domingo, 24 de outubro de 2010

Escreva

    
                   As pessoas estão se esquecendo de escrever. Escrever mesmo. Também pudera: é muito video, muito digital, muita impessoalidade. O ato de escrever, hoje em dia, se resume à frieza dos memorandos assépticos e dos bilhetes lacônicos. Mas escrever é botar - preto no branco - uma emoção vermelha de paixão, um sonho verde de esperança, um sorriso amarelo, sem medo do lugar - comum ou ridículo, percebeu?
                   Escrever é invadir com todos os nossos fantasmas, aquele espaço branco, inocente, descompromissado - e se expor. Com nossos erros, nossa fragilidade, nossas dúvidas ortográficas.
                     Escrever é lançar uma ponte sobre o imponderável, é arriscar uma tentativa de resposta, um toque assim: socorro, estou vivo! Você está? Por tudo isto é que vale a pena escrever. Agora. Imediatamente. Inadiavelmente.
                     Escreva para aquela mulher e diga que você não aguenta mais. Ou escreva para aquela mulher e diga que você não a aguenta mais: muito cuidado, portanto, com os pronomes!
                     Escreva na última página do caderno amassado do seu filho dizendo que você se emociona com os cadernos amassados dele, que você tem sido um idiota que passa a vida enfiado no trabalho e está sempre adiando aquele papo de homem para homem, regado a sorvete de flocos e carinho.
                      Escreva para um velho amigo uma carta boba, sem propósito especial, só para relembrar os bons tempos de colégio. Seja incomum: escreva um bilhete carinhoso e ousado e deixe no parabrisas do carro dele. Anônimo, é claro!
                     Escreva com raiva: bote pra fora tudo que você sempre quis dizer ao gerente de marketing, ao supervisor de orçamentos, ao chefe da controladoria, ao seu psicanalista, ao namorado, ao bispo, ao Criador.
                     Escreva e peça perdão. Há sempre alguém parado no tempo, à espera de um perdão justo que você não teve coragem de pedir. Só assim a vida prossegue.
                     O silêncio pode ser ouro. Quem cala, pode, eventualmente, consentir. Quem fala muito arrisca-se a receber em troca uma saudação equina. Mas sempre vale a pena. Mesmo porque, a primeira coisa que fizemos, logo ao nascer, foi botar a boca no mundo. E a última, com toda certeza, será um grande, infinito e definitivo silêncio!!

(autoria desconhecida)

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