quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Ajoelha e Reza

                    Carlos Rennó/Arnaldo Black


E aí ele disse pra mim, como vai?
E aí eu me disse, taí minha chance
Respondi, tudo bem e você onde vai?
Foi daí que saímos dali prum romance
E de repente, na nossa história
De amor e de glória
Ele vem e me agarra, eu me amarro
Ele ajoelha e reza e então me confessa
Que tá na maior paixão
E nunca esteve assim
Nem sente seus pés no chão
E até se realça por causa de mim
E assim, o que ele me faz pode ser
Pode sim, pode até parecer uma cena
Mas pra mim, é uma cena real, radical
Tão real, que parece igual no cinema
E nesse filme de amor e ventura
Verdade e mentira
Um pornô com ternura
Ele vem e se atira, eu morro
E depois me comovo
Quando me diz de novo
Que tá na maior paixão

Esta música foi gravada em 1995 por Tetê Espíndola... Aliás, uma belíssima canção!!

domingo, 24 de outubro de 2010

Escreva

    
                   As pessoas estão se esquecendo de escrever. Escrever mesmo. Também pudera: é muito video, muito digital, muita impessoalidade. O ato de escrever, hoje em dia, se resume à frieza dos memorandos assépticos e dos bilhetes lacônicos. Mas escrever é botar - preto no branco - uma emoção vermelha de paixão, um sonho verde de esperança, um sorriso amarelo, sem medo do lugar - comum ou ridículo, percebeu?
                   Escrever é invadir com todos os nossos fantasmas, aquele espaço branco, inocente, descompromissado - e se expor. Com nossos erros, nossa fragilidade, nossas dúvidas ortográficas.
                     Escrever é lançar uma ponte sobre o imponderável, é arriscar uma tentativa de resposta, um toque assim: socorro, estou vivo! Você está? Por tudo isto é que vale a pena escrever. Agora. Imediatamente. Inadiavelmente.
                     Escreva para aquela mulher e diga que você não aguenta mais. Ou escreva para aquela mulher e diga que você não a aguenta mais: muito cuidado, portanto, com os pronomes!
                     Escreva na última página do caderno amassado do seu filho dizendo que você se emociona com os cadernos amassados dele, que você tem sido um idiota que passa a vida enfiado no trabalho e está sempre adiando aquele papo de homem para homem, regado a sorvete de flocos e carinho.
                      Escreva para um velho amigo uma carta boba, sem propósito especial, só para relembrar os bons tempos de colégio. Seja incomum: escreva um bilhete carinhoso e ousado e deixe no parabrisas do carro dele. Anônimo, é claro!
                     Escreva com raiva: bote pra fora tudo que você sempre quis dizer ao gerente de marketing, ao supervisor de orçamentos, ao chefe da controladoria, ao seu psicanalista, ao namorado, ao bispo, ao Criador.
                     Escreva e peça perdão. Há sempre alguém parado no tempo, à espera de um perdão justo que você não teve coragem de pedir. Só assim a vida prossegue.
                     O silêncio pode ser ouro. Quem cala, pode, eventualmente, consentir. Quem fala muito arrisca-se a receber em troca uma saudação equina. Mas sempre vale a pena. Mesmo porque, a primeira coisa que fizemos, logo ao nascer, foi botar a boca no mundo. E a última, com toda certeza, será um grande, infinito e definitivo silêncio!!

(autoria desconhecida)

O Pote Rachado

 
                Um carregador de água na Índia, levava dois potes grandes, ambos pendurados em cada ponta de uma vara a qual ele carregava atravessado em seu pescoço.
                 Um dos potes tinha uma rachadura. Enquanto o outro era perfeito e sempre chegava cheio de água no fim da longa jornada entre o poço e a casa do chefe, o outro chegava apenas com a metade da água.
                 Foi assim por dois anos, diariamente: o carregador entregando um pote e meio de água na casa do chefe.
                 Claro que o pote estava orgulhoso de suas realizações.
                 Porém, o pote rachado estava envergonhado de sua imperfeição e sentindo-se miserável por ser capaz de realizar apenas metade do que ele havia designado a fazer.
                 Após perceber que por dois anos havia sido uma falha amarga, o pote falou para o homem, um dia a beira do poço:
                 - Estou envergonhado e quero pedir-lhe desculpas.
                 - Por que? perguntou o homem.
                 - De quê você está envergonhado?
                 - Nestes dois anos eu fui capaz de entregar apenas a metade de minha carga, porque essa rachadura no meu lado faz com que a água vaze por todo o caminho da casa de seu senhor.
                 - Por causa do meu defeito, você tem que fazer todo esse trabalho e não ganha o salário completo dos seus esforços, disse o pote.
                  O homem ficou triste pela situação do velho pote, e com compaixão, falou:
                  - Quando retornarmos para a casa do meu senhor, quero que percebas as flores ao longo do caminho.
                   De fato, a medida que eles subiam a montanha, o velho pote rachado notou as flores selvagens ao longo do caminho, e isto lhe deu certo ânimo.
                   Mas ao final da estrada, o pote rachado ainda se sentia mal porque tinha a metade e de novo, pediu desculpas ao homem por sua falha.
                   Disse, então, o homem ao pote:
                   - Você notou que pelo caminho só havia flores do seu lado? Eu, ao conhecer o seu defeito, tirei vantagem dele e lancei sementes de flores no seu caminho. E cada dia, enquanto voltávamos do poço, você as regava... Por dois anos, eu pude colher flores para ornamentar a mesa do meu senhor. Sem você ser do jeito que é, ele não poderia ter esta beleza para dar graça a sua casa.
                  Então...

