uma força para deter ou retardar a evolução. Afinal, abandonada à própria sorte, toda língua muda rápida e inexoravelmente, já que todo falante, mesmo involuntariamente, contribui para essa transformação.


Formalidade

O fator que mais obstrui a mudança é a escrita: línguas com escrita formal são mais conservadoras que as ágrafas. A escrita socialmente partilhada precisa que haja uniformidade espacial e temporal. E para que exista escrita formal, tem de haver educação. Portanto, a escola é a grande força a se opor à evolução da gramática (o léxico muda mais pacificamente com o próprio progresso social). A língua falada na România, os territórios europeus outrora dominados por Roma, mudou mais do século 5º ao 10º de nossa era do que nos cinco séculos anteriores ou nos dez seguintes. Essa rápida mutação se deveu ao desaparecimento da educação formal durante a Alta Idade Média.


Níveis

Todas as línguas literárias, ou de cultura, admitem um nível de linguagem formal e um informal, além de um que podemos chamar de "iletrado". Em Português, em simplificação grosseira, esses três níveis podem ser representados pelas construções "nós vamos", "a gente vai" e "nós vai" (ou "a gente vamos"). Entre os dois primeiros níveis e o terceiro há uma barreira: um falante escolarizado alterna seu registro entre formal e informal conforme o interlocutor e a situação de comunicação em que se encontre (entrevista de emprego, palestra, bate-papo entre amigos). Mas nunca se expressa como as pessoas iletradas, a não ser de brincadeira. Já estas acabam prisioneiras de seu nível de linguagem pela falta de escolaridade.

É notável que em países como os escandinavos a distância entre a língua falada e a escrita é menor do que em outros, como o Brasil. Mas para discutir esse ponto, é preciso primeiro desfazer um equívoco frequente entre nível formal e modalidade escrita, assim como entre nível informal e modalidade falada. Muitos acreditam que a norma padrão existe só para a escrita, e a expressão oral é livre de obedecer a ela dada a sua natural informalidade.

Há formalidade e informalidade tanto na escrita quanto na fala: podemos escrever a um amigo em linguagem coloquial, como se estivéssemos falando com ele, assim como se deve usar o Português padrão numa conferência ou aula magna. É bem verdade que a maioria dos textos escritos é formal e a dos atos de fala é informal, o que gera a confusão entre registro e modalidade.


Conservadorismo

Pessoas bem escolarizadas tendem a se expressar de maneira mais próxima do padrão mesmo em situações informais. Ou seja, não se passa pelo processo de escolarização impunemente! Portanto, se em certos países a língua falada está bem próxima da escrita, é porque, neles, a qualidade e a abrangência da educação são muito altas.

Povos como o sueco ou o alemão têm a fama de escreverem como se fala; a realidade é que eles falam como se escreve, ou seja, a forte ênfase em escrita no ensino básico faz com que os falantes, mesmo em ambientes informais, prefiram "nós vamos" a "a gente vai".

No Português brasileiro, a distância entre a língua dos contratos e ofícios e a dos botequins e campinhos de futebol é abismal - em Portugal, essa distância é um pouco menor. Isso se dá em parte porque nosso padrão é excessivamente conservador (jornais e revistas tendem a um meio-termo, elegante e correto, mas simples e direto), mas também porque nossa escola é fraca; fosse mais forte, mais gente usaria "nós vamos" em lugar de "a gente vai", e mais pessoas diriam "a gente vai" em vez de "a gente vamos".

Some-se a isso o fato de que, para muitos estudantes, a figura de prestígio e modelo de comportamento e linguagem não é o professor, mas o traficante, temido e respeitado por seu poder de fogo. Nesse sentido, arriscaria dizer que, em matéria de fala, a população de baixo letramento - que, infelizmente, inclui até universitários - não se encontra em situação tão diferente da experimentada pelos europeus da Idade das Trevas.


Texto de Aldo Bizzochi retirado da revista Língua Portuguesa, Ano 9, nº 115, Maio de 2015, Editora Segmento, São Paulo.


domingo, 28 de julho de 2024

Idioma Onipresente

 Do pan japonês ao limonada búlgaro, o Português influencia mais línguas do que se pensa - muito por conta da expansão ultramarina portuguesa entre os séculos 15 e 17.


