sábado, 27 de novembro de 2021

Hades e Perséfone

O terceiro dos três filhos de Crono que governaram o mundo foi o escuro reverso não só de Zeus mas também de Hélio. A forma mais recente do seu nome é Hades; uma forma mais antiga foi Edes ou Edoneu, e uma forma mais antiga ainda foi Es, que só preservou em conexão com a palavra indicativa de "casa" ou "palácio". A "Casa de Hades" era o Mundo Subterrâneo, o qual, com efeito, mais tarde foi chamado simplesmente Hades, quando o lugar adquiriu o nome do seu senhor. O significado mais provável de Es, Edes ou Hades é "o invisível" ou "o que dá invisibilidade", em contraste com Hélio, o visível e o que torna visível. Também expressa um contraste ainda mais acentuado do que o existente entre Hades e o deus celeste Zeus, cujo nome outrora significava "o brilho do dia". Esse significado, porém, foi relegado a um segundo plano pelo rosto humano do senhor dos deuses. Zeus exercia uma função que, em nossa mitologia, nunca foi exercida pelo deus do sol: Hélio nunca aparece no papel de rei do Mundo Subterrâneo e nunca é saudado como "Sol da Noite". Ao invés disso, como Zeus Catactônio ou Ctônio, Zeus era um "Zeus subterrâneo"; e esse, mais uma vez, era apenas outro nome de Edes ou Hades. Quando se faz menção de "outro Zeus" ou do "hospitaleiro Zeus dos que partiram", a menção sempre se refere a Hades. Nunca significa "outro deus dos céus diurnos", mas um soberano do Mundo Subterrâneo, correspondente e igual ao Zeus do mundo superior.

A nossa mitologia, com efeito, dividia o mundo em três partes: ou porque, nos tempos antigos, o mundo era governado muito mais por uma deusa tríplice do que por uma divindade masculina - sendo esta última meramente o marido da primeira - ou porque a deusa mais velha, a Mãe dos Deuses, sempre teve três filhos, dois mais velhos e mais intimamente identificados como irmãos e um terceiro, o mais moço, destinado a lograr a supremacia. Precisamos aqui reconhecer um esquema básico em que predomina a trindade feminina ou a trindade masculina. A trindade feminina está subordinada a um quarto elemento masculino e a trindade masculina a um quarto elemento feminino. Por conseguinte, assim que o terceiro irmão apareceu em nossas praias e tornou-se um novo senhor do mar, nossa religião encontrou espaço para ele. (Referência Posídon) Existem registros do culto de uma trindade em que ele não se inclui, um culto de Zeus como "Deus Celestial" (Hypsistos), como Deus do Mundo Subterrâneo (Chthonios), e sob um terceiro aspecto, sem nome. Com o advento de Posídon, a trindade definiu-se ainda mais claramente. Antiga pintura de vaso mostra os três irmãos como os três soberanos do mundo, com os seus emblemas de poder: Zeus com o raio, Posídon com o tridente, Hades com a cabeça virada para trás. Este último era o que não podia ser contemplado, o terrível deus da morte, que fazia todas as coisas vivas desaparecerem, que as tornava invisíveis. As pessoas que ofereciam sacrifícios aos seres do Mundo Subterrâneo tinham de fazê-lo olhando para outro lado.

O irmão subterrâneo de Zeus - pois foi nisso que Hades se tornou em nossa mitologia, ainda que, originalmente, fosse apenas o aspecto escuro de um deus brilhante - tinha muitos nomes. Não somente nomes que lhe expressavam a qualidade de deuses dos mortos - como Polidegmon, "o recebedor de muitos convivas", mas também Plutão, "o rico" ou "o que dá riquezas", e Eubuleu ou Êubulo, "o bom conselheiro". Os mesmos nomes - Plutão, Êubulo, Eubuleu - foram dados também ao filho místico, desconcertante, que ele houve de uma deusa igualmente conhecida por muitos nomes, tanto como mãe quanto como filha: como Geia e Reia, como Reia e Deméter e, especialmente em sua relação com Hades, como Deméter e Perséfone. Na versão pública da história, Hades não coabitou com sua irmã Deméter. Foi Zeus quem o fez, na história mais secreta, ou foi Posídon, em outra história com a qual todos também já estão familiarizados. Hades, porém, raptou a sobrinha, Perséfone, também chamada simplesmente Core, "a Donzela". O nome Perséfone está ligado a Perse, Perseida, Perses, Perseu e Pérseo - nomes de Hécate e suas associadas - e era provavelmente usado desde os tempos pré-gregos como o da rainha do Mundo Subterrâneo. Ela adquiriu o nome de "a Donzela" quando, como primeira e única filha de sua mãe (característica que, mais uma vez, partilhou com Hécate e também com Pandora e Protogênia), caiu vítima do deus da morte. Eis aí a história da fundação do reino dos mortos, que para nós seria inconcebível sem a sua rainha e que é também a história da fundação dos Mistérios Eleusinos. 


O Rapto de Perséfone


Hades raptou a filha de Deméter, a filha que Zeus lhe dera sem o conhecimento da mãe. A donzela estava brincando com as filhas de Oceano, apanhando flores - rosas e açafrões, violetas, íris e jacintos - no prado luxuriante. Quase apanhou também o narciso, a flor que a deusa Geia, para agradar ao deus do Mundo Subterrâneo, fizera surgir, prodígio radioso, como artimanha para seduzir a donzela cujo rosto se diria um botão de rosa. Todos os que viram a flor, assim deuses como homens, ficaram maravilhados. Uma centena de florações rebentou-lhe das raízes, doce fragrância espalhou-se em torno dela, os céus abriram-se num sorriso e assim também a terra e a corrente salgada do mar. Com ambas as mãos, a donzela atônita tentou apanhar a joia. Escancarou-se a terra, um abismo apareceu nos Campos Niseus e dele saltou o Senhor do Mundo Subterrâneo com seus corcéis imortais, o Filho de Crono, o deus de muitos nomes. Colocou a donzela, que se debatia, no carro de ouro e levou-a embora, a despeito das suas lamentações.

Estridentemente ela gritou para o Pai, filho de Crono, soberano supremo. Nem deus nem homem lhe ouviram a voz, nem uma oliveira se mexeu. Somente a terna filha de Perses, a deusa de toucado cintilante, a deusa Hécate, ouviu o grito desde a sua caverna; e ele foi ouvido também por Hélio, o esplêndido filho de Hiperíon. Sentado distante dos deuses, no seu templo muito frequentado, o Pai recebia sacrifícios. Foi obra sua o rapto da filha pelo tio, comandante de muitas almas, hospedeiro de muitos hóspedes, Filho de Crono, deus de muitos nomes. Enquanto pôde ver a terra e o céu estrelado, o mar e o sol, a deusa esperou ver de novo a mãe e os deuses eternos. Os picos das montanhas e as profundezas do mar ecoaram-lhe a voz imortal. A Senhora sua mãe ouvia-a. Uma dor aguda salteou-lhe o coração, ela arrancou o toucado da cabeça, arrancou dos ombros o vestido escuro e voou como um pássaro sobre a terra e a água, em busca da filha.

Ninguém estava querendo contar-lhe a verdade - nem deus nem homem. Nem mesmo um pássaro voou para encontrar-se com ela como um sinal. Por nove dias a Senhora Deméter peregrinou pela terra, com duas tochas ardentes nas mãos. Em sua dor, não provou da ambrosia nem do néctar e tampouco molhou o corpo com água. Somente na terceira manhã Hécate - que também carregava uma tocha - deparou com ela e trouxe-lhe notícias: "Senhora Deméter, portadora do desenvolvimento pleno e distribuidora de ricos presentes, quem roubou Perséfone e tão profundamente te perturbou o coração? Ouvi teu grito, mas não vi quem foi. Se o tivesse visto, eu te contaria a verdade." Sem uma palavra, a filha de Reia saltou com ela, carregando nas mãos as duas tochas ardentes, até Hélio, o que observa deuses e homens. Detiveram-se diante dos cavalos dele e a grande deusa indagou da filha e do raptor. Respondeu-lhe o filho de Hiperíon: "Filha de Reia, Senhora Deméter, saberás a verdade. Reverencio e apiedo-me da tua dor pela donzela de pulcros tornozelos. Nenhum dos imortais é responsável senão Zeus, que a deu por esposa a seu irmão Hades. Hades carregou-a em seu carro, levando-a à força para o reino da escuridão e pouco se dando do pranto dela. Mas tu, deusa, deixa de lamentos! Não tens necessidade de resmungar tão inconsolavelmente. Em teu irmão Hades não recebeste nenhum genro indigno entre os deuses. Desde a partilha, ele foi honrado com um terço do mundo, e lá onde habita é realmente rei."