(desconheço a autoria)

Crítica

             Tradicionalmente, tem-se afirmado que o homem é um animal racional. Com essa afirmação pretende-se dizer que ele não é apenas inteligente, mas possui alguma capacidade que o torna diferente dos outros animais, revelada em atos inteligentes, mas com uma dimensão muito peculiar.
              Ser racional significa, em princípio, ser dotado de razão ou ter possibilidade de raciocinar: inferindo, analisando, demonstrando e projetando o pensamento. Acima de tudo, raciocinar é ser capaz de criticar.
               Criticar não é só sinônimo de " pixar ", " difamar " ou " denegrir "; criticar é, antes de tudo, a mais nobre prova da racionalidade e implica analisar aspectos positivos e negativos de uma coisa, ideia ou situação, avaliar esses aspectos e sobre eles emitir um julgamento. Em síntese, criticar é julgar e o próprio ato de julgar induz a uma tomada de decisão ou a assumir uma posição diante de uma situação, ideia ou coisa.
                Assim, a crítica desponta como uma atividade intelectual indispensável à vida humana, porque a cada hora todo homem é chamado a decidir e tomar posição.
                Evidentemente, quando se fala de crítica como atividade racional, não é possível entendê-la como " destrutiva " ou " construtiva ", pois toda ela se constitui como a desnudação de algo para, deixando de lado a simples aparência, penetrar nos aspectos essenciais de uma situação, ideia ou coisa.
                De fato, o ser humano normal, sobretudo adulto, deve aprender a criticar e receber crítica, as duas coisas são como faces de uma mesma moeda: uma não existe sem a outra. Receber e oferecer crítica se constituem, pois, como o mais pleno exercício da racionalidade e o não realizar esse exercício já implica    " abrir mão ", mesmo que temporariamente, da capacidade de ser racional.
                Algumas pessoas, por falta de aprendizagem, omitem-se em relação à crítica e admitem que ela representa um prejuízo ou um desvalor. É claro: essas pessoas ainda não atingiram a maturidade e, por isso, não são capazes de realizar o mais fácil, que é a autocrítica.
                A autocrítica é o primeiro estágio da atividade intelectual de criticar e aqueles que não ultrapassam esse primeiro estágio necessitam ser apoiados, para aprender a exercer a plena racionalidade.

(desconheço o autor)

No caminho com Maiakovsky

                                   Eduardo Alves da Costa


Na primeira noite
eles se aproximam
e colhem uma flor
de nosso jardim.
E não dizemos nada!

Na segunda noite,
já não se escondem:
pisam as flores,
matam o nosso cão
e não dizemos nada!

Até que um dia
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a lua e
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E porque não dissemos nada,
já não podemos dizer nada!!

sábado, 23 de outubro de 2010

trecho de Olavo Bilac


Anular a capacidade de um indivíduo
é roubar-lhe a própria essência de viver.
Eliminar as dificuldades e os problemas
que lhe cercam a sobrevivência
é privar o seu raciocínio e inibir
a sua criatividade,
alienando-o no comodismo
e jogando-o no tédio.
Pois, somente
se compreende a vida
como luta constante,
quando a esperança do amanhã
e a vontade de participar e realizar
estejam presentes em cada gesto e virtude,
porque é o desafio que nos difere
das demais espécies.
Temos a capacidade de pensar, produzir,
realizar, guiar
nosso próprio futuro
pelas nossas próprias mãos...

Fumo & Fanatismo

                       Florbela Espanca

Longe de ti são ermos os caminhos
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninho!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!

