sexta-feira, 22 de julho de 2022

Guilherme Tell

    Há muitos anos, antes de ser um país livre e soberano, s Suíça era governada por um regente autoritário chamado Gessler. Todos mundo tinha medo dele, porque quem desobedecesse às suas ordens era impiedosamente castigado. A única pessoa que não o temia era um bravo caçador das montanhas de nome Guilherme Tell, respeitado pelos seus conterrâneos por ser, além de homem de bem, um exímio arqueiro. Ninguém o superava na pontaria certeira com o arco e a flecha.

    O tirano Gessler, arrogante e vaidoso, gostava de aterrorizar a gente do povo. Por isso, mandou erguer na praça principal um poste no qual fez pendurar o seu chapéu. Diante desse ridículo símbolo de autoridade, todos os passantes deveriam se curvar. E todos obedeciam, de medo de ser cruelmente punidos. Todos, menos Guilherme Tell, que não se submetia àquela humilhação por considerá-la abaixo de sua dignidade. Até que um dia aconteceu de o próprio Gessler estar na praça quando Tell passou por ali com seu filho de 8 anos.

    Vendo que o caçador não se curvara diante do chapéu, Gessler ficou furioso e mandou que seus soldados o agarrassem, gritando:

    - Tell, tu me desafiaste, e quem me desafia morre. Mas tu podes escapar da morte se fizeres o que eu te ordeno.

    E o perverso Gessler mandou que encostassem o filho do caçador ao poste com uma maçã sobre a cabeça. Então, continuou:

    - Agora, Tell, terás de provar a tua fama de grande arqueiro acertando a maçã na cabeça do teu filho com uma única flechada. Se acertares, o que duvido, sairás livre. Mas, se errares, serás executado aqui, na frente de todo este povo.

    E Guilherme Tell foi colocado no ponto mais distante da praça, com o seu arco e uma flecha.

    - Cumpra-se a minha ordem!, bradou Gessler.

    - Atire, meu pai, disse o menino. Eu não tenho medo.

    Com o coração apertado, Guilherme Tell levantou o arco, apontou a flecha, esticou a corda e, de dentes cerrados, mirou em direção ao alvo. Zummmm! A flecha zuniu no ar, rapidíssima, e rachou ao meio a maçã sobre a cabeça da criança.

    Um suspiro de alívio subiu da multidão, que assistia horrorizada àquele cruel espetáculo.

    Nesse momento, Gessler viu a ponta de uma outra flecha escondida debaixo do gibão do arqueiro.

    - Para quê a segunda flecha, se tinhas direito a um só arremesso? urrou o tirano.

    Guilherme Tell respondeu, em alto e bom som:

    - A segunda flecha era para varar o teu coração, Gessler, se eu tivesse ferido meu filho.

    E pegando o menino pela mão, Guilherme Tell deu as costas ao tirano e foi embora.

    Anos mais tarde, o arqueiro foi um valoroso combatente pela independência da sua terra e pela liberdade de seu povo.


Lenda suíça recontada por Tatiana Belinky retirada da Revista Nova Escola, Fundação Vitor Civita. Março de 1998.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Como se fosse

    De nada adiantou a couraça contra o fio da espada. O sangue jorrou entre as frestas metálicas e o jovem rei morreu no campo de batalha. Tão jovem, que não deixava descendente adulto para ocupar o trono. Apenas, da sua linhagem, um filho menino.

    Antes mesmo que a tumba fosse fechada, já os seus fiéis capitães se reuniam. A escolha de um novo rei não podia esperar. E determinaram que o menino haveria de reinar, pois a coroa lhe cabia de direito. Que começassem os preparativos para colocá-la sobre sua cabeça.

    Aprontavam-se as festas de coroação, enquanto os capitães instruíam o menino quanto ao seu futuro. Mas porque o rei seu pai havia sido muito amado pelo povo e temido pelos inimigos, e porque o rosto do menino era tão docemente infantil, uma decisão sem precedentes foi tomada.

    No dia da grande festa, antes que a coroa fosse pousada sobre os cachos do novo rei, a rainha sua mãe avançou e, diante de toda a corte, prendeu sobre seu rosto uma máscara com a figura do pai. Assim, ele haveria de ser coroado, assim ele haveria de governar. E os sinos tocaram em todo o reino.

    Muitos anos se passaram, muitas batalhas. O menino rei não era mais um menino. Era um homem. Acima da máscara, seus cabelos começavam a branquear. Seu reino também havia crescido. As fronteiras, agora longas, exigiam constante defesa.

    E, na batalha em que defendia a fronteira do Norte, perseguido pelos inimigos, o rei foi abatido no fundo de uma ravina, sem que de nada lhe valesse a couraça.

    Antes que fechasse os olhos, acercaram-se dele seus capitães. Retiraram o elmo. O sangue escorria da cabeça. O rei ofegava, parecia murmurar algo. Com um punhal, cortaram as tiras de couro que prendiam a máscara. Soltou-se pela primeira vez aquele rosto pintado ao qual todos se haviam acostumado como se fosse carne e pele. Mas o rosto que surgiu por baixo dele não era um rosto de homem. A boca de criança movia-se ainda sobre mudas palavras, os olhos do rei faziam-se baços num rosto de menino.


Conto de Marina Colasanti retirado da Revista Nova Escola, Fundação Victor Civita, Editora Abril, Dezembro de 1997.

O caminho de uma delícia

Do xocolatl asteca aos bombons europeus, o cacau originário da Amazônia foi produto rentável no Brasil colonial e se transformou no chocolate, adorado em todo o mundo.


    Quando os castelhanos fizeram contato com os astecas pela primeira vez, no início do século XVI, não era possível prever o quanto esse encontro mudaria o mundo. Populações seriam dizimadas, civilizações desapareceriam, a Europa conheceria um fluxo de metais preciosos capaz de mudar seus rumos, e seus hábitos alimentares passariam por transformações definitivas com a introdução à mesa de novos ingredientes, como a batata, o milho e o tomate. O cacau, uma outra novidade surgida desse encontro, levaria muito tempo até chegar à forma apreciada nos dias de hoje por crianças e adultos das mais diferentes nacionalidades: ele, o chocolate.

    Produto nativo da região amazônica, o cacau se espalhou pelas florestas tropicais da América, sendo consumido pelas populações indígenas do continente. Os maias do período clássico (séculos III-X) foram os primeiros a cultivar o fruto de forma sistemática: usavam as favas como moeda e descobriram que as secando, moendo e misturando com água se obtinha uma bebida - o xocolatl. O cultivo do cacau passou ao povo toltec (séculos X-XIII) e, posteriormente, aos astecas (séculos XII-XVI), que também o utilizavam como moeda e como bebida nutritiva consumida entre quente e morna, considerada fortificante e afrodisíaca, à qual juntavam baunilha, especiarias - como a pimenta - e farinha de milho.