Assim falou Hélio e seguiu em frente com o carro. Os corcéis obedeceram-lhe à voz e puxaram-no com a rapidez de pássaros. A deusa mergulhou num sofrimento ainda mais terrível e torturante. Em sua cólera contra Zeus, deixou o Olimpo e a assembleia dos deuses, foi  para o meio dos homens e visitou-lhes as cidades locais de trabalho. Por muito tempo descurou da aparência exterior, ninguém a reconheceu, nem homem, nem mulher, até que ela chegou ao palácio do sábio Céleo, que, naquela ocasião era rei de Elêusis, a cidade fragrante de sacrifícios. Sentou-se à beira da rua, retransida de dor, junto ao Poço da Virgem, onde o povo da cidade ia buscar água. Ali permaneceu sentada na sombra, ao pé de uma oliveira. Dir-se-ia uma velha que já não pudesse parir filhos nem tivesse participação nos presentes da deusa do amor. Assim se mostram as amas de crianças reais e as mais velhas das criadas de palácios reboantes. Ali foi vista pelas filhas de Céleo, filho de de Elêusis, quando foram tirar água em cântaros de bronze para a casa de seu pai. Eram quatro, na flor da virgindade: Calídice, Clisídice, Demo e Calítoe, a mais velha. Não reconheceram a deusa - com efeito, não é tão fácil para mortais contemplar imortais - e perguntaram-lhe: "De onde vens, velha, e para onde vais? Por que deixaste o teu lar, e por que não vens para o palácio? Dentro das suas paredes umbrosas estarias em casa, em tua velhice, como estão as mulheres mais jovens, que te tratariam bem, tanto com palavras quanto com atos."

A deusa respondeu de modo bondoso: chamou as donzelas de "queridas filhas", revelou o próprio nome, mas de forma torcida, e contou uma história inventada. Disse que piratas a haviam levado de Creta para lá, contra a sua vontade. Quando desembarcaram perto de Tóricos e estavam preparando uma pândega na praia para eles e para as outras mulheres, escapara, e agora não sabia onde estava. Suplicava ajuda e hospitalidade na casa em que as donzelas eram filhas. Talvez houvesse ali uma criança de que ela poderia cuidar como ama? Prepararia a cama para o dono e a dona e ensinaria trabalhos manuais às outras mulheres da casa. Calídice, a mais formosa das donzelas, contou-lhes os nomes dos senhores da terra: Triptólemo, Díocles, Políxemo, Eumolpo, Dólico e seu próprio pai. Todos tinham esposas e nenhuma repeliria uma mulher que lhe suplicasse proteção. Qualquer um a aceitaria à primeira vista, tão grande era a sua semelhança com as deusas. Mas ela precisava esperar que as quatro donzelas pedissem à mãe, Metanira, que convidasse a estrangeira a vir para a sua casa, e a estrangeira não teria necessidade de ir a nenhum outro lugar. Havia, de fato, um meigo menino recém-nascido no palácio: qualquer uma que cuidasse dele o criasse seria invejada pelas outras mulheres, e com muita razão, pois seria ricamente recompensada.

Dessa maneira a deusa foi convidada, com a promessa de um grande ordenado, a ir para a casa de Céleo. As donzelas voltaram correndo e levaram-na para casa. Deméter seguiu-as com o rosto coberto por um véu, vestindo um longo e escuro manto, que lhe caía, roçagante, até os pés delicados. Entraram na sala externa de Céleo, onde estava sentada Dama Metanira defronte da sua câmara. Tinha no colo a criança, o novo rebento. As donzelas correram para a mãe. A deusa transpôs o limiar, sua cabeça tocava o teto, a porta se encheu de luz divina. A Rainha foi tomada de respeitoso temor, de assombro e de terror; levantou-se do seu assento e pediu que a deusa se acomodasse. Deméter não quis fazê-lo, mas permaneceu em silêncio, com os olhos postos no chão, até que a prudente criada Iambe colocou um tamborete à sua frente e atirou sobre ele uma pele de carneiro alviprateado. Em seguida, Deméter sentou-se e abaixou o véu da cabeça sobre o rosto. Por muito tempo se quedou sentada, sem emitir nenhum som, sem pronunciar uma palavra, sem fazer um sinal. Sem sorrir, sem tocar em comida nem bebida, ficou ali sentada, pranteando a filha, até que a prudente Iambe, com troças e brincadeiras, alegrou tanto a divina dama que ela primeiro sorriu e depois riu-se, e sua alma voltou a ser alegre. Mais tarde também, Iambe soube consolar a deusa quando a via irada. Metanira ofereceu-lhe uma taça de vinho doce, mas Deméter recusou-o, dizendo que não lhe era permitido beber vinho tinto. Pediu que se misturasse cevada com água, para poder tomá-la com a delicada hortelã. A Rainha preparou a poção, a deusa tomou-a e, depois disso, sempre o fizeram os que se dedicam à sagrada pureza e não podem tomar vinho.

Só então proferiu Metanira as palavras de saudação e deu as boas-vindas à estrangeira. Ela acreditava, disse, poder ler nos olhos da deusa a sua régia posição, até na desgraça, que vem dos deuses, como deles vem também a boa sorte. Mas, dali por diante, a deusa seria tratada exatamente como ela mesma. Confiou-lhe aos cuidados o filho tardiamente nascido, que já não era esperado. Se a deusa consentisse em cuidar dele e educá-lo até que atingisse a idade da juventude, seria justamente invejada pelas outras mulheres, tão rica seria a sua recompensa. Deméter, a deusa da bela grinalda, empreendeu a educação da criança e prometeu à mãe que seria uma boa ama, pois conhecia os feitiços contra todas as influências malignas. Com as mãos imortais pegou Demofoonte, filho de Céleo, e conchegou-o do seio fragrante. Metanira jubilou. Deméter cuidou do menino dentro do palácio. A criança cresceu qual um deus, sem comer nem beber. A deusa ungiu-o com ambrosia, soprou nele o seu hálito suave e segurou-o no colo. Todas as noites, sem o conhecimento dos pais, expunha a criança à plena força do fogo, como acha de lenha que está sendo transformada em tocha. Para os pais era uma grande maravilha o modo com que o filho se desenvolvia, tão belo quanto um deus. Deméter o teria até transformado num imortal, que nunca envelheceria, se Metanira, em sua imprevidência, numa noite, não tivesse espiado para fora da sua câmara e visto o que estava sendo feito à criança. Ela gritou aterrorizada, bateu com as mãos nas coxas e rompeu em lamentações: "Demofoonte, meu filho, a estrangeira deixa que te exauras na grande fogueira e a mim mergulha na aflição!"

