quarta-feira, 24 de novembro de 2021

O enigma da Esfinge e o Oráculo de Delfos

 Quem és tu, que fazes aqui?

De onde vieste? Para onde vais?


A Esfinge era um monstro mitológico, com cabeça de mulher, corpo de leão e asas de águia. Essa tradição originou-se no Egito e passou para a Grécia. Sua principal estátua ficava no templo de Apolo, no chamado Oráculo de Delfos. "Esfinge" é uma palavra do egípcio arcaico que significa apertar a garganta até sufocar ou mesmo asfixiar. Já "oráculo" é uma palavra em parte grega e em parte latina que significa "profeta", "adivinho".

Delfos era um local sagrado onde Apolo, o deus da luz e das profecias, era consultado por meio de sua grande sacerdotisa, chamada de Pítia ou Pitonisa, nome que quer dizer "aquela que vence a escuridão". A Esfinge era famosa por seus enigmas, mas todos tinham uma mesma finalidade: "Decifra-me ou te devoro", ou seja, aquele que não os decifrasse era por ela devorado. Um desses enigmas, muito conhecido, era mais ou menos assim: "O que é, o que é? De manhã anda de quatro, ao meio-dia, sobre duas pernas e pela tarde, com três pernas". Naturalmente, referia-se ao homem, que em criança engatinha, quando adulto anda sobre duas pernas e ao envelhecer necessita da terceira perna, que é a bengala. Essa charada era um truque, na verdade, pois o homem é muito mais do que apenas isso.

Na verdade, os enigmas da Esfinge poderiam ser resumidos nestas perguntas: "Quem sou eu e o que eu faço aqui? De onde venho? Para onde vou?". São essas as perguntas que todos faziam no Oráculo de Delfos para a Pítia. E, até hoje, cada um de nós busca respostas para elas. Achamos que não estamos no mundo à toa, que tanto o passado como o futuro envolvem um significado que nos cabe descobrir e entender. Ninguém se conforma em ser apenas um amontoado de reações químicas e orgânicas sem sentido, que apenas segue as leis da biologia. Sentimos que há algo maior, espiritual, que habita em nós e queremos encontrar um caminho para esse mistério que culminará com nossa morte física, mas não espiritual.

Aliás, é por isso que a Esfinge nos sufoca e ameaça nos asfixiar. É o que sentimos quando nada sabemos sobre nós, quando as incertezas nos invadem e o tempo nos angustia, pois passa cada vez mais depressa. Enfim, são muitas as indagações sobre o passado não compreendido e o futuro incerto. Ao contrário, quando conseguimos decifrar ou entender algo sobre nosso passado, presente ou futuro, sentimos enorme alívio e o aperto no peito e na garganta parece sumir... Até voltar de novo, quando irromper outra indagação. Procuramos, então, um psicólogo, um astrólogo, um adivinho que leia cartas, jogue búzios ou buscamos as respostas em nossas crenças ou superstições.

E, ontem como hoje, a ciência não ajuda a decifrar o mistério de viver. Precisamos buscar outro tipo de saber. A Esfinge nos persegue e procuramos oráculos de toda espécie para não sermos por ela devorados. A verdade é que eles sempre foram e serão necessários para acalmar nossa angústia e ansiedade perante um futuro incerto, o passado desconhecido e o presente fugidio. Este escapa de nossas mãos com tal velocidade que o tempo não é suficiente para entendermos o que acabou de acontecer.

A Esfinge também tinha a função de oráculo, pois exigia que buscássemos os caminhos para nossa trajetória neste planeta chamado Terra, para não sermos devorados pelo medo, pela angústia e pelo desconhecimento do que viemos fazer aqui. Agora podemos entender o que significava esse monstro. Tinha cabeça feminina porque esta representa a intuição. É dessa maneira que devemos indagar, pois a razão e a lógica são inúteis para investigar o mistério da existência. Além disso, é preciso fazê-lo com sensibilidade - outra característica do arquétipo feminino. O corpo da Esfinge era de leão porque é preciso ter coragem e força para indagar. Além disso, sem saúde forte não se vai a nenhum lugar. Mas, cuidado! Saúde não se obtém somente com alimentação saudável e exercícios físicos (hoje tão na moda). Isso apenas responde pela parte física. Devemos cultivar a saúde mental e espiritual. Sem isso, de nada adiantará todo o nosso esforço, pois levando uma vida apressada e ansiosa, em busca de ter mais e mais, destruímos s nós mesmos. Ou, ainda, se vivermos alimentando raivas, invejas e ciúmes, o resultado poderá ser pior. Isso é mais danoso à saúde do que o álcool e as drogas juntos. Finalmente, a Esfinge tinha asas de águia porque o caminho do homem é para o alto, para os deuses ou, como dizemos hoje, para a espiritualidade. Novamente, para o alto não significa lutar para provar que somos melhores do que  os outros - isto é tolo, vão e somente nos rebaixa. Voar para o alto muito menos significa conquistar cada vez mais bens materiais - não custa lembrar que tudo ficará aqui. Voar para o alto é saber nos bastar e buscar a única coisa que levamos para a eternidade: a sabedoria e a espiritualidade ou, como diziam os antigos, a nobreza, a beleza e a bondade.

Eis a chave do enigma da Esfinge para a modernidade: conhece-te a ti mesmo, depois aos outros, e finalmente ao mundo - e então, finalmente, serás um homem capaz de voar para o alto. Não esqueça também que o homem deve realizar duas viagens ao longo de sua vida: uma para dentro e outra para fora. Não carregue fardos desnecessários nas costas, pois assim nunca poderá alçar voo e jamais conhecerá a verdadeira liberdade do ser. Lembra também que liberdade não é sinônimo de irresponsabilidade. Ao contrário, o verdadeiro homem livre é responsável por si mesmo e pelos outros - e o faz com paixão. Finalmente, encontra um meio de transformar tudo que és em nobreza, beleza e bondade e assim a Esfinge nunca te devorará, pois tua existência estará decifrada - será um livro aberto e que belo voo alçarás.


Retirado do livro Mitologia Viva - Aprendendo com os deuses a arte de viver e amar; Viktor D. Salis; Editora Nova Alexandria, São Paulo, 2003.

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