segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Apolo

 Apolo tem tantos atributos e tão diversos que se pensa estarem nele reunidas várias personalidades. Estudando o problema de suas origens, chegou-se à conclusão de que se trata de um deus solar vindo da Ásia, que teria se confundido com um deus campestre originário do norte da Grécia, o deus principal dos dórios. Apesar do seu caráter múltiplo, suas representações são sempre iguais, obedecendo a um tipo único. Jovem, imberbe, "porque o Sol não envelhece" ele é o deus do Sol; o arco e as flechas que traz simbolizam os raios, a lira a harmonia dos céus; é chamado o Esplendente. Atira ao longe as suas setas, assim como o Sol dardeja longe seus raios. É profeta e, como o Sol, vê tudo, inclusive o que está para suceder. Condutor das Musas, deus da inspiração, preside a harmonia da natureza, e é o deus da Medicina. Nos monumentos, Apolo profeta está vestido com uma longa túnica, traje característico dos padres que divulgavam seus oráculos. Apolo médico tem aos pés uma serpente. Como caçador, aparece vestido de leve clâmide, com o flanco quase nu. Perto da imagem do deus aparece sempre o Grifo, um animal fantástico, às vezes atrelado ao seu carro.

Segundo as tradições mais antigas, a mãe de Apolo, Leto, filha de Céu e de Febe, foi esposa de Zeus, anteriormente à união do deus com Hera. Hesíodo mostra-a envolta em véus sombrios, vestimenta natural de uma deusa da noite. Foi só mais tarde que a fizeram amante de Zeus e a lenda se enriqueceu com os seus infortúnios, durante a fuga ao ódio e ao ciúme de Hera. Assim, quando engravidou por obra de Zeus, e sentindo estar próximo o momento de dar à luz, procurou por toda a Terra um lugar onde pousar. Percorreu em vão a Ática, a Eubeia, a Trácia, e as ilhas do Mar Egeu, pedindo acolhida a cada uma dessas regiões. Temendo a cólera de Hera, nenhuma terra ousou recebê-la. Leto acabou por encontrar um abrigo. Astéria, sua irmã, por ter resistido aos ardores de Zeus fora transformada em ilha flutuante, a ilha Ortígia, que, justamente por não estar fixada em parte alguma não pertencia à Terra. Foi lá que nasceu Apolo. Reconhecido o deus por quanto a ilha fizera por sua mãe, fixou-a mais tarde ao centro do mundo grego e lhe deu o nome de Delos, a brilhante. Leto estava ao pé de uma palmeira, a única árvore da ilha estéril. Conforme canta o hino homérico, durante nove dias e nove noites esteve dilacerada pelas cruéis dores do parto. Todas as deusas se lhe reuniam em torno, menos Ilícia, a deusa dos partos felizes, que se achava sentada no topo do Olimpo, numa nuvem de ouro, retida pela conversa de Hera, que sofria de furioso ciúme, pois Leto, dos formosos cabelos, iria certamente dar à luz um filho poderoso e perfeito. As deusas enviaram a Delos a ligeira Íris, prometendo-lhe um colar de fios de ouro para que trouxesse Ilícia. Quando a deusa que preside aos partos chegou a Delos, Leto experimentava as mais vivas dores.. Em breve nasceu o deus.

Imediatamente lavaram e purificaram em límpida água o divino Febo, envolveram-no em véu branco e o cingiram com um cinto de ouro. Tinha nascido já Ártemis, a irmã gêmea do deus que ajudou a mãe quando o irmão estava para chegar. Leto não aleitou Apolo de gládio resplendente. Têmis ofereceu-lhe o néctar e a divina ambrosia. No momento em que nasceu o deus, cisnes sagrados voaram acima da ilha, fazendo sete vezes a volta, pois era o sétimo dia do mês. Zeus desceu do Olimpo e deu ao filho uma mitra de ouro, uma lira e um carro onde se atrelavam alvos cisnes. Ordenou em seguida que fossem todos para Delfos. Mas os cisnes levaram primeiro Apolo para o seu país, às margens do oceano além da Terra e do Vento do Norte. Ali o deus ficou um ano recebendo a homenagem dos Hiperbóreos, tendo ido para Delfos no verão, entre festas e cantos. Cada ano celebrava-se a vinda do deus com hecatombes.