Assim se lamentou ela. Ouvia-a a deusa e encheu-se de raiva contra a Rainha. Com mãos imortais pôs a criança de lado, no chão, depois de havê-la tirado iradamente do fogo e, ao mesmo tempo, disse a Metanira: "Ignorantes sois vós, seres humanos, e imprevidentes, pois não podeis prever nem o bem nem o mal. Tu também sofreste, em tua imprevidência, um dano irremediável. Juro o grande juramento dos deuses, pela água do Estige, que eu teria transformado teu querido filho num imortal, que se conservaria eternamente jovem, e teria obtido para ele um renome imperecível. Agora já não lhe é possível evitar a morte. Receberá o renome imperecível, porque se sentou no meu colo e dormiu nos meus braços. Os filhos dos eleusinos, em intervalos determinados, travarão guerras em sua honra. Mas eu, de minha parte, sou Deméter, a senhora de todos os cultos, divindade da maior beneficência, que traz a maior alegria tanto a imortais quanto a mortais. Agora tu e todo o teu povo erigirão para mim um grande templo e um altar defronte, debaixo do muro da cidade e acima do poço com o belo local de danças, no alto da colina. Ensinar-vos-ei os ritos sagrados, para que no futuro possais oferecer-me o culto que me conforta a alma."

Assim falou a deusa, reassumindo a estatura original e a verdadeira forma. Já não era uma velha: banhada de beleza, uma fragrância que despertava o desejo se evolava à sua volta, vinda do suave aroma do manto; longe resplandecia a radiância do seu corpo imortal; áureos lhe caíam os cabelos sobre os ombros; um resplendor enchia a câmara, como se fosse a fulguração de um raio. Com passos majestosos a deusa saiu do palácio. A Rainha caiu desmaiada. Por longo tempo ali jazeu sem dizer palavra, sem pensar em erguer o filho do chão. As filhas ouviram-lhe o choro e saltaram da cama. Uma delas pegou a criança e pô-la no colo. Outra acendeu uma fogueira. Uma terceira correu para a mãe, ajudou-a a pôr-se de pé e tirou-a do quarto. Todas se afanaram com a criança, lavando-a enquanto ela se debatia e cercando-a de amor. Mas a criança não queria ser confortada, pois agora suas amas eram piores. Elas passaram a noite inteira rezando para a deusa, tremendo de medo. Antemanhã, contaram tudo ao poderoso Céleo, como lhes ordenara que o fizessem a própria Deméter da formosa grinalda. O Rei convocou o povo e convidou-o a construir um rico templo e um altar para Deméter, no alto da colina. O povo obedeceu incontinenti e construiu o templo como ele ordenara. O templo ergueu-se pela vontade dos deuses.

Quando os construtores terminaram e viram o fruto dos seus trabalhos, voltaram para casa. No templo sentou-se Deméter, longe dos deuses abençoados e chorou a filha. Mandou à terra que tudo nutre um ano terrível, um ano de amarga penúria para a humanidade. De nenhuma semente permitiu a terra brotasse alguma coisa; Deméter fez que todas as coisas permanecessem escondidas no chão. Em vão arrastavam os bois os arados pelos campos, em vão caiu a alva cevada nos sulcos. Ela teria destruído toda a humanidade com a fome perversa e os Olimpianos não mais teriam recebido adoração nem sacrifícios, se Zeus não tivesse mudado de ideia. Primeiro que tudo, mandou Íris, a linda deusa de asas de ouro, buscar Deméter. Íris obedeceu e deu-se pressa a ir a Elêusis. Encontrou Deméter no templo envergando vestes escuras e implorou-lhe, mas em vão: a deusa não quis consentir. Em seguida, o Pai mandou-lhe todos os deuses abençoados; eles vieram, um depois do outro, buscar Deméter e trouxeram-lhe presentes esplêndidos. Mas ninguém conseguiu persuadir a deusa irada a alterar sua decisão. Ela não poria os pés no fragrante palácio do Olimpo, nem a terra voltaria a dar frutos enquanto não visse mais uma vez a filha.

Quando soube disso, Zeus mandou Hermes, o deus do caduceu de ouro, à escuridão do Mundo Subterrâneo, a fim de convencer Hades, com brandas palavras a trazer Perséfone de volta da treva para os deuses e para a luz. Hermes obedeceu e, desde a morada olimpiana, mergulhou nas profundezas subterrâneas. Ali encontrou o dono do palácio em casa. Estava deitado na cama, ao lado da esposa envergonhada, que, na sua aflição, ansiava por rever a mãe. Hermes postou-se diante deles e explicou a Hades, o senhor dos mortos, a razão da sua chegada. As sobrancelhas de Hades ergueram-se num sorriso. Obediente ao Rei Zeus, ele falou incontinenti com a esposa: "Vai, Perséfone, para tua mãe, a deusa das vestes escuras, vai com o teu generoso coração e não fiques mais tão triste. Não serei um marido indigno de ti entre os imortais - não sou, acaso, irmão do Pai Zeus? Se porventura vieres aqui de vez em quando, reinarás sobre todas as criaturas vivas e terás as honras maiores entre os deuses. Quem quer que te insultes e não trouxer nenhum sacrifício contributivo, expiará por isso eternamente."

Assim falou ele. Perséfone ergueu-se da cama, jubilosa. O marido, no entanto, seguiu-a secretamente e colocou-lhe na boca a semente, doce como o mel, de uma romã, para que ela não ficasse sempre com Deméter. Atrelou os corcéis imortais ao carro de ouro. A deusa subiu no carro e Hermes, com as rédeas e o chicote na mão, dirigiu a parelha para fora do palácio. De boa mente voaram os corcéis e, céleres, cobriram a grande distância. Nem o mar, nem os rios, nem as ravinas, nem os precipícios lhes detiveram o ímpeto; voaram acima deles, através do ar. Hermes conteve-os no lugar em que Deméter estava sentada diante do templo fragrante. Ao avistar o carro, ela ergueu-se de um salto, como uma Bacante nas montanhas. Perséfone, deixando o carro, voou ao seu encontro. Enquanto se abraçavam, Deméter já estava perguntando à filha se ela comera alguma coisa no palácio de Hades. Pois se o tivesse feito, teria de passar um terço do ano debaixo da terra e só nos outros dois terços poderia ficar com a mãe e com o resto dos imortais, voltando para  eles com a primavera.

Perséfone contou que, no momento em que saltava de alegria com a ideia de voltar para a mãe, o marido colocou secretamente a semente de uma romã em sua boca e a obrigara a comê-la. Também contou que fora raptada enquanto estava brincando e apanhando flores com as filhas de Oceano e com Atena e Ártemis. Assim passaram elas o dia inteiro, abraçadas uma à outra com amor. Depois veio Hécate, a do toucado cintilante, e também acolheu, carinhosa, a filha sagrada de Deméter. Desde então tem sido companheira e criada delas. Zeus enviou sua mãe Reia, a deusa do manto escuro, como mensageira às duas, Deméter e Perséfone, para trazê-las de volta. Prometeu conferir-lhes todas as honras que desejassem, acrescentando que a filha passaria dois terços do ano com a mãe e o resto dos imortais. Reia saltou do Olimpo na direção dos Campos Rarianos, outrora férteis mas agora estéreis, sem uma única haste verde, guardando a cevada branca dentro do solo, de acordo com a vontade de Deméter, a deusa dos belos tornozelos. Logo, porém, à proporção que a primavera se adiantasse, os campos voltariam a cobrir-se densamente de espigas de grãos. Foi nesses campos que a deusa, vinda do Céu, pôs os pés pela primeira vez. Alegres se entreolharam, mãe e filha, Reia e Deméter. Reia contou o que Zeus prometera e pediu a Deméter que permitisse ao trigo dispensador de vida voltar a crescer.

Deméter consentiu e fez que o fruto dos campos de terra abundantemente povoada brotasse. Densamente se cobriu a terra de hastes e flores. Entrementes, a deusa dirigiu-se aos reis de Elêusis , ensinou-lhes os ritos sagrados e iniciou-os no culto sacrossanto, que não pode ser revelado nem ouvido, nem sequer comentado em voz alta, pois o sagrado terror da deusa abafa suas declarações. Abençoado é o homem na terra que viu essas coisas. Mas o que continua não-iniciado e não tem participação nelas, não terá, quando estiver morto, porção alguma das bênçãos correspondentes na escuridão bafienta lá debaixo.

