quarta-feira, 4 de julho de 2012

Circuito Fechado 5

                  Ricardo Ramos


Não. Não foi o belo, quase nunca, nem ao menos o bonito, porque tudo se veio esgarçando em rotina, sombra com vazio. Não foi o plano, o projeto, a lucidez conduzindo, já que o mistério se fez magia e baralhou os búzios da vontade. Não foi o imaginado, o sonhado, mas a verdade miúda e comovida sem ter de quê. Não foi o tempo que abarca vastamente, não, deve ser o que se conta aos pedaços, reconta, em mesquinha soma, e medrosa. Não foi o prometido, o esperado, antes foram os enganos, os engodos, os adiamentos sempre roubos, pequenos e de importância. Não foi nada útil, ou de se repartir, apenas o de guardar para comer sozinho. Não foi o brilhante, de anel e de relâmpago, simplesmente a luz no vidro. Não foi o bom, foi o barato, não foi o alegre, foi o pouco a pouco, não foi o claro, foi o difuso, pois os encargos chegam logo, e se aprendem, e ficam. Não foi o momento certo, a maior parte aconteceu de repente, ou cedo, ou tarde, afinal se repetiu. Não foi a viagem, a longa, larga viagem, de recordar, rever, que as paradas e os horários dividiram muito o roteiro, partiram, nublaram, não devolveram. Não foi o encontro nem a sua memória, não foi a paisagem nem o esquecimento, foi esse passar de pessoas e o seu reverso de imóvel, que se isola e não fala, porque não adianta. Não foi a cidade mas a rua, não foi a figura mas a boca, não foi a chuva mas a calha. Não foi o campo, nem a mata, o morro, nem o rio, a relva, nem a árvore, foi a janela de trem, de carro, de longe. Não foi o livro aberto, a oração disfarçada, a primeira lição. Não foi a lâmpada, o linho, a lenda. Não foi a casa, o quintal, o corredor com portas e pé-direito. Não foi o que vem de dentro, e sim o que bate, não se anuncia, e força, abre, e entra. Não foi o pacífico, o sem tumulto, foi até mesmo a guerra, ou melhor o combate, a escaramuça, perdidos de mãos nuas, limpas, as armas brancas. Não foi o amor, a certeza, o amanhã, foram as palavras que representam, a ideia de, o conceito, enfim a sua redução. Não foi pouco nem muito, foi igual. Não foi sempre, nem faltou, foi mais às vezes. Não foi o que, foi como e onde, e quando. Não, não foi.

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