    No Brasil, o cacau era inicialmente colhido pelos índios nas matas da Amazônia. Mas a Coroa portuguesa não demorou para perceber seu valor econômico e, assim, ordenou seu cultivo em ordem régia de 1º de novembro de 1677. Na verdade, desde os primeiros relatos dos descobridores, a planta do cacau e a bebida despertaram a atenção no velho continente. As referências e as descrições do cacau, do cacaueiro ou da utilização das amêndoas como moedas e as alusões ao consumo da bebida foram abundantes por parte de viajantes, cronistas e até médicos. A primeira carga chegou a Sevilha em 1585, como tributo sobre a produção mexicana. Logo os castelhanos esforçaram-se para intensificar a produção para atender a demanda do consumo de cacau que se espalhava por outros reinos europeus. Mas é apenas no século XVII que os castelhanos passam a ter uma "paixão obsessiva" pelo chocolate, quando a bebida já tinha sofrido diversas transformações. A mais importante, atribuída aos carmelitas de Oaxaca, no México, constituiu em acrescentar açúcar de cana ao cacau e à baunilha, ao mesmo tempo em que suprimiram as especiarias anteriormente misturadas.

    Antes de 1677, foram praticamente infrutíferas as tentativas da Coroa portuguesa em fazer com que os colonos no Brasil cultivassem o cacau. Mesmo assim, parece que, em 1665, o vice-rei d. Vasco de Mascarenhas pediu a Paulo Martins, capitão-mor da capitania do Pará, "garfos nascidos ou sementes de cacau, para que se pudesse plantar ou semear na Bahia". Não se sabe se o pedido foi atendido, já que as primeiras plantações da Bahia datam de períodos posteriores.

    Sabe-se, no entanto, que o consumo das delícias originárias do cacau cresciam consideravelmente entre os castelhanos no século XVIII, assim como a produção e a exportação do cacau, a partir de territórios sob o domínio português. Em 1717, um édito do governo de Madrid proibia a entrada do cacau do Maranhão, via Portugal. Essa proibição vigorou até o acordo de 1749, estabelecido entre Portugal e Espanha. Porém, a escassez de açúcar e cacau em solo espanhol facilitou a introdução furtiva daqueles bens pela fronteira portuguesa. Por volta de 1750, o cacau chegou a representar 90 por cento da carga da frota proveniente do Maranhão. A partir de 1760, com a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778) - que tinha o monopólio do comércio da região -, o cacau exportado via Belém representou 82 por cento do volume global das exportações.

    Na Europa, a moda de beber chocolate tornava-se uma saborosa realidade entre os grupos abastados. O cacau revolucionava a confecção de bebidas frias e quentes, assim como de bolos, biscoitos, cremes, pudins e gelado. O novo hábito de ingerir chocolate não passou despercebido aos estrangeiros que chegavam a Portugal, que descreviam a saborosa experiência em seus relatos. O guia do criado de servir, publicado em 1851, e O cozinheiro dos cozinheiros, cuja primeira edição é de 1870, testemunham o costume de beber chocolate no fim das festas.

    Essa moda implicou na criação de novos objetos. Acredita-se que foi nos conventos da Nova Espanha que as chocolateiras apareceram. Possuíam asa e tampa com buraco, no qual era introduzido um pau, um batedor ou molinete - de origem indígena - para bater a bebida. Inicialmente foram produzidas de forma grosseira em argila e em cobre, sendo posteriormente fabricadas em materiais nobres, como a prata e porcelana. Dessa forma, as chocolateiras aparecem nos inventários de bens dos mais abastados, como d. Catarina de Bragança, rainha viúva de Carlos II da Grã-Bretanha (1638-1705), e seu irmão, o rei d. Pedro II (1648-1706), que possuíam  requintados exemplares de prata. Ao longo do século XIX, surgiram serviços de chocolate em porcelana magníficos, que acompanhavam chávenas, pires e tabuleiros. No Brasil colonial também havia chocolateiras, algumas produzidas pelas mulheres índias do Pará. Junto com outros instrumentos de preparação e venda de alimentos, elas integravam o patrimônio de negras libertas de Minas Gerais, conforme documentado em vários testamentos.

    À medida que o tempo foi passando, os cozinheiros foram aproveitando outras potencialidades do cacau. Mesmo assim, a maneira de preparar a bebida era explicada por autores como Domingos Rodrigues (século XVII), Bluteau, Francisco Borges Henriques, João Daniel e outros do século XVIII. No primeiro livro de doçaria portuguesa - Arte nova e curiosa - figura uma receita de calda de chocolate para nevar. De fato, raramente encontram-se receitas de doces com o referido ingrediente - entre as exceções estão as conservas de café e chocolate e um creme de baunilha, chocolate e café, apresentados por Lucas Rigaud, um dos cozinheiros do rei de Portugal em 1780 - sucessivamente plagiado, pois essa mesma receita aparece no Cozinheiro Imperial, o primeiro livro de cozinha do Brasil, e nos de Constança Oliva de Lima e Anselmo Pinto de Queiroz.

    É a partir do século XIX que a situação se altera. Às receitas de chocolate para beber, juntam-se algumas pretensamente dietéticas, os chamados chocolates de saúde. Também surgem outras variações: além dos populares cremes de chocolate, presentes em mais de uma dúzia de livros de culinária, é possível encontrar também receitas de molhos, gelados e sorvetes, pudins, biscoitos, bolinhos, bombons, rebuçados, pastilhas e até de licores. Outros autores mais sofisticados do período, como Olleboma, apresentaram profiterolles, musses e suflês de chocolate. De dar água na boca!

    Se algumas famosas receitas europeias apareceram no século XIX - caso do bolo de chocolate austríaco Sachertorte, referenciado desde 1832 e criado em Viena por Franz Sacher (1816-1907), além do tronco de Natal francês, nascido por volta de 1870 -, em terras lusas a realidade foi bem diferente. Apesar da primeira receita portuguesa de bolo de chocolate conhecida datar de 1870 - Fofos de chocolate, apresentada em O Cozinheiro dos Cozinheiros -, só no século XX os bolos com esse ingrediente se generalizaram. Já no Brasil, a abundância do cacau levou até o especialista em insetos Gregório Bondar a fornecer diversas receitas: geléia, doce e licor de cacau, musselina de chocolate (um tipo de bolo), ensinando ainda a maneira de fabricar o chocolate em casa.

    Nas refeições festivas em Portugal, a análise dos menus revela a presença da guloseima. Num banquete servido pela confeitaria Parisiense (Lisboa), em 31 de janeiro de 1897, foi apresentada, entre outros doces, uma charlotte au chocolat. Num almoço, presumivelmente de casamento, fornecido pela Casa Ferrari (Lisboa), em 28 de maio de 1898, os comensais puderam degustar bombons fins de Paris, entre outras sobremesas. No Brasil, doces com chocolate podiam ser apreciados nas afamadas confeitarias, como a Cavé e a Colombo, no Rio de Janeiro do século XIX, e ainda hoje, nessas e em muitas outras casas em todo o país.

    Apesar de jamais ter cultivado cacau, a Europa foi se tornando a principal produtora e consumidora do chocolate até os anos de 1800. A sua importação, do Brasil e da América espanhola, e a posterior aclimatação da planta a outros espaços - em diferentes continentes, como por exemplo em São Tomé e Timor - permitiram que esse produto de luxo chegasse às bocas de diversas camadas da população europeia. O passo seguinte dessa trajetória - passar do beber ao comer chocolate - foi hábito incorporado no século XX e que continua a crescer deliciosamente no Brasil e em diversas regiões do mundo.