Depois que Deméter deu todas as instruções, as deusas foram para o Olimpo e juntaram-se aos outros imortais. Ali moraram ao lado de Zeus, gozando de grande honra. Abençoado é o homem na terra que eles amam, pois lhe enviarão prontamente Pluto, o rei da riqueza, ao seu palácio, a fim de ser para ele o hóspede que confere riquezas aos mortais.


Retirado do livro Os Deuses Gregos, de Karl Kerényi; coleção Mitologia Grega; Editora Cultrix, São Paulo, 1998.

Certeza-Incerteza

A incerteza, quanto ao momento da ocorrência da morte, deve constituir para o homem a mais séria advertência a respeito da transitoriedade do corpo físico.

Dentro de cinco minutos, por meio de uma parada cardíaca; de cinco anos, em um acidente de veículo; ou de cinquenta anos, por uma enfermidade de longo prazo, dolorosa, ninguém sabe quando acontecerá o desprendimento da alma em relação à matéria.

Uma compleição física sadia nem sempre compete com segurança ante uma organização frágil e enfermiça, porquanto a primeira pode interromper-se, enquanto a outra, talvez, permaneça desafiadora.

Um corpo juvenil, atraente e promissor, cede campo para que fique um ser caquético, deficiente físico e mental.

A criança rica de energias deperece, ao tempo que o enfermo desenganado recupera-se...

O espírito é o que conta, no processo reencarnatório.

Os seus atos pretéritos geram-lhe os mecanismos de prolongamento, ou abreviação da vilegiatura carnal.

Nenhuma exceção, porém, produzindo clima de privilégio ante a morte.

As doenças visitam ricos e pobres com a mesma indiferença; belos e deformados com igual liberdade; moços e idosos de maneira equivalente; bons e maus com naturalidade...

Decompõem-se os corpos sob condições idênticas, nivelando-se as formas e assumindo os mesmos critérios transformadores.

A mente, refletindo o estado de evolução intelecto-moral, responde pela maneira como cada pessoa enfrenta a vicissitude do desgaste e o fenômeno da morte.

Morrer, portanto, é acontecimento inevitável.

Bem morrer ou morrer bem, depende da conduta de cada indivíduo.

Aqueles que vivem bem, desfrutam dos favores terrestres, nem sempre morrerão felizes.

Quantas pessoas se deixaram desequilibrar pelos insucessos que lhes cabia vencer, enfrentam a morte em estado de desventura!

Somente quem soube aplicar o patrimônio do tempo com eficiência, bem morre, libertando-se e sendo ditoso.

Pensa na morte, como te preocupas com a vida.

Harmoniza-te ante a sua realidade, permanecendo preparado para a sua ocorrência.

Se forem breves os teus dias terrestres, busca vivê-los com intensidade positiva e, se te forem longos os anos, utiliza-os com sabedoria.

Essa incerteza de quando se dará e esta certeza de que a morte virá, são o díptico da vida orgânica na qual te movimentas.

Faze a luz do discernimento íntimo com o Evangelho de Jesus e, seja em que situação for, permanece em paz e feliz.


Texto retirado do livro Momentos de Coragem; Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 8ª Edição, 2014.

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

O enigma da Esfinge e o Oráculo de Delfos

 Quem és tu, que fazes aqui?

De onde vieste? Para onde vais?


A Esfinge era um monstro mitológico, com cabeça de mulher, corpo de leão e asas de águia. Essa tradição originou-se no Egito e passou para a Grécia. Sua principal estátua ficava no templo de Apolo, no chamado Oráculo de Delfos. "Esfinge" é uma palavra do egípcio arcaico que significa apertar a garganta até sufocar ou mesmo asfixiar. Já "oráculo" é uma palavra em parte grega e em parte latina que significa "profeta", "adivinho".

Delfos era um local sagrado onde Apolo, o deus da luz e das profecias, era consultado por meio de sua grande sacerdotisa, chamada de Pítia ou Pitonisa, nome que quer dizer "aquela que vence a escuridão". A Esfinge era famosa por seus enigmas, mas todos tinham uma mesma finalidade: "Decifra-me ou te devoro", ou seja, aquele que não os decifrasse era por ela devorado. Um desses enigmas, muito conhecido, era mais ou menos assim: "O que é, o que é? De manhã anda de quatro, ao meio-dia, sobre duas pernas e pela tarde, com três pernas". Naturalmente, referia-se ao homem, que em criança engatinha, quando adulto anda sobre duas pernas e ao envelhecer necessita da terceira perna, que é a bengala. Essa charada era um truque, na verdade, pois o homem é muito mais do que apenas isso.

Na verdade, os enigmas da Esfinge poderiam ser resumidos nestas perguntas: "Quem sou eu e o que eu faço aqui? De onde venho? Para onde vou?". São essas as perguntas que todos faziam no Oráculo de Delfos para a Pítia. E, até hoje, cada um de nós busca respostas para elas. Achamos que não estamos no mundo à toa, que tanto o passado como o futuro envolvem um significado que nos cabe descobrir e entender. Ninguém se conforma em ser apenas um amontoado de reações químicas e orgânicas sem sentido, que apenas segue as leis da biologia. Sentimos que há algo maior, espiritual, que habita em nós e queremos encontrar um caminho para esse mistério que culminará com nossa morte física, mas não espiritual.

Aliás, é por isso que a Esfinge nos sufoca e ameaça nos asfixiar. É o que sentimos quando nada sabemos sobre nós, quando as incertezas nos invadem e o tempo nos angustia, pois passa cada vez mais depressa. Enfim, são muitas as indagações sobre o passado não compreendido e o futuro incerto. Ao contrário, quando conseguimos decifrar ou entender algo sobre nosso passado, presente ou futuro, sentimos enorme alívio e o aperto no peito e na garganta parece sumir... Até voltar de novo, quando irromper outra indagação. Procuramos, então, um psicólogo, um astrólogo, um adivinho que leia cartas, jogue búzios ou buscamos as respostas em nossas crenças ou superstições.

E, ontem como hoje, a ciência não ajuda a decifrar o mistério de viver. Precisamos buscar outro tipo de saber. A Esfinge nos persegue e procuramos oráculos de toda espécie para não sermos por ela devorados. A verdade é que eles sempre foram e serão necessários para acalmar nossa angústia e ansiedade perante um futuro incerto, o passado desconhecido e o presente fugidio. Este escapa de nossas mãos com tal velocidade que o tempo não é suficiente para entendermos o que acabou de acontecer.

A Esfinge também tinha a função de oráculo, pois exigia que buscássemos os caminhos para nossa trajetória neste planeta chamado Terra, para não sermos devorados pelo medo, pela angústia e pelo desconhecimento do que viemos fazer aqui. Agora podemos entender o que significava esse monstro. Tinha cabeça feminina porque esta representa a intuição. É dessa maneira que devemos indagar, pois a razão e a lógica são inúteis para investigar o mistério da existência. Além disso, é preciso fazê-lo com sensibilidade - outra característica do arquétipo feminino. O corpo da Esfinge era de leão porque é preciso ter coragem e força para indagar. Além disso, sem saúde forte não se vai a nenhum lugar. Mas, cuidado! Saúde não se obtém somente com alimentação saudável e exercícios físicos (hoje tão na moda). Isso apenas responde pela parte física. Devemos cultivar a saúde mental e espiritual. Sem isso, de nada adiantará todo o nosso esforço, pois levando uma vida apressada e ansiosa, em busca de ter mais e mais, destruímos s nós mesmos. Ou, ainda, se vivermos alimentando raivas, invejas e ciúmes, o resultado poderá ser pior. Isso é mais danoso à saúde do que o álcool e as drogas juntos. Finalmente, a Esfinge tinha asas de águia porque o caminho do homem é para o alto, para os deuses ou, como dizemos hoje, para a espiritualidade. Novamente, para o alto não significa lutar para provar que somos melhores do que  os outros - isto é tolo, vão e somente nos rebaixa. Voar para o alto muito menos significa conquistar cada vez mais bens materiais - não custa lembrar que tudo ficará aqui. Voar para o alto é saber nos bastar e buscar a única coisa que levamos para a eternidade: a sabedoria e a espiritualidade ou, como diziam os antigos, a nobreza, a beleza e a bondade.