Há muitas palavras portuguesas circulando pelo mundo afora, mas não são tão originais no vocabulário quanto se imagina. A maioria dos vocábulos de origem culta - usados nas ciências, nos assuntos universitários mais diversos, nos jargões técnicos, na política, na religião e nas artes - é eruditismo, derivado de raízes e/ou afixos latinos ou gregos. Esse léxico entrou na península Ibérica na baixa Idade Média, provindo do italiano da época do Renascimento, da Língua Inglesa do decorrer dos dois últimos séculos e,  principalmente, do Francês, antes mesmo da fundação de Portugal. A capacidade criativa de Portugal no campo das palavras cultas é impressionantemente pequena - o que chega a ser decepcionante para os que se inebriam com um discurso patriótico ou nacionalista.

Quem trabalha com Etimologia, porém, logo se dá conta desse fato. Por outro lado, antes de essa enxurrada de eruditismos entrar no Português, ou seja, antes de a dinastia de Avis ascender ao trono português, no final do século 14 - portanto, antes do Leal Conselheiro de dom Duarte, antes de Fernão Lopes e de Camões -, havia uma língua medieval na qual foram compostos os cancioneiros. O belíssimo cancioneiro das Cantigas de Santa Maria, inexplicavelmente pouco mencionado nas aulas de Literatura Portuguesa, apresenta mais de 400 peças (algumas muito longas) de uma beleza ímpar. Todas redigidas em Português no segundo quartel do século 13 por muitos trovadores, embora conste apenas a assinatura de Afonso X, o Sábio, rei de Leão e Castela (1221-1284).

Apesar de sua extensão, o vocabulário das antigas contém pouco mais de 20 mil palavras não-lematizadas, ou seja, um substantivo pode aparecer sob duas formas ("igreja", "igrejas"); um adjetivo, sob quatro ("branco", "branca", "brancos", "brancas"); e um verbo, sob algumas dezenas ("canto", "cantas", "canta", "cantava", "cantávamos", etc.). Sem falar que a mesma palavra é grafada de várias formas ("igreja", "jgreia", "ygreja", "ygreia", "eigreia", etc.). Pode-se supor, desse modo, que o número de palavras utilizado para compor todo o cancioneiro não chegue a 3 mil. Essa pobreza lexical é compensada, contudo, com uma maior polissemia, ainda presente no Português falado, que permite a leitura do mesmo verso de duas ou mais formas distintas.

Os léxicos extensos são, portanto, construtos artificiais, obtidos por meio de um somatório de contextos, experiências e jargões que, embora presentes na complexidade das sociedades modernas, não são ativos no discurso diário.


Sete Mares

Palavras portuguesas pertencem a campos específicos. "Piranha", por exemplo, está presente no vocabulário do Inglês, Francês, Alemão, Italiano, Holandês, Espanhol e Islandês, entre outros. De origem Tupi (originalmente "peixe com dente"), a palavra foi incorporada pelo Português e ganhou o mundo. A nomenclatura da fauna e da flora típicas de cada região, quando peculiares por sua beleza ou excentricidade, tem grande chance de importar vocábulos (vide "orangotango", "lhama", "panda", etc.). Muitas vezes, a sua origem repousa num total enigma, como ocorrer com "zebra", que também se internacionalizou.

Outras palavras portuguesas que têm chance de serem adotadas em diversos idiomas são aquelas ligadas a topônimos. Assim, "Bahia", grafia antiga de "baía", transformada de substantivo comum em substantivo próprio, viaja pelo planeta sem associação imediata com o bay do inglês, o baie do Francês, o bucht do Alemão. Também poucos associam de forma imediata a "Flórida" com seu termo original florida, do Espanhol, com o mesmo significado do homônimo Português (apenas com pronúncia inglesa proparoxítona). Também o termo "Cape Verde", que traduz o nome do país "Cabo Verde", que traduz o nome do país "Cabo Verde", tão evidente em Português por ser quase um nome comum, para o Inglês é totalmente opaco. Nenhum anglófono associará imediatamente "verde" a green, a menos que saiba Espanhol ou alguma outra língua românica. Inversamente, "Groelândia" é o aportuguesamento do termo dinamarquês que significa originalmente "terra verde". Nos topônimos, além disso, residem mistérios que talvez nunca estejam resolvidos, de línguas extintas há milênios.