Texto de Isabel Drumond Braga. Professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Retirado da Revista de História da Biblioteca Nacional, Ano 1, nº 6, Dezembro de 2005.

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Missa do Galo - a celebração do sincretismo

    Todos os anos milhares e fieis católicos celebram a Missa do Galo na primeira hora do dia de Natal. Mas como surgiu essa tradição? Alguns atribuem sua criação a São Francisco de Assis (1181 - 1226). Contudo, a existência dessa celebração é muito anterior à época na qual São Francisco viveu. A partir de meados do século IV d.C., a Igreja de Roma passou a festejar o nascimento de Jesus a 25 de dezembro, dia do solstício de inverno romano. No dia em que o Sol, ao meio-dia, atinge seu ponto mais baixo no céu e tem-se o dia mais curto do ano e a noite mais longa, os pagãos festejavam o Natal do Deus-Sol (Natalis Invictus) e a posse do Deus-Imperador. No esforço de disseminação do cristianismo, o Imperador Constantino substituiu essa festa pagã pela celebração do Natal de Jesus Cristo, Sol da Justiça e Luz do Mundo. Na verdade, uma assimilação sincrética ao antigo culto solar. As Saturnais, festas pagãs celebradas entre 17 e 24 de dezembro que preparavam os fiéis para o culto ao Sol, foram substituídas pelo Tempo do Advento, época de júbilo pelo nascimento de Jesus.

    No século IV, a comunidade cristã de Jerusalém partia em peregrinação a Belém para celebrar a Missa do Natal na primeira vigília da noite dos judeus, na hora do primeiro canto do galo. Daí o nome Missa do Galo. No século seguinte, a cerimônia passou a ser celebrada na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, costume que foi seguido por outras paróquias europeias. Já o galo passou a simbolizar virtudes como a vigilância e a fidelidade aos princípios e valores cristãos. Por isso, no século IX, a ave tornou-se presença frequente no campanário de diversas igrejas.


Retirado da Revista de História da Biblioteca Nacional, Ano 1, nº 6, Dezembro de 2005. Ministério da Cultura.

terça-feira, 19 de julho de 2022

Estrelas em Greve

Todas as noites, as mulheres se punham diante da televisão para ver as novelas. Os homens cochilavam no sofá e as criançada brincava com os computadores. Ninguém tinha tempo de olhar para o céu.

Sem plateia, as estrelas decidiram entrar em greve por tempo indeterminado. A Lua solidária com as amigas, aderiu ao protesto e também se escondeu.

Foi um fuzuê no mundo inteiro. As galinhas, que dormiam com a estrela-d'alva, perderam o sono e deixaram de botar ovos. As corujas pararam de piar. Os tatus não saíram mais das tocas. Os grilos silenciaram. Os anjos da guarda, que desciam à noitinha para ninar as crianças, perdiam-se no caminho. As damas da noite não abriram mais suas pétalas. No escuro, o vento não enxergava nada e não sabia para onde soprar. Os poetas caíram em desânimo e a produção de poesia imediatamente cessou. os agricultores ignoravam se era ou não a época certa para semear. As marés, desorientadas, subiam e desciam à deriva.

Então, os homens descobriram que aquilo tinha a ver com o sumiço das estrelas. Chamaram os melhores astrônomos, mas eles não souberam explicar o ocorrido. Convocaram as feiticeiras para resolver o assunto, elas fizeram lá suas mandingas, mas não adiantou nada. A coisa estava realmente preta.

Até que, numa noite, um homem saiu de casa e se pôs a contemplar o céu na escuridão. Lembrou que a mãe lhe ensinara a posição do Cruzeiro do Sul. Outro se juntou a ele e recordou as histórias de Lua cheia, quando aparecia o lobisomem. Um velho ouviu a conversa dos dois e veio contar que, em criança, tinha visto o Cometa Halley. Apareceu uma mulher e comentou que só cortava os cabelos na Lua minguante. Outra mulher falou que, havia alguns anos, vira uma estrela cadente e fizera um pedido. O marido ouvia-a e disse que o pedido era ter o amor dele para sempre. Outro homem contou que lhe nascera uma verruga no dedo porque, quando garoto, apontara para as Três-Marias. Aos poucos, as pessoas foram saindo de casa e cada uma tinha sua história para contar sobre a Lua e as estrelas.

Quando estavam todos na rua olhando o céu vazio, as estrelas, que os observavam do fundo da noite, apareceram de surpresa, acendendo-se ao mesmo tempo. Foi lindo: parecia uma chuva de gotas prateadas. Em seguida, despontou a Lua, com seu brilho magnífico, como um holofote.

Aí todos entenderam o motivo daquela greve. E, imediatamente, decidiram em consenso: podiam ver televisão, dormir no sofá e brincar com o computador todas as noites. Mas, de vez em quando, iriam dar uma espiadinha no céu para ver o show das estrelas.


Conto de João A. Carrascoza. Retirado da Revista Nova Escola, Fundação Victor Civita, Editora Abril, Novembro de 1997.

Um Santo Espetáculo

Música, luzes e muito ouro vertiam as missas do Brasil colonial em verdadeiro show de luxo e beleza feito para afirmar os valores da Igreja e da Coroa portuguesa.


    Manhã do dia 7 de maio de 1762. Em janeiro desse mesmo ano, os cariocas haviam recebido a notícia do nascimento do príncipe de Beira, neto do rei de Portugal, d. José I (1750-1777). Finalmente, após cerca de quatro meses consumidos em preparativos, chegara o momento de comemorar a feliz notícia por meio de uma sequência de cerimônias religiosas destinadas a ocupar durante três dias as atenções da sociedade local. O cenário escolhido para abrigar os festejos, entre os quais sobressaíam as missas de caráter solene, foi a Igreja de Nossa Senhora de Monserrate, pertencente ao Mosteiro de São bento e erguida no século XVII no alto do morro de mesmo nome, próximo ao centro da cidade.

    Quem, naquele dia, subindo a ladeira, se misturasse à multidão espalhada pela igreja dos religiosos de São Bento assistiria à realização de um espetáculo minuciosamente planejado para atingir o coração dos presentes por meio da atração que deveria exercer sobre olhos e ouvidos. Exemplo notável da beleza e da opulência características das principais sedes de culto da cidade, a igreja contava em seu interior com paredes e teto revestidos de madeira finamente trabalhada, exibindo as mais variadas e surpreendentes formas, tudo coberto de folhas de ouro e abrindo espaço, de quando em quando, para as esculturas em pedra, os painéis pintados e as ricas imagens sacras aninhadas nos seus altares. Recobrindo inteiramente a nave - espaço das igrejas aberto à livre  circulação dos fiéis -, a profusão de elementos decorativos tornava-se ainda mais deslumbrante quanto mais próximo se estivesse da capela-mor, situada na parte mais funda do templo, para onde, durante a celebração, deveriam convergir todos os olhares.