Eis a chave do enigma da Esfinge para a modernidade: conhece-te a ti mesmo, depois aos outros, e finalmente ao mundo - e então, finalmente, serás um homem capaz de voar para o alto. Não esqueça também que o homem deve realizar duas viagens ao longo de sua vida: uma para dentro e outra para fora. Não carregue fardos desnecessários nas costas, pois assim nunca poderá alçar voo e jamais conhecerá a verdadeira liberdade do ser. Lembra também que liberdade não é sinônimo de irresponsabilidade. Ao contrário, o verdadeiro homem livre é responsável por si mesmo e pelos outros - e o faz com paixão. Finalmente, encontra um meio de transformar tudo que és em nobreza, beleza e bondade e assim a Esfinge nunca te devorará, pois tua existência estará decifrada - será um livro aberto e que belo voo alçarás.


Retirado do livro Mitologia Viva - Aprendendo com os deuses a arte de viver e amar; Viktor D. Salis; Editora Nova Alexandria, São Paulo, 2003.

O que são os mitos e para que servem?

 A origem dos mitos perde-se na noite dos tempos, sem que ninguém possa dizer de ode vieram. São narrativas fascinantes, porém absurdas para quem quiser enxergar nelas algo palpável e "real". E não adianta

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Hermes

Era filho de Zeus e de Maia, a mais jovem das plêiades, e nasceu numa caverna no Monte Cileno, ao sul da Arcádia. Revelou-se de uma precocidade extraordinária. Logo no dia em que nasceu, roubou uma parte dos bois de Apolo, doze vacas, cem novilhas e um touro. Atravessou com eles toda a Grécia, tendo amarrado ramos folhudos na cauda dos animais, para que à medida que andassem fossem apagando os próprios rastros. Sacrificou dois deles aos doze deuses olímpicos e o restante escondeu numa caverna em Pilos. Foi visto apenas por uma testemunha, um velho chamado Batos e tentou comprar-lhe o silêncio. Feito isso, correu para a sua caverna em Cileno: na entrada estava uma tartaruga. Ele lhe tirou o enchimento, conservando somente o casco, fez cordas de tripas dos bois sacrificados e assim fabricou a primeira lira. Entrementes, Apolo procurava por toda a parte os bois roubados e, seja por seus dons divinatórios, seja por traição de Batos, acertou com os bois escondidos na gruta do Monte Cileno. Depois foi se queixar a Maia do seu filho. Mas Maia lhe mostrou a criança, firmemente enrolada nas suas faixas de linho e lhe perguntou como tinha ele coragem de proferir contra ela semelhantes acusações. Apolo se queixou, então, a Zeus, que ordenou ao menino que devolvesse os animais roubados. Mas Apolo tinha visto a lira, tinha ouvido Hermes tocar e trocou, de boa vontade, os animais faltantes do seu rebanho pela posse do instrumento. Mais tarde, Hermes, guardando o seu rebanho, inventou a flauta. Apolo desejou também o novo instrumento e ofereceu em troca o cajado de ouro de que se servia, guardando o gado de Admeto. Hermes lhe pediu, em acréscimo, lições de adivinhação. Apolo aceitou o negócio e é assim que o caduceu de ouro figura entre os atributos de Hermes. Hermes aperfeiçoou a arte da adivinhação, auxiliando a leitura do futuro por intermédio de pequenos seixos. Zeus, satisfeito com as habilidades do filho, fê-lo seu arauto e mensageiro, consagrado particularmente ao seu serviço pessoal e ao dos deuses infernais, Hades e Perséfone. Na Gigantomaquia, usando o capacete de Hades, que torna o portador invisível, foi que ele lutou ao lado dos deuses. Matou o gigante Hipólito. Durante a luta dos deuses contra os Alóadas, salvou Ares, libertando-o do pote de bronze, onde os gigantes o haviam encerrado. Também foi ele quem salvou Zeus, na luta contra Tífon. Hermes é principalmente o intérprete da vontade divina. Depois do dilúvio foi o portador da palavra dos deuses a Deucalião; por meio dele,  Néfele mandou o carneiro de tostão de ouro que salvaria Frixo; foi dele que Anfião recebeu a lira, Héracles a espada, Perseu o capacete de Hades; salvou Ulisses, velou por Héracles nos Infernos, encontrou comprador para o herói, quando devia servir como escravo e se purificar da morte de Ífito. E foi quem matou Argos, o Gigante de cem olhos, colocado pela deusa Hera como guardião de Io. Daí o nome de Hermes Argeifontes, isto é, matador de Argos. Conduziu o pequeno Dionísio de asilo em asilo, pelo Monte Nisa e depois o deixou em casa de Atamas. Conduziu Páris ao Monte Ida, na Frígia, para ser o árbitro na disputa entre as deusas Hera, Atena e Afrodite, em que cada uma queria para si o prêmio de beleza. Hermes era o deus dos comerciantes e dos ladrões. Guiava os viajantes nas estradas. Sua imagem era colocada nas encruzilhadas, em forma de pilares, cuja parte superior era conformada como um busto humano. Também protegia os pastores e frequentemente o representavam levando um cordeiro aos ombros. Outra de suas funções era conduzir as almas dos defuntos aos Infernos, quando então se chamava Psicopompe, o Acompanhante das Almas. Atribui-se a Hermes a paternidade de Autólico, avô de Ulisses, que teria herdado do pai a arte de roubar com sutileza; de Êurito, um dos Argonautas; de Abdero, epônimo da cidade de Abdera; e do amante de Héracles que foi devorado pelas éguas de Diomedes. As imagens de Hermes o mostravam calçado de sandálias com asas, com um chapéu de formato especial, o pétaso e levando na mão o caduceu, símbolo de suas funções de arauto. Diz-se que era o mais ocupado de todos os deuses.


Retirado do livro Dicionário da Mitologia Grega, de Ruth Guimarães, Editora Cultrix, São Paulo, 2004.

Apolo

 Apolo tem tantos atributos e tão diversos que se pensa estarem nele reunidas várias personalidades. Estudando o problema de suas origens, chegou-se à conclusão de que se trata de um deus solar vindo da Ásia, que teria se confundido com um deus campestre originário do norte da Grécia, o deus principal dos dórios. Apesar do seu caráter múltiplo, suas representações são sempre iguais, obedecendo a um tipo único. Jovem, imberbe, "porque o Sol não envelhece" ele é o deus do Sol; o arco e as flechas que traz simbolizam os raios, a lira a harmonia dos céus; é chamado o Esplendente. Atira ao longe as suas setas, assim como o Sol dardeja longe seus raios. É profeta e, como o Sol, vê tudo, inclusive o que está para suceder. Condutor das Musas, deus da inspiração, preside a harmonia da natureza, e é o deus da Medicina. Nos monumentos, Apolo profeta está vestido com uma longa túnica, traje característico dos padres que divulgavam seus oráculos. Apolo médico tem aos pés uma serpente. Como caçador, aparece vestido de leve clâmide, com o flanco quase nu. Perto da imagem do deus aparece sempre o Grifo, um animal fantástico, às vezes atrelado ao seu carro.