Hera não perdoara a rival, ainda. Suscitou contra ela a ira do monstruoso dragão, filho da Terra, chamado Délfines ou Píton, que fora incumbido da guarda dos oráculos da Terra, perto da fonte de Castália. Píton perseguia sem cessar a infeliz Leto que fugia, apertando nos braços os filhos. Num dia de intenso calor, em sua fuga, chegou até Cária. Deteve-se à beira de um poço, mas alguns camponeses, ocupados em arrancar uns caniços, expulsaram-na brutalmente. Leto rogou-lhe um pouco d'água, para os filhinhos que tinham sede. Eles, então, turvaram as águas para que ela não bebesse. Leto, possuída de intensa cólera, ergueu as mãos e disse: "Pois bem, ficareis sempre nesse poço". Os desalmados foram imediatamente transformados em rãs. Desde então não cessaram de coaxar e chafurdar na lama. 

Os lobos conduziram-na às margens do Xanto e Leto pode fazer abluções nesse rio, que foi consagrado a Apolo. Dizem que nessa segunda fuga foi Posídon quem ajudou Leto, dissimulando-lhe a retirada. 

Quatro dias depois do seu nascimento, Apolo se pôs à procura de um lugar para fazer o seu santuário. Armado de flechas que para ele tinha forjado Hefesto, desceu das alturas do Olimpo, atravessou a Piéria, a Eubéia, a Beócia chegou ao vale de Crissa. Aceitando o pérfido conselho da ninfa Telfusa, que reinava na região e desejava conservar seu privilégio, Apolo se aventurou a entrar pela estreita garganta selvagem do Parnaso, onde se entocava a serpente monstruosa. Vendo o deus, ela se precipitou, mas Apolo contra ela lançou o dardo poderoso. Dilacerada por dores cruéis, Píton rolou na areia e rolando ficou até que entre borbotões de sangue e com um hálito empestado, morreu. Apolo pôs os pés em cima dela e disse: "Apodrece agora aí onde estás." Quanto a Telfusa, o deus lhe puniu a perfídia esmagando-a com um rochedo. A região onde morreu o monstro tomou o nome de Pito. E Apolo, o matador da serpente, foi chamado de Apolo Pítio. Em lembrança do seu feito, Apolo fundou os jogos fúnebres que tomaram o nome de Jogos Píticos e são celebrados em Delfos. Para se purificar do contato com a serpente, Apolo se exilou na Tessália, só voltando a Delfos quando o período de expiação terminou. Trazia na cabeça a coroa de folhas de loureiro e vinha com um cortejo de sacerdotes, que cantavam hinos de triunfo. A lembrança desses acontecimentos se perpetuou em Delfos com a festa chamada Septéria ou de Veneração, que se celebrava a cada nove anos.

Apolo se apoderou do oráculo de Têmis em Delfos e consagrou no santuário uma trípode, ou tripé, que cobriu com a pele do monstro e onde estava se sentava a profetisa que dava os oráculos. Foi construído um altar no meio de um bosque sagrado, em local que o acaso indicou. Cabras errantes, aproximando-se de uns buracos nos rochedos, caíram tomadas de convulsão. Pessoas que respiraram as exalações que subiam dali também foram tomadas de convulsão, seguida de uma espécie de loucura e, entre contorções e brados, profetizavam. 

Tendo ali instituído o seu culto, Apolo se perguntava como encontraria sacerdotes para os ritos, de vez que o lugar era deserto. Olhando para o mar, divisou ao longe um navio tripulado por cretenses. Tomou a forma de um delfim e se lançou para o lado dos navegantes. Pôs-se a saltar sob o barco, com grande espanto dos marinheiros, pois que assim que as águas se agitaram daquela maneira extraordinária, sem tempestade nem ventos, os remos deixaram de obedecer. O navio, desviando a rota, por si, contornou o Peloponeso, passou pelo Golfo de Corinto e foi dar nas margens de Crissa. Retomando seu aspecto divino, Apolo ditou aos cretenses sua vontade. Disseram-lhe que nenhum voltaria aos seus pagos. Ninguém voltaria a ver suas ricas moradas nem as queridas esposas. Seriam daquele dia em diante, guardiães do templo de Apolo. Saberiam os desígnios dos Imortais, pela vontade dos quais seriam perpetuamente honrados. E, uma vez que o tinham visto sob a forma de um delfim, que o invocassem sob o nome de delfiniano. Diz-se que foi essa a origem de Delfos. Isto explica também por que Apolo é o deus dos navegantes e das expedições marítimas, particularmente das colonizações. 

Entretanto, Apolo não passava todo o seu tempo em Delfos. Todos os anos, no fim do outono, ia para além dos Montes Rifeus, onde reinava o impetuoso Bóreas. Lá era o país dos misteriosos hiperbóreos. Sob um céu perpetuamente azul e luminoso vivia ali um povo de homens virtuosos, votados ao culto de Apolo. Dizia-se que Leto mesma era originária daquele bem-aventurado país. Ao voltar a primavera, Apolo retornava a Delfos, num carro onde se atrelavam cisnes brancos ou os monstruosos grifos. 