    No entanto, por mais brilhante e faustoso que fosse o revestimento interno da Igreja de Nossa Senhora de Monserrate, sua mera descrição não seria suficiente para dar conta do impacto visual experimentado pelos fiéis nos dias de festa como aquele em que a população do Rio de Janeiro era convidada a partilhar a alegria de Sua Majestade pelo nascimento de seu mais novo herdeiro. Isso porque, em tais circunstâncias, os edifícios religiosos vestiam trajes de gala, recebendo uma série de ornamentos adicionais destinados a realçar os seus encantos de todo dia. A prática envolvia a chamada "armação" e uma intensa iluminação artificial, ingredientes infalíveis nas celebrações festivas, não apenas nas que faziam a crônica dos eventos ligados à família real, mas também nas ocorridas nos principais "dias santos de guarda", como o Domingo da Páscoa, o Natal e os aniversários dos santos mais importantes.

    A "armação" das igrejas consistia em uma preparação durante a qual o dourado das paredes era parcialmente coberto por tapetes de bom tecido, sobre os quais os armadores empregavam sua arte dando forma a desenhos decorativos feitos com fios de ouro e prata entrelaçados. No caso da igreja do Mosteiro de São Bento, optou-se pelo veludo carmesim orlado com tiras e franjas de ouro. Por sua vez, a luz artificial fazia-se presente nos lustres e candelabros colocados em pontos estratégicos, e ainda nos muitos castiçais comportando imensa quantidade de círios acesos. Somente no altar maior da igreja, dedicado à Senhora de Monserrate, foram concentrados, no dia da festa, 120 castiçais de prata bem lavrada e polida, proporcionando aos presentes a visão impressionante de uma pirâmide ardente a emoldurar a imagem da Santa Virgem.

    Uma vez iniciada a cerimônia, o efeito causado nos espectadores pela decoração do templo deveria ainda receber o luxuoso auxílio dos acordes que brotavam das vozes dos cantores e dos instrumentos tocados por músicos contratados especialmente para a ocasião. Nada mais natural, pois, do Rio de Janeiro de séculos atrás, pode-se dizer que não havia, praticamente, igreja desse nome que não incluísse em seu desenho arquitetônico o chamado "coro", instalado em posição elevada, acima da porta de entrada e no lado oposto ao da capela e altar maiores. Nesse local, equipado geralmente com um órgão bem vistoso, costumavam congregar-se, durante as funções solenes, o coral dos cantores e a orquestra dos músicos. A parte da música estava geralmente a cargo de membros da associação religiosa conhecida como Irmandade de Santa Cecília, que reunia os profissionais dessa arte no Brasil Colônia.

    Durante a missa solene que marcou o ponto alto das comemorações, a audiência presente à igreja do beneditinos teve a oportunidade de se deliciar com os cânticos entoados pelos monges investidos da obrigação de comparecer ao coro. O brilho extra proporcionado pelas vozes desses monges cantores colocava a Igreja de Nossa Senhora de Monserrate acima da maior parte dos templos católicos da cidade, os quais podiam contar, quando muito, com uma scola cantorum, o coral sacro, formada por simples leigos, em sua maioria.

    O público era assim submetido a uma ampla gama de estímulos visuais e sonoros e tornava-se testemunha de um espetáculo tão impressionante quanto misterioso, isto é, de difícil compreensão em seus significados mais profundos. De fato, a admiração despertada pela variedade das cores e luzes e pelo brilho do ouro e da prata serviam para tornar as cerimônias da missa mais grandiosas, mas nem por isso mais inteligíveis. Da mesma forma, a arte refinada dos coros polifônicos e da orquestra que embalava as celebrações solenes podia fascinar e até mesmo comover, mas não instruir os fiéis sobre o conteúdo da mensagem litúrgica.

    A razão fundamental desse estado de coisas reside no fato de que, no Rio de Janeiro do passado, como em todo o mundo católico, era o latim o idioma no qual se recitavam ou cantavam as orações e os extratos da Bíblia ouvidos durante a missa. Analfabeta em sua grande maioria e carente, quase sempre, de uma formação teológica mais sólida e de uma maior familiaridade com as sagradas escrituras, a massa dos leigos que comparecia às igrejas cariocas via desfilar diante de seus olhos uma série de ritos proferidos em uma língua estranha, cujo delicado encadeamento perdia-se para ela em sua maior parte. Pouco parecia sobrar, à primeira vista, além da emoção e do prazer estético, os quais logo se dissipariam, acabada a celebração.

    Entretanto, para as autoridades da Igreja responsáveis pela organização das principais missas solenes, permaneceu sempre importante e significativa a ligação entre a beleza e o luxo característicos dessas últimas e os sentimentos religiosos dos católicos que as assistiam. A base dessa ligação, segundo se acreditava à época, era o reconhecimento comum da música e dos elementos da decoração das igrejas como símbolos capazes de transmitir aos mais ignorantes dos fiéis uma amostra da infinita glória de Deus, inspirando-os a respeitar Seus mandamentos e, de quebra, a obedecer mais prontamente às leis de "Sua Majestade Fidelíssima", como eram chamados os reis de Portugal. De pouca serventia para elucidar os mistérios da liturgia, a pompa religiosa, ao converter as igrejas em obras de arte e as celebrações em espetáculos, penetrava nos espíritos por caminhos relacionados muito mais aos sentidos do que à razão. Exatamente por isso, sua mensagem podia ser compartilhada por todos os presentes sem distinção, bastando que tivessem olhos para ver, ouvidos para ouvir e alma para se emocionar.

    A fim de saber mais sobre as lições ensinadas pelo espetáculo das missas festivas, é preciso misturar-se novamente à multidão reunida no interior da Igreja de Nossa Senhora de Monserrate. Longe de se espalhar ao acaso pelo espaço sagrado, essa multidão, no dia da festa, representava, aos olhos de cada um dos seus próprios integrantes, as principais diferenças sociais observadas no Brasil do passado. 

    Para começar, as diferenças entre os sexos, relacionadas aos cuidados habitualmente inspirados pela coabitação de homens e mulheres no recinto dos templos. Segundo parece, a estratégia adotada pelas autoridades para evitar os riscos suscitados por tal coabitação foi sempre a de separar, com o máximo de rigor possível, os fiéis católicos de suas irmãs de fé. Eis porque, nas celebrações solenes como a realizada na igreja dos beneditinos, as mulheres de posição, acompanhadas de suas escravas domésticas, tinham seu lugar reservado na parte mais central da nave, onde, separadas às vezes por grades de madeira, assistiam às cerimônias ajoelhadas ou sentadas sobre esteiras ou tapetes. Já os homens permaneciam de pé, em plano superior, distribuindo-se pelos espaços laterais estendidos dos dois lados da nave.

    Embora reveladora sobre os valores dominantes à época, essa repartição dos lugares com base em critérios de natureza sexual tinha importância secundária nas grandes missas comemorativas, cujo tom próprio era dado, muito mais, pela correspondência entre as posições de destaque ocupadas no interior da Casa de Deus e no âmbito da sociedade como um todo. O hábito de se confinar os escravos em geral, exceção feita às acompanhantes das senhoras brancas, às áreas menos valorizadas dos templos, sempre nas imediações da porta de entrada ou dali para fora, na direção do pátio externou ou adro, é a prova mais evidente dessa correspondência.

