domingo, 24 de outubro de 2010

Crítica

             Tradicionalmente, tem-se afirmado que o homem é um animal racional. Com essa afirmação pretende-se dizer que ele não é apenas inteligente, mas possui alguma capacidade que o torna diferente dos outros animais, revelada em atos inteligentes, mas com uma dimensão muito peculiar.
              Ser racional significa, em princípio, ser dotado de razão ou ter possibilidade de raciocinar: inferindo, analisando, demonstrando e projetando o pensamento. Acima de tudo, raciocinar é ser capaz de criticar.
               Criticar não é só sinônimo de " pixar ", " difamar " ou " denegrir "; criticar é, antes de tudo, a mais nobre prova da racionalidade e implica analisar aspectos positivos e negativos de uma coisa, ideia ou situação, avaliar esses aspectos e sobre eles emitir um julgamento. Em síntese, criticar é julgar e o próprio ato de julgar induz a uma tomada de decisão ou a assumir uma posição diante de uma situação, ideia ou coisa.
                Assim, a crítica desponta como uma atividade intelectual indispensável à vida humana, porque a cada hora todo homem é chamado a decidir e tomar posição.
                Evidentemente, quando se fala de crítica como atividade racional, não é possível entendê-la como " destrutiva " ou " construtiva ", pois toda ela se constitui como a desnudação de algo para, deixando de lado a simples aparência, penetrar nos aspectos essenciais de uma situação, ideia ou coisa.
                De fato, o ser humano normal, sobretudo adulto, deve aprender a criticar e receber crítica, as duas coisas são como faces de uma mesma moeda: uma não existe sem a outra. Receber e oferecer crítica se constituem, pois, como o mais pleno exercício da racionalidade e o não realizar esse exercício já implica    " abrir mão ", mesmo que temporariamente, da capacidade de ser racional.
                Algumas pessoas, por falta de aprendizagem, omitem-se em relação à crítica e admitem que ela representa um prejuízo ou um desvalor. É claro: essas pessoas ainda não atingiram a maturidade e, por isso, não são capazes de realizar o mais fácil, que é a autocrítica.
                A autocrítica é o primeiro estágio da atividade intelectual de criticar e aqueles que não ultrapassam esse primeiro estágio necessitam ser apoiados, para aprender a exercer a plena racionalidade.

(desconheço o autor)

No caminho com Maiakovsky

                                   Eduardo Alves da Costa


Na primeira noite
eles se aproximam
e colhem uma flor
de nosso jardim.
E não dizemos nada!

Na segunda noite,
já não se escondem:
pisam as flores,
matam o nosso cão
e não dizemos nada!

Até que um dia
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a lua e
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E porque não dissemos nada,
já não podemos dizer nada!!

sábado, 23 de outubro de 2010

trecho de Olavo Bilac


Anular a capacidade de um indivíduo
é roubar-lhe a própria essência de viver.
Eliminar as dificuldades e os problemas
que lhe cercam a sobrevivência
é privar o seu raciocínio e inibir
a sua criatividade,
alienando-o no comodismo
e jogando-o no tédio.
Pois, somente
se compreende a vida
como luta constante,
quando a esperança do amanhã
e a vontade de participar e realizar
estejam presentes em cada gesto e virtude,
porque é o desafio que nos difere
das demais espécies.
Temos a capacidade de pensar, produzir,
realizar, guiar
nosso próprio futuro
pelas nossas próprias mãos...

Fumo & Fanatismo

                       Florbela Espanca

Longe de ti são ermos os caminhos
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninho!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!

Os dias são Outonos: choram... choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E é ele, ó meu amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...



Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

Tudo no mundo é frágil, tudo passa...
Quando me dizem isso, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...

Estes dois sonetos são de autoria da poetisa portuguesa Florbela Espanca e foram musicados pelo Fagner no início dos anos 80.

A minha primeira homenagem a você. Te amo...

Jesus é Verbo, Não Substantivo

                                 letra em português: Gê e Sérgio Sá


Jesus é mais que uma simples e pura teoria
Jesus é mais do que ler a bíblia todo dia
Pois tudo que foi nela escrito se resume em amor
Vamos praticá-lo
Jesus, meus amigos, é verbo, não substantivo

Jesus é mais que um templo de luxo com tendência barroca
Ele sabe que isso, no fundo importa tão pouco
Igreja a gente leva na alma
E se constroi com atos, os seus altares
Jesus, meus amigos, é verbo, não substantivo

Jesus é mais que estas senhoras de negra consciência
Que pretendem ganhar o céu com festas de beneficência
Que fazem grandes campanhas em nome de Deus pelo fim da miséria
Engordam suas contas na Suíça passando férias

Jesus é mais que ajoelhar-se e benzer-se com veemência
Ele sabe que, decerto, por dentro lhe doi a consciência
Jesus é mais que uma flor no altar a perdoar os pecados
Jesus, meus amigos, é verbo e não substantivo

Jesus foi o exemplo maior do que deixou ensinado
Mostrou que a casa de seu pai não pode ser mercado
Provou que por um gesto de amor
Qualquer desejo de fé se torna realizado
Jesus, meus amigos, é verbo e não substantivo

Jesus, certamente, não entende tanta hipocrisia
De quem, em seu nome, explora o seu irmão dia-a-dia
Jesus não aceita o pastor que acumula riqueza pregando o seu nome
Jesus, meus irmãos, é verbo e não substantivo

No meu bairro, a mais religiosa era Dona Julinha
Que falava de amor dividindo o pouco que tinha
Eu fui aprendendo aos poucos
A gente que sabe o que pra nós é certo
Não é proibido pensar, nem tudo foi escrito