Não são apenas os termos da Língua Portuguesa associados à Biologia ("caju", "maracujá") e à topografia os internacionalizáveis. Os que se referem à culinária também: "tapioca", por exemplo, ocorre em vários idiomas. Outros aspectos culturais constam dos dicionários: o antigo "auto-da-fé" aparece em muitas línguas, como triste lembrança de uma prática de intolerância. Na música, a "bossa nova" e o "samba" são termos que não têm normalmente tradução, mesmo nos idiomas mais puristas. Termos pejorativos também não faltam: o vocábulo "palavra", tão neutro em Português, aparece em Alemão, Turco, Romeno e Albanês com o significado de "tagarelice, mentira". Teria sido porque algum lusófono, tendo dado a sua palavras de honra, não a tenha cumprido? Mistérios que jamais se decifrarão se não dispusermos de provas documentais (muitas vezes inexistentes). O termo "viado" (com "i" mesmo) consta no dicionário Zingarelli como "travesti ou transexual de origem brasileira que se prostitui". Consultando o Google, observa-se que o termo em si é descritivamente neutro. Ele aparece até mesmo em manchetes de jornais sérios e não traz consigo nenhuma carga pejorativa intrínseca, como polemicamente pode sugerir-se em Português.

Enquanto Portugal foi dono dos oceanos, muitas línguas receberam palavras do Português. No Malaio, a palavra boneka tem o mesmo significado que na Língua Portuguesa. A transmissão da palavra só pode ter sido do nosso idioma para o Malaio e não o contrário, pois ela já existe no Português desde o século 14, portanto antes da chegada dos portugueses àquelas paragens. No reino do Ceilão, atual Sri Lanka, há muitos outros exemplos. No japonês, o termo zubon, que significa "calças", escrito num silabário especial para palavras estrangeiras, recorda o tempo em que os portugueses usavam "gibão". "Pão" é, até hoje, pan, de origem portuguesa (e não francesa nem espanhola, como se afirmou). Sendo a arte de fazer pão uma técnica desconhecida da antiga culinária japonesa, a palavra só podia ser estrangeira, e, de fato, circulou pela Ásia: em dialetos chineses o mesmo ocorre. A palavra "marmelada" foi adotada por muitas línguas, normalmente com o sentido genérico de "geleia" de marmelo (em Francês, marmelade; em Alemão, Marmelade). A palavra ibérica "limonada" chegou até o búlgaro com o sentido de "suco": nessa língua, uma genuína limonada se diz limonada na limon.

O legado português ultrapassou o domínio lexical, tendo construído, como o Francês e o Inglês, muitas novas línguas, chamadas de crioulas: o Papiamento falado nas Antilhas; o Guineense, na Guiné-Bissau; o Fa d'Ambu, na ilha de Ano Bom da Guiné Equatorial; o Macaense, na China; e o Papiá Kristang, na Malásia, - que ainda sobrevivem, mas muitíssimas outras línguas neoportuguesas estão extintas ou em franco perigo de extinção.

Pode ser verdade que o Português não tenha contribuído para a formação das palavras eruditas das línguas internacionais atuais, mas uma parte de seu vocabulário é, sim, conhecida delas. Está ali, escondida, em cantos quase invisíveis. Basta ter olhos e técnica para olhar.


Texto de Mário Eduardo Viaro, professor de Língua Portuguesa da USP. Retirado da revista Discutindo Língua Portuguesa (Edição Extra), Escala Educacional, São Paulo, 2008.

sábado, 27 de julho de 2024

Duplas Dinâmicas

 Dicionários relacionam vários vocábulos com duas ou mais formas porque determinar a grafia certa e a errada é complicado e não se detém apenas em aspectos etimológicos


É fato que idiomas são objetos em transformação constante, muito por causa das alterações que provoca a relação língua-falante. Talvez por isso exista a dificuldade em assinalar o certo e o errado, já que há a tendência de que, com o passar do tempo, alguns desses mesmos "erros" se tornem "acertos" ou, pelo menos, aceitáveis.