    Enquanto os cativos eram condenados, por sua condição inferior, a assistir de longe às cerimônias do culto, os membros da elite tratavam de preencher os lugares mais nobres a eles reservados no recinto dos templos. A cada nova solenidade, portanto, dava-se início a uma disputa silenciosa na qual cada um dos mesmos lugares desempenhava o papel de símbolo de distinção e de superioridade, capaz de patentear, aos olhos do público, a posição que cabia a cada um na hierarquia da sociedade. De acordo com a lógica dessa disputa, recebiam a cotação mais alta as áreas situadas nas proximidades mais imediatas da capela-mor, na extremidade oposta à da porta de entrada, áreas nas quais a particular intimidade com o plano divino, representado pelo altar maior ao fundo, dava a medida exata do prestígio que fazia recair sobre os seus ocupantes. Lá costumava instalar-se, entre outras personagens, os principais representantes dos poderes eclesiástico e civil, juntamente com os mais seletos integrantes da aristocracia local.

    Além de se distribuírem pelos lugares de maior relevo no rés do chão, os católicos de condição elevada podiam ainda ser vistos a ocupar, nas igrejas, certos espaços privilegiados cuja localização, a alguns metros de altura, constitui o melhor indicador da proeminência social requerida aos que a eles tinham acesso. Dispostas, geralmente em número de duas ou três, de cada um dos lados da nave e da capela-mor, as tribunas edificadas na maioria dos grandes templos cariocas representavam a continuidade, no contexto da Colônia, de uma tradição arquitetônica iniciada na Idade Média europeia, inspirada pelo desejo dos reis e senhores de se destacarem da massa dos demais fiéis. A Igreja de Nossa Senhora de Monserrate, por exemplo, tinha em seu interior algumas dessas tribunas, onde, quem sabe, à semelhança do que ocorria em outros edifícios religiosos, as damas da alta sociedade dominavam a cena durante as missas solenes com seus vestidos custosos e brilhantes.

    Depois de 1808, ano da chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro, as celebrações festivas atingem o seu auge no Brasil colonial. A partir desse ano, torna-se cada vez mais frequente para os católicos cariocas a visão de d. João, príncipe regente até 1815 e depois disso rei, aboletado com membros de sua família na real tribuna encravada em uma das paredes da catedral da rua Direita (atual Primeiro de Março), ricamente enfeitada em dias de comemoração solene, ou então acomodado em um imponente trono para ele erigido e preparado. Qualquer que fosse o assento escolhido, note-se que algumas características constantes servem para realçar, perante os demais assistentes, a máxima distinção social de seu ocupante: a situação em plano elevado, adequada para quem habita o próprio cume da pirâmide da sociedade e do poder; a localização no interior da capela-mor, espaço normalmente exclusivo dos eclesiásticos onde se desenrolavam os rituais e preces da liturgia, de modo a tornar palpável a sobreposição entre a majestade terrena, a hierarquia da Igreja e a própria onipotência divina.

    Diante da imagem de d. João instalada nas vizinhanças do altar maior, os fiéis em conjunto aprendiam que ser católico, naquela época, era condição inseparável da de vassalo de "Sua Majestade Fidelíssima". Além de estimulados a todo instante a reconhecer o poder dessa última no aparato ostentado pelo espetáculo das missas, cabia ainda aos ditos fiéis dirigir, em um único movimento, seus afetos de admiração e louvor às imagens sacras no referido altar e ao soberano, feito presente tanto através de sua mesma pessoa quanto de seus trajes e insígnias próprios. Primeiro assistente à celebração, esse soberano tornava especialmente poderosa, com sua presença, a assimilação desejada entre o grêmio comum da Igreja, reunido sob a direção do celebrante, e a ordem social e política encabeçada pelo detentor da real Coroa. Ocupando cada qual o lugar que lhes era devido tanto na mencionada ordem quanto na Casa de deus, os habitantes do Rio de Janeiro transformavam-se em participantes e espectadores de uma ação pedagógica baseada antes no rito e no símbolo do que em proposições racionais,  a única capaz de fixar na imaginação de todos o modelo ideal da sociedade de católicos e súditos que se pretendia consolidar nessa porção do Novo Mundo.


Texto de Sérgio Chahon. Professor das Faculdades Integradas Simonsen (FIS). Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Retirado da Revista de História da Biblioteca Nacional, Ano 1, nº 6, Dezembro de 2005.

segunda-feira, 18 de julho de 2022

Os Dois Ratinhos

Era uma vez dois ratinhos. Bom, na verdade, eram dois camundongos, desses bem pequeninos que vivem nas casas velhas. E era mesmo onde eles moravam, numa casa de fazenda que já tinha sido de avós e bisavós de gente. Por isso, a madeira cedia num lugar, o reboco descascava em outro, um pedacinho de taipa caía mais adiante... Era uma maravilha de moradia para ratinhos e camundongos. Havia túneis pelas paredes, amplas avenidas no forro e vastos descampados no porão, além de ruas e vielas por todo o esqueleto da casa.

Pois uma dessas ruas é a que nos interessa - e era a que mais interessava a eles. A que desembocava na cozinha.

Uma noite, os dois camundongos saíram para um passeio na cozinha. Era sempre uma festa.

Tinha linguiça no fumeiro por cima do fogão de lenha.

Tinha chouriço pendurado na despensa.

Tinha queijo na prateleira.

Tinha um saco de fubá num canto.

Tinha tanta coisa para comer que nem dá para lembrar tudo.

Os dois ratinhos se banquetearam, se empanturraram, até se fartarem. depois, deu sede. Mas um deles ainda tinha lugar na barriga para comer mais um bocadinho. Enquanto discutiam se já deviam ir beber água ou não, viram uma tigela imensa, coberta por um pano de prato de beiradas bordadas em ponto cruz.

Foram olhar de perto. Era leite que a cozinheira deixara para fazer coalhada. Uma tigela cheinha, quase transbordando.

Pronto! Era a solução! Assim, matavam a sede  e o restinho de fome ou gulodice ao mesmo tempo.

Mas, quando se equilibraram na borda da tigela para beber, um deles perdeu o equilíbrio e plaft! Caiu lá dentro. Na queda, tentou se agarrar ao rabo do outro e plaft! O segundo ratinho também caiu.

Começaram a tentar sair. Mas era difícil, as bordas da tigela escorregavam. E eles estavam pesados, de barriga cheia. Nadaram e se debateram, mas não dava para se apoiarem e sair. Foram nadando, se debatendo e ficando cansados.

Um deles simplesmente desistiu. O outro resolveu que não ia entregar os pontos. Nadava, nadava, mesmo que fosse em círculos, só para não parar de lutar. Quando cansava muito, boiava ou se agarrava às bordas e depois voltava a nadar. Passou assim a noite toda.

De manhã, quando a cozinheira chegou à cozinha e levantou o pano de prato bordado que cobria a tigela de coalhada, teve duas surpresas. Lá dentro tinha um camundongo morto. Mas a surpresa maior não foi essa. Foi ver que a coalhada tinha virado manteiga, de tanto ser batida. E, por cima, havia muito nítido um caminho feito de rastros - as pegadas frescas de um ratinho que saíra caminhando sobre a manteiga e fora embora.