Alguns autores colocam na Lícia o lugar do exílio anual do deus. Uma viva disputa se verificou entre Apolo e Héracles em torno da famosa trípode. Héracles consultou a Pítia e ela se recusou a responder. O herói, enfurecido, apoderou-se do tripé que Apolo resolveu reconquistar. Foi tão viva a luta e tão violenta que Zeus precisou intervir com o seu raio. O tripé ficou em Delfos. 

Por duas vezes incorreu Apolo na cólera de Zeus, apesar da predileção com que o distinguia. Na segunda vez ele tomou parte na conspiração urdida contra Zeus por Hera e que fracassou graças a Tétis. Furioso, Zeus condenou Apolo a ir, juntamente com Posídon, pôr-se ao serviço de Laomedonte, o rei de Tróia. Enquanto Posídon trabalhava na construção das fortificações de Tróia, Apolo apascentava os bois do gado real, nas encostas do Ida. Passado o ano de trabalho, o rei não quis pagar o salário combinado e até ameaçou de lhes mandar cortar as orelhas. Apolo fez com que grassasse a peste, na região, por vingança e Posídon ordenou que um monstro marinho surgisse das águas e matasse os homens nos campos. A segunda vez, Apolo, para vingar a morte de seu filho Asclépio, fulminado por Zeus, matou os Ciclopes. Zeus, para puni-lo, manou-o em servidão à corte de Admeto, rei de Feres, para o qual guardava os cavalos e as ovelhas. Ele se mostrou tão devotado ao amo, que o ajudou no seu casamento e o salvou mesmo da morte. Nesse seu aspecto pastoral era conhecido como Apolo Nômio. Enquanto guardava os rebanhos, Apolo tocava lira, pois era também o deus da música. 

Querem alguns que ele tenha inventado o seu instrumento, mas outros pretendem que o recebeu de Hermes. Ao som da sua música quedavam-se encantados os animais selvagens da floresta. Um dia em que tocava no Monte Tmolo foi desafiado pelo sátiro Mársias, que tendo apanhado a flauta atirada fora por Atena, adquiriu à força de tocá-la, extrema virtuosidade. Foram juízes do singular torneio as Musas e Midas, o rei de Frígia. Ao fim do torneio, Apolo foi declarado vencedor, mas Midas se pronunciou por Mársias. O deus o puniu fazendo com que nascessem nele orelhas de burro. Quanto ao seu infeliz adversário, amarrou-o a um tronco, escorchou-o vivo, suspendeu-lhe os despojos à entrada de uma caverna que se podia ver nas vizinhanças de Celene, na Frígia. Segundo algumas tradições o debato foi entre Apolo e Pã. Um dia, Apolo notou a jovem Dafne, companheira de Ártemis, que como ninfa caçadora percorria os bosques, às margens do Rio Peneu (de quem diziam que era filha). 

Apolo caçoava do pequeno deus do Amor, Eros, que com arco e flecha passava os dias ferindo os mortais e imortais. Dizia Apolo que aquilo não passava de brinquedo. Ora, Amor ou Eros tinha no carcaz a flecha que inspirava amor e a flecha que inspirava aversão. Para se vingar do deus atirou-lhe ao coração uma flecha do amor e flechou ao mesmo tempo Dafne com a da antipatia. E assim, embora tivesse uma bela figura de adolescente, quando Apolo resolveu abordar a solitária jovem ela se pôs em fuga, rápida como vento. Em vão Apolo lhe suplicava que parasse, pois quem a perseguia era o deus da luz, filho do próprio Zeus, o que desvendava aos homens o mistério do futuro. Levada pelo terror, Dafne precipitava a fuga. Quase a alcançava já Apolo quando a ninfa pediu socorro à Terra-Mãe. Imediatamente a terra se abriu, a moça mergulhou e em seu lugar surgiu o loureiro, que foi dali em diante a árvore privilegiada do divino Apolo. O deus amou a oceânide Mélia, de quem nasceu Ismênio; a ninfa Corícia, de quem louve Licoreu; Acacális, mãe de Filácides e Filandro; Cirene, mãe de Aristeu; Quíone, filha de Delos, que lhe deu Filâmon; uma outra Acacális, filha de Minos, que lhe deu Anfitemes e Mileto; Urânia foi mãe de Lino e Orfeu; Psâmate, mãe de Lino, o que morreu em tenra idade, devorado pelos cães; Corônis, mãe de Asclépio; Creúsa, mãe de Íon; Tíria, mãe de Cicno; Astéria, mãe de Ídmon; Evadne, mãe de Íamo; Cassandra, a quem deu o dom da profecia. Muitas vezes o belo Apolo foi infeliz nos seus amores: Castália preferiu transformar-se em fonte a pertencer-lhe; Marpessa, a filha de Eveno, preferiu o mortal Idas, ao deus. Consta que Hécuba, mulher de Príamo, teve dele um filho: Troilo. Em Colófon, na Ásia, Apolo passava por pai de Mopso, o adivinho, filho da adivinha Manto. Consideravam-no amante de Ftia, mãe de três crianças, Doro, Láodoco e Polipetes, mortos por Etolo. E por fim, Reo, mãe de Ânio. A paternidade de Têneo é atribuída tanto a Apolo com a mãe Cicno. 

