sábado, 26 de agosto de 2023

Água - Conflito entre os diferentes usos

 PLANEJAMENTO


Os rios são "indisciplinados": seguem a sua vocação natural de drenar as áreas encharcadas pelas chuvas. Por isso, enchem-se de água na época chuvosa e secam - às vezes completamente - nos períodos de estiagem. Para o homem, sempre interessado no uso permanente dessa água, essa indisciplina pode constituir um verdadeiro transtorno. Nas épocas de grandes chuvas, os volumes de água transportados inundam a várzea, provocando a submersão de casas, cidades e plantações situadas em local que antes constituía a "reserva natural" de espaço para as cheias. Na seca, cumprida a missão de drenar o terreno, o rio estanca ou fica com uma vazão muito reduzida, não permitindo o uso para abastecimento, irrigação ou geração de eletricidade. Além disso, o homem agrava a situação ao "impermeabilizar" os solos com suas casas, ruas, praças e terrenos cimentados ou asfaltados. Em vez de absorver a água que depois seria drenada lentamente, esses solos passam a conduzi-la diretamente ao rio, provocando maiores inundações.

Há vários séculos que o homem descobriu o meio de "domesticar" o rio indisciplinado. Ele usa o represamento, que talvez tenha aprendido com os castores. Com a construção de uma barragem, o rio é transformado em lago, que se enche na época de cheias, armazenando a água que será usada também na época da seca. Assim, é possível dispor de vazões regularizadas durante todo o ano, evitando as inundações (uma vez que a água das enchentes fica armazenada) e garantindo o abastecimento, a irrigação de terras ou o funcionamento das turbinas durante todo o período que não chove.


GRANDES REPRESAS PARA USO ENERGÉTICO


Para gerar grandes quantidades de energia, utiliza-se grandes quedas, ou grandes volumes de água. O sistema Billings, em São Paulo, emprega um volume de água relativamente pequeno, mas uma queda de 740 metros de altura da Serra do Mar é diferente. Já a Represa de Itaipu, apesar de ter uma queda relativamente pequena, produz muita energia porque conta com a excepcional vazão do rio Paraná, um dos maiores do mundo.

Por sua vez, o armazenamento de grandes volumes de água exige extensas áreas de terra principalmente em terrenos planos. É o caso das represas construídas nas planícies da região amazônica. Áreas imensas de solo, recobertas por densas florestas, são inundadas ao se formar o lago, afogando e destruindo massas consideráveis de matéria vegetal, com a aniquilação dos ambientes florestais, animais e espécies características, chegando a influir no clima da região. E o que é pior, para produzir, às vezes, quantidades irrisórias de energia, como é o caso da barragem de Balbina, construída no Estado do Amazonas, que inundou uma área de 2.400 km2 de florestas. Esse lago, muito raso - não mais que sete metros de profundidade média - transformou-se num  verdadeiro pântano, infestado de mosquitos e desprendendo um cheiro nauseabundo, derivado do apodrecimento dos vegetais afogados.

Barragens para a regularização de rios devem ser projetadas em função de um perfeito planejamento, que leve em conta a situação geográfica e ecológica, bem como os diversos usos possíveis da água, para permitir o seu aproveitamento máximo, em lugar de gerar conflitos e incompatibilidades. Um exemplo pioneiro desse tipo de projeto, realizado muito antes da existência de legislação e movimentos ambientais em nosso país, foi o da represa de "escadas para peixes" (que entretanto, não chegou a ser construída), eclusas para o trânsito de embarcações e outras instalações destinadas a garantir a possibilidade de usos múltiplos das águas represadas, minimizando os prejuízos da mudança do regime natural do rio.


Texto de Samuel Murgel Branco retirado do encarte "Água", publicado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.

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