Fábula tradicional recontada por Ana Maria Machado. Retirado da Revista Nova Escola, Fundação Victor Civita, Editora Abril, Outubro de 1997.

sábado, 16 de julho de 2022

Usina de Forças

    Ama o corpo que te serve de instrumento para o progresso espiritual com respeito e elevação.

    Por meio dele cresces e constróis o mundo de esperança e felicidade, se o conduzes com dignidade e trabalho.

    Não suponhas que ele seja responsável pela falência dos teus valores éticos, ou pelas sucessivas quedas que te retêm na retaguarda.

    Considerando-o, prolongar-lhe-ás a existência e finalidade, preservando-o de desgastes desnecessários.

    A fraqueza moral nunca é da carne, mas, sim, do Espírito que a comanda.

    Graças ao corpo, a Humanidade recebeu as belezas da arte superior pelas mãos de Michelangelo, Rafael, Goya, Rembrandt e, antes deles, Fídias, Praxíteles, vindo depois Renoir, Tissot, Monet...

    Por ele se expressaram, na música divina, Bach, Mozart, Beethoven, Sibelius, Schummann, Carlos Gomes, Villa Lobos, para nos recordarmos apenas de alguns poucos.

    Por intermédio dele, o pensamento se humanizou em Sócrates, Platão, Aristóteles, Rousseau, Hegel, Kant...

    Utilizando-o, Krishna, Buda, Confúcio, Jesus, Allan Kardec trouxeram ao mundo a canção da beleza da imortalidade em triunfo.

    Mergulhados nele, Pasteur, Koch, Hansen, Fleming ampliaram os horizontes da saúde, ao lado de Kraepelin, Griesinger, Freud, Jung, que lutaram pelo reequilíbrio mental e emocional dos homens.

    Conduzindo-o com nobreza, Francisco de Assis, Teresa de Ávila, Vicente de Paulo mantiveram viva a chama da fé e da caridade.

    (...) E milhares de cientistas, filósofos, artistas, poetas, músicos, santos, heróis e lutadores anônimos construíram sob divina inspiração o mundo onde agora respiras.

    Certamente há muito ainda por fazer. E isso a ti compete realizar, oferecendo a tua quota de engrandecimento.

    Se os vestígios do primitivismo, do qual ele proveio, te induzem à promiscuidade de qualquer natureza ou ao seu rebaixamento moral, sustenta-o na fragilidade com o combustível da temperança, não agindo de forma a perturbar-lhe o equilíbrio ou intoxicá-lo com os miasmas da injunção danosa.

    Se te ocorre ciliciá-lo, a fim de o acalmares, conforme ensinam, erradamente, os atormentados da fé, balsamiza-lhe os impulsos com os medicamentos da prece e os esforços do trabalho que retemperam as energias.

    Se o tombas, por qualquer motivo ou invigilância, não o lastimes nem o recrimines. Simplesmente, levanta-o e evita-lhe repetir i insucesso.

    Se o tens enfermo ou mutilado, acode-o com o otimismo e a confiança em Deus.

    Se o possuis sadio e harmônico, bendize-o com a sua preservação cuidadosa.

    Nem excesso de cuidados, vivendo para ele, nem abandono, desprezando-o à própria sorte.

    O teu corpo é conquista que alcançaste diante das Soberanas Leis da Vida.

    Torna-o uma usina de forças a serviço do bem e um santuário de bem-aventuranças com possibilidades de alçar-te das cinzas e do lodo da terra aos altiplanos espirituais, onde reinam a felicidade e o amor total


Retirado do livro Momentos de Coragem; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 8ª Edição, 2014.

sexta-feira, 15 de julho de 2022

As sementes do feminismo no Brasil

Uma das primeiras mulheres a publicar na grande imprensa brasileira, Nísia Floresta abalou as estruturas da sociedade patriarcal do século XIX ao defender a valorização da mulher.


    Numa época em que as mulheres brasileiras viviam trancadas em casa, submetidas aos pais, maridos, ou mesmo irmãos, uma norte-rio-grandense de Papari, nascido em 12 de outubro de 1810, teve uma vida diferente. Tão diferente que hoje sua cidade natal leva seu nome, Nísia Floresta. Na verdade, Nísia Floresta Brasileira Augusta era o pseudônimo de Dionísia Gonçalves Pinto, responsável pelas primeiras páginas da história da luta feminina em busca de seus direitos no Brasil e que merece destaque pela coragem revelada em seus escritos e pelo ineditismo de suas ideias.

    Casada aos treze anos, separou-se e voltou a morar com a família. Aos vinte, residindo em Olinda, apaixona-se por um jovem acadêmico de Direito, Manuel Augusto de Faria, com quem passa a viver e tem uma filha de nome Lívia. Em 1833, a família se transfere para Porto Alegre, onde nasce o segundo filho e, em seguida, o companheiro adoece repentinamente e falece, aos 25 anos. Nísia permanece em Porto Alegre ainda alguns anos, dando aulas particulares e escrevendo para jornais, até que os conflitos da Revolução Farroupilha praticamente a obrigaram a transferir-se para a capital do Império, em 1837. No ano seguinte, já instalada no Rio de Janeiro, ela anuncia nos principais jornais da Corte a abertura de uma Escola para meninas, a que dá o nome de Colégio Augusto, que se torna uma instituição conceituada. Enquanto a maioria das escolas enfatizava a "educação da agulha", ou a "educação de sala", dando ênfase para as aulas de bordado, canto, francês e piano, o Colégio Augusto incluía em seu currículo o ensino do latim, italiano, francês, inglês, geografia, história, aritmética e língua pátria, matérias então reservadas apenas aos garotos. O colégio também se destacou por condenar o uso do espartilho e por incentivar a prática de atividades físicas, uma novidade da medicina higienista, contrariando a tendência geral de manter as jovens inativas e recolhidas. Por tudo isso, foram muitas as críticas que o colégio de Nísia Floresta recebeu, condenando principalmente as disciplinas consideradas "supérfluas" e "desnecessárias" à formação das meninas.

    Nísia Floresta foi uma das primeiras mulheres no Brasil a romper os limites do espaço privado e a publicar textos na grande imprensa. Desde 1830 seu nome aparece em conhecidos periódicos. Foi também pioneira ao refletir sobre a relação  existente entre o desenvolvimento material e intelectual de um país e o lugar ocupado pelas mulheres. Para ela, o progresso de uma sociedade dependia da educação; e só a instrução e a educação moral fariam da mulher uma boa esposa e uma mãe responsável. Não custa lembrar que eram esses os objetivos da educação das meninas naqueles tempos: torná-las mais conscientes de seus deveres e papéis sociais.

    Nísia Floresta publicou cerca de 15 títulos em português, francês e italiano, entre romances, contos, crônicas, ensaios e poemas, no melhor estilo romântico. E em praticamente todos se encontra a firme intenção de formar consciências e de alterar as relações entre homens e mulheres. O tema da educação está presente nos seus escritos, ora através de um tom entusiasmado e panfletário, como em Opúsculo humanitário, de 1853, e A mulher, de 1857, que trazem propostas educacionais e críticas contundentes ao governo; ora apresentam um tom afetuoso e persuasivo da mãe e professora zelosa, como em Conselhos à minha filha, de 1842, Daciz ou a jovem completa e Fany ou o modelo das donzelas, de 1847.