Apolo não se limitou a amar mulheres. Apaixonou-se por Jacinto, filho do Rei Amiclo, adolescente de maravilhosa beleza. Um dia matou-o involuntariamente ao lançar o disco nas margens floridas do Eurotas. O jovem foi transformado na flor que tem o seu nome. Outro amado de Apolo foi Ciparisso. Tendo matado sem querer, um dia, uma cervo de chifres dourados, consagrado às ninfas, suicidou-se. Apolo transformou-o em cipreste. Apolo presidia o cortejo das Musas e entre elas teve também amantes. Diz-se que Tália teve dele os Coribantes; Calíope lhe deu Himeneu e Iálemo. 

Era Apolo também um deus guerreiro. Vimos que matou a Píton, lutou contra os Alóades, contra Forbas, contra Héracles. Gozava entre os Olímpicos de uma consideração muito particular. Quando penetrava na assembleia dos deuses, todos se levantavam em sinal de respeito; sua mãe Leto o desembaraçava do arco e do carcaz que pendurava em ganchos de ouro, na coluna de Zeus. O pai dos deuses o acolhia, apresentando-lhe néctar num copo de ouro. Passava por ser um deus vingativo. Participou do massacre dos filhos de Níobe, enviou aos gregos, reunidos diante de Tróia, uma peste que lhes dizimou o exército, massacrou os Ciclopes, por vingança, combateu Títio. Interveio na guerra dos Gigantes, ao lado dos Olímpicos. Combateu ao lado dos troianos contra os gregos. Protegeu Páris na batalha e é à sua intervenção, direta ou indireta, que se atribui a morte de Aquiles. 

Certos animais eram particularmente consagrados a Apolo: o lobo, que se lhe oferecia em sacrifício e cuja imagem se associava à sua nas moedas; o gamo ou a corça, que figuram igualmente no culto de Ártemis; entre as aves, o cisne, o milhafre, o abutre, o corvo, cujo voo oferecia presságios. Entre os animais marinhos, o delfim, ao qual se liga o nome Delfos, o principal santuário de Apolo. 

O loureiro era a sua árvore. A Pítia mastigava folhas de louro durante os transes proféticos. 

Apesar de ser o deus Sol e da luz, Apolo não é o Sol, sendo essa função preenchida por outra divindade, Hélio. Entretanto, como deus do Sol tem vários nomes: É Febo, o brilhante, Xanto, o Louro, Crisócomes, o que tem a cabeleira de ouro; filho de Leto, divindade da Noite, ele era o dia, adorado nos cimos e altas montanhas. Como deus solar, fazia amadurecerem os frutos e assim consagravam-lhe em Delos e Delfos as primeiras colheitas. O Apolo Esminteu destruía os ratos que infestavam os campos, o Apolo Parnópion livrava os meses de pragas. Como deus arqueiro era Apolo Hecatébolo, como deus da morte súbita, o que lança de longe as flechas, era Apolo Alexícaco. Como deus profeta era Apolo Délfico. Como deus pastor Apolo Nômio, como deus da luz propriamente Apolo Lício, o que tem sido confundido com o patronímico Lício, da Lícia. Como deus matador de lobos era Apolo Licóctomos. Também havia a divindade pastoril Apolo Carneios, o deus-carneiro dos dórios. 

Além disso, foi venerado como deus do canto, da música, da cítara, da lira, construtor e colonizador. 

As funções e símbolos de Apolo são múltiplos e seu estudo pertence mais à história das religiões que à Mitologia. Apolo, com o correr dos tempos, tornou-se o deus da religião órfica, que prometia a saúde e a vida eterna aos iniciados. Diz-se que é Apolo o pai de Pitágoras, ao qual se ligam essas doutrinas. Representa-se Apolo reinando sobre a Ilha dos Bem-Aventurados, paraíso do orfismo e do neopitagorismo.


Retirado do livro Dicionário da Mitologia Grega, de Ruth Guimarães, Editora Cultrix, São Paulo, 2004.

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