Segundo as tradições mais antigas, a mãe de Apolo, Leto, filha de Céu e de Febe, foi esposa de Zeus, anteriormente à união do deus com Hera. Hesíodo mostra-a envolta em véus sombrios, vestimenta natural de uma deusa da noite. Foi só mais tarde que a fizeram amante de Zeus e a lenda se enriqueceu com os seus infortúnios, durante a fuga ao ódio e ao ciúme de Hera. Assim, quando engravidou por obra de Zeus, e sentindo estar próximo o momento de dar à luz, procurou por toda a Terra um lugar onde pousar. Percorreu em vão a Ática, a Eubeia, a Trácia, e as ilhas do Mar Egeu, pedindo acolhida a cada uma dessas regiões. Temendo a cólera de Hera, nenhuma terra ousou recebê-la. Leto acabou por encontrar um abrigo. Astéria, sua irmã, por ter resistido aos ardores de Zeus fora transformada em ilha flutuante, a ilha Ortígia, que, justamente por não estar fixada em parte alguma não pertencia à Terra. Foi lá que nasceu Apolo. Reconhecido o deus por quanto a ilha fizera por sua mãe, fixou-a mais tarde ao centro do mundo grego e lhe deu o nome de Delos, a brilhante. Leto estava ao pé de uma palmeira, a única árvore da ilha estéril. Conforme canta o hino homérico, durante nove dias e nove noites esteve dilacerada pelas cruéis dores do parto. Todas as deusas se lhe reuniam em torno, menos Ilícia, a deusa dos partos felizes, que se achava sentada no topo do Olimpo, numa nuvem de ouro, retida pela conversa de Hera, que sofria de furioso ciúme, pois Leto, dos formosos cabelos, iria certamente dar à luz um filho poderoso e perfeito. As deusas enviaram a Delos a ligeira Íris, prometendo-lhe um colar de fios de ouro para que trouxesse Ilícia. Quando a deusa que preside aos partos chegou a Delos, Leto experimentava as mais vivas dores.. Em breve nasceu o deus.

Imediatamente lavaram e purificaram em límpida água o divino Febo, envolveram-no em véu branco e o cingiram com um cinto de ouro. Tinha nascido já Ártemis, a irmã gêmea do deus que ajudou a mãe quando o irmão estava para chegar. Leto não aleitou Apolo de gládio resplendente. Têmis ofereceu-lhe o néctar e a divina ambrosia. No momento em que nasceu o deus, cisnes sagrados voaram acima da ilha, fazendo sete vezes a volta, pois era o sétimo dia do mês. Zeus desceu do Olimpo e deu ao filho uma mitra de ouro, uma lira e um carro onde se atrelavam alvos cisnes. Ordenou em seguida que fossem todos para Delfos. Mas os cisnes levaram primeiro Apolo para o seu país, às margens do oceano além da Terra e do Vento do Norte. Ali o deus ficou um ano recebendo a homenagem dos Hiperbóreos, tendo ido para Delfos no verão, entre festas e cantos. Cada ano celebrava-se a vinda do deus com hecatombes.

Hera não perdoara a rival, ainda. Suscitou contra ela a ira do monstruoso dragão, filho da Terra, chamado Délfines ou Píton, que fora incumbido da guarda dos oráculos da Terra, perto da fonte de Castália. Píton perseguia sem cessar a infeliz Leto que fugia, apertando nos braços os filhos. Num dia de intenso calor, em sua fuga, chegou até Cária. Deteve-se à beira de um poço, mas alguns camponeses, ocupados em arrancar uns caniços, expulsaram-na brutalmente. Leto rogou-lhe um pouco d'água, para os filhinhos que tinham sede. Eles, então, turvaram as águas para que ela não bebesse. Leto, possuída de intensa cólera, ergueu as mãos e disse: "Pois bem, ficareis sempre nesse poço". Os desalmados foram imediatamente transformados em rãs. Desde então não cessaram de coaxar e chafurdar na lama. 

Os lobos conduziram-na às margens do Xanto e Leto pode fazer abluções nesse rio, que foi consagrado a Apolo. Dizem que nessa segunda fuga foi Posídon quem ajudou Leto, dissimulando-lhe a retirada. 

Quatro dias depois do seu nascimento, Apolo se pôs à procura de um lugar para fazer o seu santuário. Armado de flechas que para ele tinha forjado Hefesto, desceu das alturas do Olimpo, atravessou a Piéria, a Eubéia, a Beócia chegou ao vale de Crissa. Aceitando o pérfido conselho da ninfa Telfusa, que reinava na região e desejava conservar seu privilégio, Apolo se aventurou a entrar pela estreita garganta selvagem do Parnaso, onde se entocava a serpente monstruosa. Vendo o deus, ela se precipitou, mas Apolo contra ela lançou o dardo poderoso. Dilacerada por dores cruéis, Píton rolou na areia e rolando ficou até que entre borbotões de sangue e com um hálito empestado, morreu. Apolo pôs os pés em cima dela e disse: "Apodrece agora aí onde estás." Quanto a Telfusa, o deus lhe puniu a perfídia esmagando-a com um rochedo. A região onde morreu o monstro tomou o nome de Pito. E Apolo, o matador da serpente, foi chamado de Apolo Pítio. Em lembrança do seu feito, Apolo fundou os jogos fúnebres que tomaram o nome de Jogos Píticos e são celebrados em Delfos. Para se purificar do contato com a serpente, Apolo se exilou na Tessália, só voltando a Delfos quando o período de expiação terminou. Trazia na cabeça a coroa de folhas de loureiro e vinha com um cortejo de sacerdotes, que cantavam hinos de triunfo. A lembrança desses acontecimentos se perpetuou em Delfos com a festa chamada Septéria ou de Veneração, que se celebrava a cada nove anos.

Apolo se apoderou do oráculo de Têmis em Delfos e consagrou no santuário uma trípode, ou tripé, que cobriu com a pele do monstro e onde estava se sentava a profetisa que dava os oráculos. Foi construído um altar no meio de um bosque sagrado, em local que o acaso indicou. Cabras errantes, aproximando-se de uns buracos nos rochedos, caíram tomadas de convulsão. Pessoas que respiraram as exalações que subiam dali também foram tomadas de convulsão, seguida de uma espécie de loucura e, entre contorções e brados, profetizavam. 

Tendo ali instituído o seu culto, Apolo se perguntava como encontraria sacerdotes para os ritos, de vez que o lugar era deserto. Olhando para o mar, divisou ao longe um navio tripulado por cretenses. Tomou a forma de um delfim e se lançou para o lado dos navegantes. Pôs-se a saltar sob o barco, com grande espanto dos marinheiros, pois que assim que as águas se agitaram daquela maneira extraordinária, sem tempestade nem ventos, os remos deixaram de obedecer. O navio, desviando a rota, por si, contornou o Peloponeso, passou pelo Golfo de Corinto e foi dar nas margens de Crissa. Retomando seu aspecto divino, Apolo ditou aos cretenses sua vontade. Disseram-lhe que nenhum voltaria aos seus pagos. Ninguém voltaria a ver suas ricas moradas nem as queridas esposas. Seriam daquele dia em diante, guardiães do templo de Apolo. Saberiam os desígnios dos Imortais, pela vontade dos quais seriam perpetuamente honrados. E, uma vez que o tinham visto sob a forma de um delfim, que o invocassem sob o nome de delfiniano. Diz-se que foi essa a origem de Delfos. Isto explica também por que Apolo é o deus dos navegantes e das expedições marítimas, particularmente das colonizações. 

Entretanto, Apolo não passava todo o seu tempo em Delfos. Todos os anos, no fim do outono, ia para além dos Montes Rifeus, onde reinava o impetuoso Bóreas. Lá era o país dos misteriosos hiperbóreos. Sob um céu perpetuamente azul e luminoso vivia ali um povo de homens virtuosos, votados ao culto de Apolo. Dizia-se que Leto mesma era originária daquele bem-aventurado país. Ao voltar a primavera, Apolo retornava a Delfos, num carro onde se atrelavam cisnes brancos ou os monstruosos grifos. 

Alguns autores colocam na Lícia o lugar do exílio anual do deus. Uma viva disputa se verificou entre Apolo e Héracles em torno da famosa trípode. Héracles consultou a Pítia e ela se recusou a responder. O herói, enfurecido, apoderou-se do tripé que Apolo resolveu reconquistar. Foi tão viva a luta e tão violenta que Zeus precisou intervir com o seu raio. O tripé ficou em Delfos. 