Me batizaram quando eu tinha dois meses
E não me avisaram:
A vida pode ser diferente do que nos ensinaram
Me batiza agora, Jesus, por favor, assim entre amigos
Você queria mesmo ser verbo e não substantivo

Senhores
Não dividam a fé em fronteiras e países
Neste munda o há mais religiões que meninos felizes
Jesus se tornará visível
Se aprendermos, de fato, a viver como irmãos
E a paz repousar nas palmas de todas as mãos

Jesus é a maior testemunha do amor que lhe professo
Se há homens que jamais se arrependem,
Por que se confessam?
Rezando o padre-nosso assassino
Não ressuscita aquele que matou
Jesus, meus irmãos, é verbo e não substantivo

Jesus, não desça à Terra e fique por aí
Os que pensam como você já não estão mais aqui
Os homens e as palavras passam, mas não morrem seus ideais
Partiram com um sorriso nos lábios porque foram verbo e não substantivo.

Esta música pertence ao repertório da cantora Amelinha e foi gravada em seu CD de 1994.

Os Indiferentes

                         Antonio Gramsci
            
               Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel, acredito que " viver significa tomar partido ". Não podem existir apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão e partidário. Indiferença é falta de vontade, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.
                A indiferença é peso morto da história, é a bala de chumbo para o inovador e a matéria inerte em que se afogam frequentemente os entusiasmos mais esplendorosos, o fosso que circunda a velha cidade.
                Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contras a todos eles de maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs cotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram, e sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo, pulsar a atividade da cidade futura, que estamos a construir.

                

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Trecho de Hermann Hesse

           A massa de que é feito um verdadeiro
ser humano parece ser menos compreendida
hoje do que em qualquer outra época.
E os homens cada um representando uma experiência
única é valiosa por parte da natureza - estão sendo fuzilados
aos bandos em nossos dias. Se não fôssemos seres únicos,
e se cada um pudesse ser eliminado por uma simples bala de revólver,
desapareceria o propósito de contar histórias.
Mas cada homem é mais do que apenas ele mesmo:
representa também o ponto especial, significativo e extraordinário
no qual se cruzam os fenômenos
do mundo, somente uma vez, de uma certa maneira e nunca mais.
É por isso que a história de cada homem é importante, eterna, sagrada.
É por isso que, enquanto viver e cumprir os desígnios
da natureza, cada homem continuará sendo extraordinário
e merecedor de toda consideração.

Toda Uma História

                          Luiz Avellar & Zizi Possi

Se é verão ou inverno
Não importa a estação pra ter
Clareado o desejo de estar são para viver
Toda beleza de ser uma só vez
Toda uma história
Que alguém um dia fez
Enquanto houver tempo
De sentir a cor e a luz
Terei em meu coração
Um invisível fio
Que me conduz.

Todos sabem a excelente intérprete que Zizi Possi sempre foi. Apesar de hoje ser adorada e idolatrada pela crítica, no passado já torceram o nariz para ela e seu repertório, hoje considerado de muitíssimo bom gosto.
Em 1983, ela lançou o delicado e ao mesmo tempo forte LP " Pra sempre e mais um dia ", arriscando mais uma vez escrever a letra de uma música. Sua primeira experiência como letrista foi fazendo uma versão para o seu disco de 1980. No ano seguinte, motivada por alguns amigos, voltou a fazer parcerias em três músicas para seu disco anual, intitulado " Um Minuto Além ". Em 1982, para o álbum  " Asa Morena ", ela arriscou fazer outra versão. Em 1984, com o seu então marido, o guitarrista Liber Gadelha, compôs uma música que fecharia o disco " Dê Um Rolê ". Em 1986, ela compôs, também com o músico, a última música de sua breve carreira de compositora. Não sei se ela tem algo guardado...

Meu Namorado

                      Edu Lobo & Chico Buarque

Ele vai-me possuindo
Não me possuindo
Num canto qualquer
É como as águas fluindo
Fluindo até o fim
É bem assim que ele me quer
Meu namorado
Meu namorado
Minha morada é onde for morar você.

Ele vai-me iluminando
Não iluminando
Um atalho sequer
Sei que ele vai-me guiando
Guiando de mansinho
Pro caminho que eu quiser
Meu namorado
Meu namorado
Minha morada é onde for morar você.

Vejo meu bem com seus olhos
E é com meus olhos que o meu bem me vê.

Esta belíssima canção é de 1982 e foi gravada originalmente pela cantora Simone para o igualmente belo " O Grande Circo Místico " . As músicas foram especialmente feitas pela dupla para o Ballet Teatro Guaíra de Curitiba. O LP foi lançado pela gravadora Som Livre e relançado em formato CD pelo pequeno selo Velas em 1993.

Mulheres

                        Toninho Geraes

Já tive mulheres de todas as cores
De várias idades, de muitos amores
Com umas até certo tempo fiquei
Pra outras apenas um pouco me dei.

Já tive mulheres do tipo atrevida
Do tipo acanhada, do tipo vivida
Casada, carente, solteira, feliz
Já tive donzela e até meretriz

Mulheres cabeça, e desequilibradas
Mulheres confusas, de guerra e de paz
Mas nenhuma delas me fez tão feliz
Como você me faz

Procurei em todas as mulheres
A felicidade
Mas eu não encontrei e fiquei
Na saudade
Foi começando bem,
Mas tudo teve um fim

Você é o sol da minha vida,
A minha vontade
Você não é mentira, você é verdade
É tudo o que um dia eu sonhei pra mim.

Esta música pertence ao CD " Tá Delícia, Tá Gostoso " de 1995, do grande Martinho da Vila.