Os dias são Outonos: choram... choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E é ele, ó meu amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...



Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

Tudo no mundo é frágil, tudo passa...
Quando me dizem isso, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...

Estes dois sonetos são de autoria da poetisa portuguesa Florbela Espanca e foram musicados pelo Fagner no início dos anos 80.

A minha primeira homenagem a você. Te amo...

Jesus é Verbo, Não Substantivo

                                 letra em português: Gê e Sérgio Sá


Jesus é mais que uma simples e pura teoria
Jesus é mais do que ler a bíblia todo dia
Pois tudo que foi nela escrito se resume em amor
Vamos praticá-lo
Jesus, meus amigos, é verbo, não substantivo

Jesus é mais que um templo de luxo com tendência barroca
Ele sabe que isso, no fundo importa tão pouco
Igreja a gente leva na alma
E se constroi com atos, os seus altares
Jesus, meus amigos, é verbo, não substantivo

Jesus é mais que estas senhoras de negra consciência
Que pretendem ganhar o céu com festas de beneficência
Que fazem grandes campanhas em nome de Deus pelo fim da miséria
Engordam suas contas na Suíça passando férias

Jesus é mais que ajoelhar-se e benzer-se com veemência
Ele sabe que, decerto, por dentro lhe doi a consciência
Jesus é mais que uma flor no altar a perdoar os pecados
Jesus, meus amigos, é verbo e não substantivo

Jesus foi o exemplo maior do que deixou ensinado
Mostrou que a casa de seu pai não pode ser mercado
Provou que por um gesto de amor
Qualquer desejo de fé se torna realizado
Jesus, meus amigos, é verbo e não substantivo

Jesus, certamente, não entende tanta hipocrisia
De quem, em seu nome, explora o seu irmão dia-a-dia
Jesus não aceita o pastor que acumula riqueza pregando o seu nome
Jesus, meus irmãos, é verbo e não substantivo

No meu bairro, a mais religiosa era Dona Julinha
Que falava de amor dividindo o pouco que tinha
Eu fui aprendendo aos poucos
A gente que sabe o que pra nós é certo
Não é proibido pensar, nem tudo foi escrito

Me batizaram quando eu tinha dois meses
E não me avisaram:
A vida pode ser diferente do que nos ensinaram
Me batiza agora, Jesus, por favor, assim entre amigos
Você queria mesmo ser verbo e não substantivo

Senhores
Não dividam a fé em fronteiras e países
Neste munda o há mais religiões que meninos felizes
Jesus se tornará visível
Se aprendermos, de fato, a viver como irmãos
E a paz repousar nas palmas de todas as mãos

Jesus é a maior testemunha do amor que lhe professo
Se há homens que jamais se arrependem,
Por que se confessam?
Rezando o padre-nosso assassino
Não ressuscita aquele que matou
Jesus, meus irmãos, é verbo e não substantivo

Jesus, não desça à Terra e fique por aí
Os que pensam como você já não estão mais aqui
Os homens e as palavras passam, mas não morrem seus ideais
Partiram com um sorriso nos lábios porque foram verbo e não substantivo.

Esta música pertence ao repertório da cantora Amelinha e foi gravada em seu CD de 1994.

Os Indiferentes

                         Antonio Gramsci
            
               Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel, acredito que " viver significa tomar partido ". Não podem existir apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão e partidário. Indiferença é falta de vontade, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.
                A indiferença é peso morto da história, é a bala de chumbo para o inovador e a matéria inerte em que se afogam frequentemente os entusiasmos mais esplendorosos, o fosso que circunda a velha cidade.
                Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contras a todos eles de maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs cotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram, e sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo, pulsar a atividade da cidade futura, que estamos a construir.

                

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Trecho de Hermann Hesse

           A massa de que é feito um verdadeiro
ser humano parece ser menos compreendida
hoje do que em qualquer outra época.
E os homens cada um representando uma experiência
única é valiosa por parte da natureza - estão sendo fuzilados
aos bandos em nossos dias. Se não fôssemos seres únicos,
e se cada um pudesse ser eliminado por uma simples bala de revólver,
desapareceria o propósito de contar histórias.
Mas cada homem é mais do que apenas ele mesmo:
representa também o ponto especial, significativo e extraordinário
no qual se cruzam os fenômenos
do mundo, somente uma vez, de uma certa maneira e nunca mais.
É por isso que a história de cada homem é importante, eterna, sagrada.
É por isso que, enquanto viver e cumprir os desígnios
da natureza, cada homem continuará sendo extraordinário
e merecedor de toda consideração.