domingo, 20 de agosto de 2023

O homem e a água no ambiente urbano

 A FUNÇÃO BIOLÓGICA DA ÁGUA


Se não contivesse água, o corpo de um ser humano adulto não teria mais que 60 cm de altura e pesaria cerca de 25 quilos. Mas isso seria completamente impossível, porque a água no corpo humano - assim como em outros animais e vegetais - não desempenha somente um papel estrutural, como componente obrigatório das células. Ela tem um papel relevante como veículo, no transporte de substâncias dissolvidas para dentro e fora do organismo e de todos os órgãos. Em virtude da extraordinária capacidade que possui, de dissolver todo tipo de substância, bem como sua incrível mobilidade, a água executa funções como elemento preponderante no sangue e na seiva dos vegetais. Na forma líquida, ela atravessa facilmente as membranas de todas as células, conduzindo substâncias na excreção ou, ainda, regulando a temperatura corporal através da transpiração, ou passando ao estado gasoso. O nosso hipotético ser humano de 25 quilos de peso viveria constantemente com febre.

A água é necessária não só em quantidade, mas com a qualidade adequada. Ela não pode conter substâncias dissolvidas que sejam estranhas ou que perturbem o bom funcionamento dos órgãos e células do organismo. E não pode transportar, em suspensão, micro-organismos patogênicos. Quando a água de um manancial não é adequadamente protegida, pode se tornar contaminada e transmitir várias doenças. Dizemos, então, que a água ficou contaminada. E de onde vem a contaminação?


O RETORNO DA ÁGUA


Depois de usada, a água retorna aos rios. Isso faz parte dos fenômenos cíclicos que caracterizam a natureza. O caminho de volta pode ser mais longo ou mais curto, mas é inevitável.

Até meados do século passado, as águas servidas das residências - especialmente as de uso sanitário - eram reservadas em poços ou fossas, no interior das casas. Daí eram periodicamente removidas para reservatórios públicos, denominados pelos franceses de voiries - essa função era executada pelos vidangeurs -, onde permaneciam secando até que a massa resultante pudesse ser utilizada na lavoura, como adubo.

A partir de 1847 ocorreu, na Inglaterra, uma grande reforma sanitária, promovida por Chadwick, um conceituado sanitarista. Essa verdadeira revolução constituiu, sobretudo, na obrigatoriedade por lei da ligação de todos os esgotos domésticos aos coletores urbanos, mediante a instalação da " descarga hídrica ", uma inovação tecnológica. Assim, os esgotos públicos, que até então eram destinados, exclusivamente, a receber as águas das chuvas, passaram a receber cargas enormes de matérias poluidoras, incluindo as matérias fecais dos sanitários. Era a inauguração da lei do tout à l'égout que, se por um lado representou um grande benefício, removendo as matérias contaminadas do interior das casas, por outro iniciou o processo de contaminação dos rios, e,  em pouco tempo, a situação ficou intolerável, não só na Inglaterra, mas em todos os outros países que logo seguiram o exemplo.

Na verdade, os seres patogênicos causadores de doenças como febre tifoide, cólera ou hepatite não surgem espontaneamente na água, como se supunha antes de Pasteur. Eles provêm de pessoas doentes, através das excreções. Em poucos anos, os rios da Inglaterra, da França, da Alemanha e dos Estados Unidos tornaram-se fontes de epidemias de cólera e febre tifoide que dizimaram populações. Somente com o desenvolvimento de técnicas de tratamento de esgotos, que passaram a ser obrigatórios nos vários países da Europa a partir de 1875 e, sobretudo, com a introdução do uso da cloração das águas de abastecimento, esse terrível flagelo pôde ser debelado.


PAPEL DO ESTADO X PAPEL DO CIDADÃO


Às vezes é difícil entender e aceitar a exigência de pagar impostos e tarifas pelo uso de recursos que a natureza coloca à disposição de todos. Pagar para beber água de chuva?

O princípio que rege o imposto é, na verdade, a outorga, ou transferência de responsabilidade do cidadão para o Estado. Isso é feito em favor de maior uniformidade, perfeição e segurança das soluções a serem dadas, principalmente nas questões de saúde, educação e segurança da comunidade. A obtenção de água de boa qualidade é uma delas. Em lugar de soluções individuais, de eficácia duvidosa e que, eventualmente, possam prejudicar o interesse e a segurança de terceiros, cada cidadão transfere ao Estado essa função, pagando pelo serviço executado.

Essa outorga pressupõe algumas coisas. Em primeiro lugar, que o Estado é suficientemente competente para executar a função da maneira mais eficaz e econômica. Além disso, que ele seja "bem-intencionado" no procedimento, seguindo sempre uma doutrina consensual, coerente com os anseios de prosperidade e de qualidade de vida da Nação. Cada cidadão tem a obrigação de cumprir com a sua parte no contrato social, que todos mantêm com o Estado e os demais cidadãos. Ele estará infringindo esse preceito se ligar na rede de águas pluviais - que lança, sem qualquer tratamento, as águas de chuvas ao rio mais próximo - os esgotos sanitários de sua residência ou indústria. Porém, da mesma forma, o Estado estará lesando a população se os esgotos da rede sanitária forem lançados diretamente em rios ou mananciais  potenciais - como, por exemplo, na Represa Billings, de São Paulo - prejudicando seu uso como local de lazer ou como reserva de água potável. Da mesma forma, o Estado não estará merecendo a confiança que a população lhe transferiu - mediante pagamento de impostos -, à tarefa de prover o ensino público, se este não for de boa qualidade.

 

Existe uma curiosa coincidência entre a quantidade de água existente no planeta e no corpo humano: 70%. 

Na criança pode haver mais, no velho pode haver menos. É a falta de água que enruga a pele. 

Qualquer perda tem de ser reposta e o organismo sinaliza através da sede. 

O homem pode ficar até 28 dias sem alimento, mas apenas três dias sem água.


Texto de Samuel Murgel Branco retirado do encarte "Água", publicado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.

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