    O primeiro livro escrito por Nísia Floresta é também o primeiro no Brasil a tratar dos direitos das mulheres à instrução e ao trabalho. Direitos das mulheres e injustiça dos homens foi publicado em 1832, quando a grande maioria de nossas mulheres vivia enclausurada em preconceitos, submissas e analfabetas, sem qualquer direito a não ser o de ceder sempre à vontade masculina. Seu livro denuncia o mito da superioridade do homem e exige que as mulheres também sejam consideradas seres inteligentes, "dotadas de razão" e merecedoras de respeito. A obra foi inspirada nas novíssimas ideias que agitavam os meios letrados da Europa, que também reivindicavam uma condição mais justa para as mulheres. Nísia fez uma adaptação das ideias estrangeiras e escreve o texto fundador do feminismo brasileiro. Nele, afirma que a mulher é tão capaz quanto o homem de ocupar cargos de comando, como de general, almirante e ministro, ou de exercer a medicina, a magistratura e a advocacia; defende ainda a valorização da função materna. Nísia vai fundo em suas intenções de acender o debate e de abalar as eternas verdades das elites  patriarcais brasileiras.

    Hoje, ideias como essas, de que a menina deve ser educada para ser melhor mãe de família, podem soar ultrapassadas. Mas é preciso lembrar que a mulher se beneficiou muito quando a maternidade passou a ser valorizada enquanto papel social. De figura inexpressiva na sociedade, em consequência da rígida estratificação social que privilegiava o masculino, rapidamente ela se torna o centro das atenções pela valorização da maternidade, sua função biológica exclusiva. Nísia percebeu que residia aí um trunfo, e que era preciso aproveitá-lo para que o gênero feminino adquirisse status e poder diante da opinião pública.

    Nísia Floresta foi progressista também ao abordar o índio e o negro. O longo poema "A lágrima de um caeté", de 1849, apresenta inúmeros elementos marcantes do romantismo, como a lusofobia, o elogio da natureza e a exaltação de valores indígenas. A novidade é que o poema traz não a visão do índio-herói da maioria dos textos indianistas e, sim, o ponto de vista dos derrotados, do índio vencido e inconformado com a opressão de sua raça pelo branco invasor. Já "Páginas de uma vida obscura" circulou apenas como folhetim no jornal O Brasil Ilustrado, em 1855. Nesse texto, que trata da vida de um escravo, ela enaltece as qualidades do homem negro, defende com ênfase um tratamento humanitário por parte dos senhores de escravos, e revela-se sinceramente condoída com o sofrimento do outro. Mais tarde, por volta de 1870, a autora vai defender apaixonadamente a Abolição em seus diários e livros de viagem.

    Em 1849, Nísia mudou-se para a Europa com os filhos e lá ficou até morrer, em 1885, em Rouen, no interior da França. No auge de sua maturidade intelectual, viajou durante anos seguidos pela Itália, Portugal, Alemanha, Bélgica, Grécia, França e Inglaterra, e relacionou-se com escritores importantes como Alexandre Herculano, Dumas, Victor Hugo e George Sand. Com Augusto Comte, o idealizador da filosofia positivista, Nísia Floresta trocou algumas cartas que testemunham a amizade respeitosa que os unia, e que muitos tentaram ver como uma relação amorosa.

    Nos livros Itinerário de uma viagem à Alemanha, de 1857, e Três anos na Itália, seguidos de uma viagem à Grécia, de 1864, escritos originalmente em francês, ela descreve com riqueza de detalhes, e muita sensibilidade e erudição, as cidades e os tipos humanos que vai conhecendo. No primeiro, refaz o percurso de Mme. Staël, de Victor Hugo e de outros viajantes que também visitaram a terra de Goethe. Mas seu livro não conterá apenas um roteiro de viagem. Mais do que a descrição do trajeto entre uma cidade e outra, seu Itinerário trará em suas páginas a viagem propriamente dita - que realiza pelas aldeias e vila e nos é comunicada através das descrições das paisagens, castelos ou igrejas que visita -, a viagem pelo passado histórico da Alemanha - quando relata episódios históricos que aconteceram nos lugares em que se encontra -; e uma viagem para dentro de si mesma - quando se deixa levar pela melancolia e confidencia seus pensamentos mais íntimos, como as saudades da pátria e dos familiares distantes. Em Três anos na Itália, a autora realiza ainda uma singular fusão entre as duas formas de diário: "o de viagem" e o "diário íntimo", introduzindo, por vezes, um personagem que seria a pessoa com quem ela "dialoga", que tanto pode ser alguém de seu relacionamento, como um personagem histórico, uma cidade, um cidadão qualquer.

    Já o ensaio O Brasil apresenta uma particularidade curiosa: trata-se de um texto sobre o país escrito em língua estrangeira por uma brasileira, com a intenção de fazer propaganda da pátria e desfazer os preconceitos e mentiras divulgados por certos viajantes. Nísia resume a história da nação, trata dos recursos econômicos e das riquezas, descreve com entusiasmo a natureza, as dimensões territoriais do país, as lutas nacionais pela libertação, e termina com severas críticas à colonização portuguesa. Além de tratar da história passada e do presente, a autora faz projeções de um "futuro grandioso", e alinha-se aos escritores que queriam construir uma imagem positiva para o Brasil.

    Como também ocorreu com outras escritoras do século XIX, o nome de Nísia Floresta caiu no esquecimento e durante muito tempo não se ouviu falar dela. A historiografia literária nacional não registra sua obra como escritora romântica, e tampouco a história da educação a menciona como uma de nossas primeiras educadoras. Apenas recentemente, com o impulso dos estudos de gênero, esta e outras autoras voltaram a ser lembradas e suas obras se tornaram motivo de investigações. E não era sem tempo. No momento em que se pesquisa e se constrói a história intelectual da mulher brasileira, é fundamental dar a Nísia o lugar de destaque que ela de fato merece, e reconhecer o ineditismo de seus escritos. A autora, que tão longe iria em sua trajetória de vida, foi uma das raras mulheres de letras que surgiram no Brasil patriarcal de seu tempo. Mas foi mais ainda. Nísia Floresta foi uma brasileira erudita e "ilustrada" como bem poucas em nossa história.


Texto de Constância Lima Duarte. Professora-Doutora de Literatura Brasileira na Universidade Federal de Minas Gerais. Retirado da Revista de História da Biblioteca Nacional, Ano 1, nº 6, Dezembro de 2005.

quinta-feira, 14 de julho de 2022

Um artista na ilha de Santa Catarina

Registros raros do litoral sul brasileiro no início do século XIX, litografias do russo Louis Choris retratam a região como um cenário de natureza exuberante.