Por duas vezes incorreu Apolo na cólera de Zeus, apesar da predileção com que o distinguia. Na segunda vez ele tomou parte na conspiração urdida contra Zeus por Hera e que fracassou graças a Tétis. Furioso, Zeus condenou Apolo a ir, juntamente com Posídon, pôr-se ao serviço de Laomedonte, o rei de Tróia. Enquanto Posídon trabalhava na construção das fortificações de Tróia, Apolo apascentava os bois do gado real, nas encostas do Ida. Passado o ano de trabalho, o rei não quis pagar o salário combinado e até ameaçou de lhes mandar cortar as orelhas. Apolo fez com que grassasse a peste, na região, por vingança e Posídon ordenou que um monstro marinho surgisse das águas e matasse os homens nos campos. A segunda vez, Apolo, para vingar a morte de seu filho Asclépio, fulminado por Zeus, matou os Ciclopes. Zeus, para puni-lo, manou-o em servidão à corte de Admeto, rei de Feres, para o qual guardava os cavalos e as ovelhas. Ele se mostrou tão devotado ao amo, que o ajudou no seu casamento e o salvou mesmo da morte. Nesse seu aspecto pastoral era conhecido como Apolo Nômio. Enquanto guardava os rebanhos, Apolo tocava lira, pois era também o deus da música. 

Querem alguns que ele tenha inventado o seu instrumento, mas outros pretendem que o recebeu de Hermes. Ao som da sua música quedavam-se encantados os animais selvagens da floresta. Um dia em que tocava no Monte Tmolo foi desafiado pelo sátiro Mársias, que tendo apanhado a flauta atirada fora por Atena, adquiriu à força de tocá-la, extrema virtuosidade. Foram juízes do singular torneio as Musas e Midas, o rei de Frígia. Ao fim do torneio, Apolo foi declarado vencedor, mas Midas se pronunciou por Mársias. O deus o puniu fazendo com que nascessem nele orelhas de burro. Quanto ao seu infeliz adversário, amarrou-o a um tronco, escorchou-o vivo, suspendeu-lhe os despojos à entrada de uma caverna que se podia ver nas vizinhanças de Celene, na Frígia. Segundo algumas tradições o debato foi entre Apolo e Pã. Um dia, Apolo notou a jovem Dafne, companheira de Ártemis, que como ninfa caçadora percorria os bosques, às margens do Rio Peneu (de quem diziam que era filha). 

Apolo caçoava do pequeno deus do Amor, Eros, que com arco e flecha passava os dias ferindo os mortais e imortais. Dizia Apolo que aquilo não passava de brinquedo. Ora, Amor ou Eros tinha no carcaz a flecha que inspirava amor e a flecha que inspirava aversão. Para se vingar do deus atirou-lhe ao coração uma flecha do amor e flechou ao mesmo tempo Dafne com a da antipatia. E assim, embora tivesse uma bela figura de adolescente, quando Apolo resolveu abordar a solitária jovem ela se pôs em fuga, rápida como vento. Em vão Apolo lhe suplicava que parasse, pois quem a perseguia era o deus da luz, filho do próprio Zeus, o que desvendava aos homens o mistério do futuro. Levada pelo terror, Dafne precipitava a fuga. Quase a alcançava já Apolo quando a ninfa pediu socorro à Terra-Mãe. Imediatamente a terra se abriu, a moça mergulhou e em seu lugar surgiu o loureiro, que foi dali em diante a árvore privilegiada do divino Apolo. O deus amou a oceânide Mélia, de quem nasceu Ismênio; a ninfa Corícia, de quem louve Licoreu; Acacális, mãe de Filácides e Filandro; Cirene, mãe de Aristeu; Quíone, filha de Delos, que lhe deu Filâmon; uma outra Acacális, filha de Minos, que lhe deu Anfitemes e Mileto; Urânia foi mãe de Lino e Orfeu; Psâmate, mãe de Lino, o que morreu em tenra idade, devorado pelos cães; Corônis, mãe de Asclépio; Creúsa, mãe de Íon; Tíria, mãe de Cicno; Astéria, mãe de Ídmon; Evadne, mãe de Íamo; Cassandra, a quem deu o dom da profecia. Muitas vezes o belo Apolo foi infeliz nos seus amores: Castália preferiu transformar-se em fonte a pertencer-lhe; Marpessa, a filha de Eveno, preferiu o mortal Idas, ao deus. Consta que Hécuba, mulher de Príamo, teve dele um filho: Troilo. Em Colófon, na Ásia, Apolo passava por pai de Mopso, o adivinho, filho da adivinha Manto. Consideravam-no amante de Ftia, mãe de três crianças, Doro, Láodoco e Polipetes, mortos por Etolo. E por fim, Reo, mãe de Ânio. A paternidade de Têneo é atribuída tanto a Apolo com a mãe Cicno. 

Apolo não se limitou a amar mulheres. Apaixonou-se por Jacinto, filho do Rei Amiclo, adolescente de maravilhosa beleza. Um dia matou-o involuntariamente ao lançar o disco nas margens floridas do Eurotas. O jovem foi transformado na flor que tem o seu nome. Outro amado de Apolo foi Ciparisso. Tendo matado sem querer, um dia, uma cervo de chifres dourados, consagrado às ninfas, suicidou-se. Apolo transformou-o em cipreste. Apolo presidia o cortejo das Musas e entre elas teve também amantes. Diz-se que Tália teve dele os Coribantes; Calíope lhe deu Himeneu e Iálemo. 

Era Apolo também um deus guerreiro. Vimos que matou a Píton, lutou contra os Alóades, contra Forbas, contra Héracles. Gozava entre os Olímpicos de uma consideração muito particular. Quando penetrava na assembleia dos deuses, todos se levantavam em sinal de respeito; sua mãe Leto o desembaraçava do arco e do carcaz que pendurava em ganchos de ouro, na coluna de Zeus. O pai dos deuses o acolhia, apresentando-lhe néctar num copo de ouro. Passava por ser um deus vingativo. Participou do massacre dos filhos de Níobe, enviou aos gregos, reunidos diante de Tróia, uma peste que lhes dizimou o exército, massacrou os Ciclopes, por vingança, combateu Títio. Interveio na guerra dos Gigantes, ao lado dos Olímpicos. Combateu ao lado dos troianos contra os gregos. Protegeu Páris na batalha e é à sua intervenção, direta ou indireta, que se atribui a morte de Aquiles. 

Certos animais eram particularmente consagrados a Apolo: o lobo, que se lhe oferecia em sacrifício e cuja imagem se associava à sua nas moedas; o gamo ou a corça, que figuram igualmente no culto de Ártemis; entre as aves, o cisne, o milhafre, o abutre, o corvo, cujo voo oferecia presságios. Entre os animais marinhos, o delfim, ao qual se liga o nome Delfos, o principal santuário de Apolo. 

O loureiro era a sua árvore. A Pítia mastigava folhas de louro durante os transes proféticos. 

Apesar de ser o deus Sol e da luz, Apolo não é o Sol, sendo essa função preenchida por outra divindade, Hélio. Entretanto, como deus do Sol tem vários nomes: É Febo, o brilhante, Xanto, o Louro, Crisócomes, o que tem a cabeleira de ouro; filho de Leto, divindade da Noite, ele era o dia, adorado nos cimos e altas montanhas. Como deus solar, fazia amadurecerem os frutos e assim consagravam-lhe em Delos e Delfos as primeiras colheitas. O Apolo Esminteu destruía os ratos que infestavam os campos, o Apolo Parnópion livrava os meses de pragas. Como deus arqueiro era Apolo Hecatébolo, como deus da morte súbita, o que lança de longe as flechas, era Apolo Alexícaco. Como deus profeta era Apolo Délfico. Como deus pastor Apolo Nômio, como deus da luz propriamente Apolo Lício, o que tem sido confundido com o patronímico Lício, da Lícia. Como deus matador de lobos era Apolo Licóctomos. Também havia a divindade pastoril Apolo Carneios, o deus-carneiro dos dórios. 

