Escrevo este livro porque desejo falar a mestres, professores, educadores, administradores de escolas, universidades e instituições educacionais. Mas que é que pretendo dizer-lhes? Eis-me perplexo ante a pergunta. Invade-me uma onda de ideias e de sentimentos e fico sem saber como começar. Aí, um pensamento sobe à tona - desejo falar-lhes a respeito de aprendizagem. Mas não o amontoado de coisas sem vida, estéreis, fúteis, logo esquecidas, com que se abarrota a cabeça do pobre e desamparado educando, atado à sua cadeira pelos vínculos blindados do conformismo! Refiro-me à APRENDIZAGEM - à insaciável curiosidade que leva o adolescente a absorver tudo que pode ver, ouvir ou ler sobre motores a gasolina a fim de aumentar a eficiência e a velocidade do seu "calhambeque". Penso no estudante que diz:
- Estou descobrindo, estou sorvendo algo que me vem de fora, estou fazendo com que isto se insinue numa parte real de mim mesmo.
A aprendizagem a que aludo é aquela na qual a experiência do aprendiz progride nos seguintes estágios:
- Não, não! Não é isto que eu quero.
- Espere! Isto está começando a me interessar, é quase aquilo de que preciso.
- Ah, isto sim! Agora estou apanhando e compreendendo aquilo de que preciso, o que eu quero saber.
Eis o tema, eis o assunto deste livro.
Duas Espécies de Aprendizagem
A aprendizagem, creio, pode ser dividida em duas espécies gerais, dentro da mesma continuidade de significação. Num extremo da escala está a espécie de tarefa que os psicólogos algumas vezes impõem aos seus clientes - a aprendizagem de sílabas sem sentido. Guardar de memória certos itens como baz, ent, nep, arl, lud e outros de igual teor é tarefa difícil. Porque não há significado algum, aprender tais sílabas não é fácil e, se aprendidas, são logo esquecidas.
Com frequência nos negamos a reconhecer que muito do material apresentado aos estudantes em salas de aula tem, para eles, a mesma qualidade desconcertante e destituída de significado que tem, para nós, a lista de sílabas sem sentido. Isto é verdade, sobretudo, para a criança pouco privilegiada, a quem uma experiência anterior não oferece contexto algum dentro do qual se insira o material com que se defronta. Mas quase todo estudante descobre que extensas porções do seu currículo são, a seu ver sem o menor significado. Assim a educação se transforma na frustrada tentativa de aprender matérias sem qualquer significação pessoal.
Tal aprendizagem lida apenas com o cérebro. Só se coloca "do pescoço para cima". Não envolve sentimentos ou significados pessoais; não tem a mínima relevância para a pessoa como um todo.
Em contraste, há algo significante, pleno de sentido - a aprendizagem experiencial. Quando a criança que está aprendendo a andar toca no radiador de aquecimento, aprende por si mesmo o significado de uma palavra - "quente"; capacita-se da necessidade de ter, para o futuro, certo cuidado em relação a objetos semelhantes; a sua aprendizagem é feita de modo tão significativo que dela não se esquecerá tão cedo. Também a criança que guarda de memória "dois mais dois igual a quatro" pode, um dia, ao brincar com seus toquinhos ou com suas bolas de gude, compreender, subitamente que "dois mais dois são quatro". Descobriu algo que, para ela, tem significado, de um modo que envolve, ao mesmo tempo, o seu pensar e o seu sentir. Ou a criança que laboriosamente adquiriu a "habilidade de ler", pode-se ver encantada, um dia, com uma história ilustrada, seja um livro cômico ou um conto de aventuras, e compreende que as palavras têm um poder mágico que a põe fora de si mesma, dentro de um outro mundo. Só então, aprendeu, realmente, a ler.
Marshall McLuhan dá-nos um outro exemplo. Acentua ele que se uma criança de cinco anos é levada a um país estrangeiro, e se lhe é permitido brincar, livremente, durante horas, com seus novos companheiros, sem nenhuma instrução prévia sobre a Língua que eles falam, aprendê-la-á em poucos meses e adquirirá até mesmo a entonação que lhe é própria. Estará aprendendo de um modo que tem significado, que tem sentido para ela, e tal aprendizagem se processa em espaço de tempo extremamente curto. Mas se alguém tentar instruí-la na nova Língua, baseada essa instrução nos elementos que têm significado para o professor, a aprendizagem será tremendamente lenta ou simplesmente não se fará.
Essa ilustração, fundada em fato comum, merece ser bem ponderada. Por que é que a criança, deixada a si mesma, aprende rapidamente, de forma que não se esquecerá tão cedo e por um meio que tem significado eminentemente prático para ela, quando tudo se poderia deteriorar se fosse "ensinada" de maneira a só envolver a sua inteligência? Talvez um exame mais aprofundado nos ajude a responder.
Uma Definição
Definamos, com um pouco mais de precisão, os elementos envolvidos em tal aprendizagem significativa ou experiencial. Tem ela a qualidade de um envolvimento pessoal - a pessoa, como um todo, tanto sob o aspecto sensível quanto sob o aspecto cognitivo, inclui-se no fato da aprendizagem. Ela é autoiniciada. Mesmo quando o primeiro impulso ou o estímulo vêm de fora, o senso da descoberta, do alcançar, do captar e do compreender vem de dentro. É penetrante. Suscita modificação no comportamento, nas atitudes, talvez mesmo na personalidade do educando. É avaliada pelo educando. Este sabe se está indo ao encontro das suas necessidades, em direção ao que quer saber, se a aprendizagem projeta luz sobre a sombria área de ignorância da qual tem ele experiência. O locus da avaliação, pode-se dizer, reside, afinal, no educando. O significado é a sua essência. Quando se verifica a aprendizagem, o elemento de significação desenvolve-se, para o educando, dentro da sua experiência como um todo.
O Dilema
Creio que todos os mestres e educadores preferirão facilitar esse tipo de aprendizagem experiencial e dotada da significação, em vez do outro, o das sílabas sem sentido. Entretanto, na maioria das nossas escolas, em todos os níveis educacionais, ainda nos temos de haver com uma via de acesso tradicional e convencional que torna improvável, se não impossível, a aprendizagem de significação. Quando reunimos em um esquema elementos tais como currículo pré-estabelecido, "devedores" idênticos para todos os alunos, preleções como quase único modo de instrução, testes padronizados pelos quais são avaliados externamente todos os estudantes, e notas dadas pelo professor, como medida de aprendizagem, então, quase podemos garantir que a aprendizagem dotada de significação será reduzida a um mínimo.
Existem Alternativas?
Não é por alguma depravação interior que os educadores seguem tal sistema autofrustrador de ensino. É, quase literalmente, porque não conhecem alternativa exequível. Os elementos que eu acabo de mencionar vieram a ser considerados como a única definição possível de "educação".
Há, porém, alternativas - métodos alternativos práticos de lidar com uma classe ou dirigir um curso - tomadas de posição e hipóteses alternativas capazes de dar estrutura à educação - objetivos e valores alternativos pelos quais educadores e estudantes podem lutar. Espero que tais alternativas se tornem bem claras, nos capítulos que se seguem.
Prólogo (escrito pelo próprio autor) do livro Liberdade Para Aprender, de Carl R. Rogers, Editora Interlivros, 4ª Edição, Belo Horizonte, 1977. Tradução de Edgar Godoi da Matta Machado e Márcio Paulo de Andrade.