    O século XIX expandiu o mundo. Através de uma profusão de desenhos, pinturas e gravuras, as paisagens e as populações exóticas de lugares distantes como a América, a Ásia e a Oceania tornaram-se acessíveis a um maior número de europeus. Devido a interesses marítimos e comerciais, bem como à divulgação de um conhecimento científico baseado na história natural, difundiu-se a preocupação em registrar de forma mais fidedigna possível as regiões não-europeias. Além disso, a ampliação do mercado editorial - consequência do maior poder aquisitivo e do aprimoramento técnico - possibilitava produzir em larga escala gravuras baseadas nos desenhos e pinturas feitos pelos artistas viajantes, vendidas como álbuns ilustrados. De grande formato, às vezes  coloridos, eram tão caros que, para serem reproduzidos, precisavam contar com a venda antecipada de um número mínimo de exemplares. Somou-se a isso o aumento na procura por esse tipo de obra por uma crescente classe média letrada, que desmembrava as pranchas e as utilizava na decoração de suas residências. Outro destino para esses desenhos eram as manufaturas de tecidos e porcelanas, onde eram reproduzidos por artesãos. A natureza oferecia novos temas para as artes e ofícios.

    Nesse momento, a paisagem na Europa - principalmente na Inglaterra, na França e nos Países Baixos - estava sendo profundamente transformada pela Revolução Industrial. Difundia-se na Europa uma estética que valorizava o passado e as paisagens naturais, cultivando o gosto pelo pitoresco e pelo sublime, numa visão estetizada da natureza. Foi nesse contexto que se disseminou o gosto pelos álbuns e livros de viagens ilustrados, principalmente de paisagens.

    Foram muitas as expedições científicas que varreram o globo, com seus cientistas - através dos relatos - e artistas - através das imagens - que registraram a fauna, a flora, paisagens e costumes do resto do mundo. Entre os artistas que participaram dessas viagens científicas estava Louis Choris (1795-1828), desenhista, pintor e litógrafo russo, nascido em Iekaterinoslav. Em 1813, com apenas 18 anos, participou de sua primeira viagem de estudos ao Cáucaso (montanhas localizadas na atual República da Geórgia), junto com o naturalista Marshall de Biberstein (1768-1826). Posteriormente foi convidade a fazer parte da expedição Rurick, financiada pelo Império Russo, entre os anos de 1815 e 1818 e que tinha como objetivo descobrir uma passagem entre o Pacífico e o Atlântico pelo caminho do estreito de Behring. Ao passar pelo Brasil, fez uma parada na ilha de Santa Catarina, onde permaneceu entre 29 de novembro e 16 de dezembro de 1815. Em 1819, um ano após o término da expedição, Choris partiu para Paris, onde seus primeiros trabalhos começaram a ser publicados nesse mesmo ano. Em 1827, deixou a França para visitar o México e outras regiões da América. Morreu de forma trágica na cidade de Vera Cruz, no México, ao tentar se livrar de assaltantes. 

    No intervalo entre suas duas principais viagens, Choris publicou um álbum onde estão reproduzidas várias pranchas referentes às regiões visitadas pelo Rurick. Quatro delas reproduzem paisagens do Brasil, mais especificamente da ilha de Santa Catarina. São imagens que medem em torno de 20 centímetros de altura por 26 de largura. A primeira coisa que chama a atenção nessas pranchas, que têm como tema as paisagens do sul do Brasil, é o espaço ocupado pela natureza. Ela é representada grande e exuberante, enquanto os seres humanos e sua produção cultural - como, por exemplo, as casas - aparecem de forma marginal, em segundo plano, apesar de algumas vezes centralizadas.

    Choris pintou uma imagem dessa região da América que vai ao encontro das representações que se tinham dos trópicos: plantas e animais coloridos, natureza exuberante e exótica e a presença reduzida do ser humano. Na prancha reproduzida aqui, Choris representou a natureza em toda a sua grandiosidade, com variedade de árvores, como o coqueiro e o mamoeiro, as bananeiras, além dos cactos e ananases. Ao fundo aparecem os morros e, à direita, a praia e o mar. Em primeiro plano, vemos um grupo posicionado em roda - um indivíduo dança e toca pandeiro, outro toca um tamborim enquanto algumas mulheres dançam. Tudo sob o olhar de outros dois indivíduos. O que diferencia essa prancha das outras é a presença de cenas de costumbrismo, que são as descrições da vida popular. Nas outras pranchas  referentes ao Brasil e publicadas no mesmo álbum, as cores e a exuberância da natureza estão colocadas em primeiro plano. Helicônias, filodendros, cactos, bromélias e outras plantas são pintadas ao lado de alguns animais, como o tucano.

    As pranchas eram acompanhadas por um texto explicativo, de autoria do próprio viajante. Na explicação dessa imagem, Choris escreve que "pelo fim do dia os negros, para se distraírem de seus trabalhos penosos, reúnem-se e dançam: por toda a parte onde essa raça de gente habita, ela se entrega com paixão a esse divertimento". Seria essa uma conclusão inconsequente, já que Choris não conhecia tantas regiões onde a presença negra era frequente, ou ela fora baseada em leituras prévias de outros viajantes? Afinal, um dos itens na preparação de um viajante era a leitura de outros relatos de viagem. Além disso, muitos trocavam correspondências entre sí, ou então eram colegas nas academias de ciência e museus de história natural.

    O texto explicativo fala rapidamente sobre as habitações humanas e pinta um quadro pitoresco, formado por casas envoltas por uma vegetação exuberante, com muitas árvores frutíferas e, mais afastadas, plantações de milho. Nas descrições de seus passeios pelo interior da ilha, Choris reforça sua impressão sobre a natureza: "fica-se tomado de admiração vendo-se a variedade, a força e as dimensões gigantescas dos vegetais que, num espaço bastante restrito, recobrem o solo".

    Em seus trabalhos, Choris seguiu as recomendações feitas por Humboldt. As imagens deveriam reproduzir o conjunto natural e não mais as espécies separadas, compartimentadas. Nesse tipo de obra, a arte vincula-se estreitamente ao trabalho científico. Exemplos dessa vinculação podem ser encontradas em várias expedições, inclusive entre as que percorreram o Brasil, e que contaram com artistas, tais como Johann Moritz Rugendas, Hercule Florence e Thomas Ender.

    O trabalho de reprodução em litografia foi elaborado posteriormente, quando Choris já se encontrava na Europa, mas tendo como base os inúmeros trabalhos realizados durante a viagem. Essa técnica difundiu-se no início do século XIX e utiliza a pedra como matriz. Além de possibilitar uma reprodução mais precisa que a xilografia, permite a produção de uma maior quantidade de cópias. Choris aprendera a técnica da litografia durante sua estada em Paris, o que contribuiu para a qualidade de suas pranchas, uma vez que ele conhecia as possibilidades de reprodução de seus esboços.

    Louis Choris optou por um tipo de representação artística da ilha de Santa Catarina e de seus habitantes, na qual priorizou a natureza, com os tipos específicos que melhor representavam a flora e a fauna da região. Mas, ainda que de maneira marginal em algumas imagens e no centro das atenções, em outras, seus trabalhos reproduzem os tipos humanos que viviam na região de forma estereotipada, reforçando uma imagem já existente na Europa.


Texto de Luciana Rossato. Professora de História na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) e Doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Retirado da Revista de História da Biblioteca Nacional, Ano 1, nº 6, Dezembro de 2005.