Além disso, foi venerado como deus do canto, da música, da cítara, da lira, construtor e colonizador. 

As funções e símbolos de Apolo são múltiplos e seu estudo pertence mais à história das religiões que à Mitologia. Apolo, com o correr dos tempos, tornou-se o deus da religião órfica, que prometia a saúde e a vida eterna aos iniciados. Diz-se que é Apolo o pai de Pitágoras, ao qual se ligam essas doutrinas. Representa-se Apolo reinando sobre a Ilha dos Bem-Aventurados, paraíso do orfismo e do neopitagorismo.


Retirado do livro Dicionário da Mitologia Grega, de Ruth Guimarães, Editora Cultrix, São Paulo, 2004.

sábado, 20 de novembro de 2021

Dá-te a Ele

 Faculta-te permear pelo psiquismo divino, que paira em toda parte.

Não obstante os miasmas pestilentos do pessimismo e da amargura que intoxicam milhões de vidas, sustenta o idealismo no coração, irrigando o teu organismo com os fluidos da coragem e da confiança irrestrita em Deus.

Enquanto a maioria irritada blasfema, emite pensamentos saudáveis que constituem força criadora e renovadora de que todos necessitam.

Apesar da desconfiança e insatisfação que dominam os atuais arraiais terrestres, mantém-te resoluto e convencido da vitória de bem sobre o mal.

No fragor da luta é que se notabiliza o combatente, e é na dificuldade que os homens se desvelam.

Temor é passo para o fracasso. Dúvida constitui impedimento para o avanço.

Reclamação representa mecanismo de desequilíbrio gerador de insucesso.

Somente uma atitude decidida facilita a solução dos problemas graves, desde que resultado de uma lúcida mente não comprometida emocionalmente com a descrença, a mágoa ou a revolta.

Assinala as tuas horas com os minutos da paz, a fim de que ela reine nos teus sentimentos mais tarde.

Os pequenos espaços preenchidos com a harmonia se tornarão a pauta sinfônica da tua felicidade, mesmo que, aparentemente, tudo conspire contra os teus planos superiores.

Confia em Deus e a Ele entrega-te.

Quem visse o fracasso de Jesus suporia que Ele havia perdido a luta, no entanto, porque se deixou arrastar ao martírio, demonstrou a excelência dos Seus ensinamentos, e até hoje prossegue atraindo as multidões, entre as quais te encontras ainda indeciso.

Dá-te a Ele e não temas a nada nem a ninguém.


Texto retirado do livro Momentos de Alegria; Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 4ª Edição, 2014.

sábado, 13 de novembro de 2021

Conhecimento para a ação

 As leis que regem a Natureza são constante apelo ao homem que sabe investigar e deseja progredir.

Qualquer transgressão em referência aos seus códigos soberanos resulta em falta que se impõe como necessidade de reparação.

Ninguém se lhes escapa.

Cada criatura age conforme a sua própria natureza, os seus atavismos espirituais, constituindo-lhe dever libertar-se dos negativos, os primitivos, os que o atam às expressões da sensualidade de variada gama, iniciando outras experiências que se harmonizem com a parte divina no imo adormecida.

Isso lhe ensejará a aquisição da sabedoria, emulando-o sempre ao aprimoramento do caráter.

Um dos métodos eficientes para o desiderato é o conhecimento que liberta da ignorância, do medo, do egoísmo e da avareza.

O passo imediato é a ação, o cumprimento dos deveres que enobrecem, embora se apresentem humildes e insignificantes, sem avançar o passo para realizar os labores do próximo, porque projetam a personalidade e promovem o orgulho, ou manter-se impassível diante da vida.

É melhor que a desencarnação te alcance no cumprimento dos deveres do que te encontre na ociosidade dourada, na existência frívola e perfumada.

O hábito do serviço promoverá os teus valores morais, não obstante, muitas vezes faças o que não desejas e não consigas realizar o que almejas.

Isso é natural, porque resulta dos acúmulos produzidos em outras existências corporais, que criaram os condicionamentos cujo impositivo tens que arrebentar.

A esta impulsão, o desrespeito à ordem, chamas de tentação, qual nuvem que obscurece o sol ou fumaça que se desprende da labareda.

Certamente o sol e o fogo sobrepõem-se aos aparentes impedimentos pela força intrínseca de que se constituem.

Assim também, o denodo e a intensidade das tuas aspirações elevadas vencerão esses inimigos, abrindo-te campo de realização em programas mais felicitadores.

O apóstolo Paulo, embora de elevada estirpe espiritual, sofreu a injunção de ser tentado a fazer o que não queria, enquanto, se esforçando, não conseguia fazer sempre o que desejava.

Perseverando e desafiando-se, porém, superou-se, de tal forma, que deixou de ser ele próprio, para que o Cristo nele vivesse.


Texto retirado do livro Momentos de Meditação; Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª Edição, 2014.

domingo, 7 de novembro de 2021

Terapia do Autoconhecimento

Silencia as ansiedades do sentimento e acalma os tormentos, reflexionando em torno das tuas reais necessidades.

Aprofunda a autoanálise e tem a coragem de te desnudares perante a própria consciência.

Enumera as tuas mais graves emoções perturbadoras e raciocina sobre a sua vigência no teu comportamento.

Enfrenta-as, uma a uma, não as justificando, nem as escamoteando sob o desculpismo habitual.

Resolve-te por sanar a situação aflitiva dos teus dias, optando pela aquisição da saúde.

Consciente de que és o que fizeste de ti, e poderás ser o que venhas a fazer de ti próprio, não postergues a decisão do autoencontro.

Enquanto a anestesia da mentira te obnubile o raciocínio, transitarás de um para outro problema, sem que consigas a paz real.

Reunirás valores de fora, que perdem o significado, logo são conseguidos, anelando pelo bem-estar fugidio, que se te anuncia e logo desaparece.

O homem que se conhece possui um tesouro no coração.

O discernimento que o caracteriza é a sua luz acesa no imo, apontando-lhe o rumo.

Conhecendo a fragilidade da veste carnal, valoriza cada hora e aplica-a bem, vivendo-a intensamente, em cujo comportamento recolherás os melhores frutos.

Cada vez que se resolvas por te autodescobrires, conduze uma proposta de libertação.

Começa pelos vícios sociais da mentira, da maledicência, da calúnia, do pessimismo, da suspeita, passando aos dramas do comportamento, na inveja, no ciúme, no ressentimento, no rancor, no ódio... Posteriormente, elabora as medidas educativas às dependências aos alcoólicos, ao tabagismo, às drogas alucinógenas, à luxúria, aos distúrbios de conduta e às investidas das alucinações psicológicas...

Cada passo ser-te-á uma conquista nova.

Toda vitória, por pequena que se te apresente, significará um avanço.

Como os condicionamentos são a segunda natureza, em a natureza humana, gerarás hábitos salutares, que te plenificarão em forma de equilíbrio e paz.


Texto retirado do livro Momentos de Iluminação; Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 4ª Edição, 2015.

Intuição

 Canta uma canção bonita

Falando da vida em ré maior

Canta uma canção daquela

De filosofia e mundo bem melhor

Canta uma canção que aguente

Essa paulada e a gente

Bate o pé no chão


Canta uma canção daquelas

Pula da janela, bate o pé no chão

Sem o compromisso estreito

De falar perfeito

Coerente ou não

Sem o verso estilizado

O verso emocionado

Bate o pé no chão


Canta o que não silencia

É onde principia a intuição

E nasce uma canção rimada

Da voz arrancada

Ao nosso coração

Como, sem licença, o sol

Rompe a barra da noite

Sem pedir perdão


Hoje quem não cantaria

Grita a poesia

E bate o pé no chão


Música de Oswaldo Montenegro gravada no seu então LP de 1980 lançado pela Gravadora WEA, do Grupo Warner Music. Nesse disco estão também as canções Bandolins e Agonia.