Um exemplo dessa alteração temporal é o pronome de tratamento "Vossa Mercê", que além de ter perdido suas características de uso passou por contrações até chegar aos nossos dias como o "você" que, em alguns lugares do Brasil, já virou "cê". Um ótimo exemplo disso está em Guimarães Rosa (1908-1967), no conto A Terceira Margem do Rio: "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!"

Tal processo, apesar de demorado, começa a imprimir mudanças mais profundas: hoje, em grande parte do território brasileiro, o "você" substitui o "tu" como pronome de segunda pessoa do singular. Mesmo em lugares como o Rio de Janeiro, onde ainda há o uso do "tu", o "você" já é utilizado com o verbo na terceira pessoa do singular. Isso assinala uma possível mudança na gramática tradicional - lógico, a longuíssimo prazo.

Pensando-se em pares que concorrem no uso cotidiano da língua, temos também o clássico "bêbedo" e "bêbado". Nesse caso, a primeira forma seria a mais "correta", porque traz clara a raiz etimológica, "bebedeira". No entanto, a segunda forma se apresenta como a mais comum no uso cotidiano, e não há como afirmar que ela foge completamente à raiz. Houve provavelmente, uma alteração no âmbito fonético, o fenômeno conhecido por dissimilação - processo que altera um ou mais sons de um fonema, tornando os dois diferentes. Obras antigas, como o Dicionário Moderno da Língua Portuguêsa (grafia original), de 1953, já apresentavam as duas formas como possíveis.

Há, contudo, pares em que a confusão é ainda maior, por exemplo, "efeminado" e "afeminado". A mais aceita pelas gramáticas tradicionalistas é a primeira ocorrência, que tem raiz no Latim. No entanto, ao consultar o dicionário Houaiss, vemos que a segunda apresenta etimologia que viria do Português medieval afemjnado. E ambas datadas do século 15. Pares semelhantes são "percentagem" e "porcentagem"; "zunido" e "zumbido"; "taramela" e "tramela", que também apresentam a primeira forma como a mais aceita pela gramática tradicional e a segunda como a mais comum no uso da língua.

Um par interessante é "tetravô" e "tataravô", no qual a primeira ocorrência é a considerada mais correta (contém raiz etimológica) e também a forma mais comum pelo dicionário Houaiss. No entanto, talvez pelo poder do culto kitsch ao seriado mexicano Chaves, não há quem não tenha ouvido ou utilizado a segunda forma. Assim como "salsicha" e "salchicha": a segunda seria uma forma mais informal da primeira, e a esta, privilegiada pela língua.

O que se observa genericamente é que os puristas preferem as formas aportuguesadas ou sinônimas já existentes na Língua Portuguesa, no entanto o uso comum do Português se apropriou das formas vindas diretamente do idioma matriz. No par "cabina" e "cabine" que, por exemplo, vem do Francês. Os tradicionalistas, que as consideram galicismo, recomenda o uso de sinônimos, mas a forma já está de tal maneira incorporada no cotidiano que seria estranhamento ouvir alguém dizer "vou utilizar o compartimento telefônico" ou "o cubículo telefônico está ocupado". Ou ainda entrar em uma loja de materiais para construção e pedir ao vendedor um "semicúpio", sugerido no lugar de "bidê" (do Francês bidet). Isso é normal com diversos idiomas influentes, seja por fatores culturais, como o inglês ("xampu" e shampoo, "uísque" e whisky, etc), ou sociais, como o imigrante italiano ("ricota" e ricotta, "espaguete" e spaghetti, "mezanino" e mezzanino, etc.).

Há outras línguas que influenciam o Português, assim como o nosso idioma já influenciou a transformação de outros. Um exemplo disso é um típico drinque brasileiro famoso mundo afora, que já tem uma versão, por exemplo, em Alemão: das Caipi. Isso indica que até línguas como a germânica, conhecida pelo cuidado em admitir estrangeirismos, não se fecha completamente à influência externa... Se não, de que outra forma se poderia pedir uma caipirinha em Berlim?


Texto de Andréa Santos Neiva, professora de Redação do curso Alferes Vestibulares, de São Paulo. Retirado da revista Discutindo Língua Portuguesa (edição Extra), Escala Educacional, São Paulo, 2008.