Até explicações aparentemente isentas podem ter finalidade argumentativa
Em Aristóteles, a definição consiste em declarar a essência de alguma coisa (Analíticos posteriores II, 3, 90b, 25-35). Nos Analíticos posteriores, ele assim a conceitua: "uma frase explicativa do que uma coisa é" (II, 10, 93b, 30). Nos Tópicos, ele diz que ela é composta de gênero e diferença (I, 8, 103b, 15).
Isso significa que ela contém o gênero próximo, que é um predicado comum a coisas que diferem em espécie (por exemplo, o predicado "animal" é comum a todas as espécies de animais) e a diferença específica, que é o que distingue uma espécie da outra (por exemplo, "racional" é o que diferencia o homem das demais espécies animais). Assim, a definição de homem é animal racional.
Ao longo da história da filosofia, discutiu-se muito a natureza da definição. Para os propósitos argumentativos, pode-se dizer que ela é uma resposta à indagação "Que é uma coisa?". Portanto, definir é estabelecer uma relação de equivalência que visa a dar sentido a um dado termo.
As definições podem ser intensionais* ou extensionais**.
A primeira estabelece as propriedades caracterizadoras de um objeto: por exemplo, as virtudes cardeais são "as que agrupam todas as demais e constituem os eixos de uma vida virtuosa"; "são as virtudes centrais, fundamentais".
A segunda explicita os elementos que constituem um objeto, isto é, os indivíduos de um dado conjunto: por exemplo, "virtudes cardeais são a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança". Nas definições intencionais, pode-se caracterizar o objeto por propriedades essenciais (pedra é matéria mineral sólida, dura, constituída da natureza das rochas) ou acidentais (pedra é uma matéria mineral pesada).
Elemento e função
A construir uma definição, podem-se levar em conta as características de um elemento (traços qualificacionais) ou sua função (traços funcionais). É possível também, o que ocorre com muita frequência, mesclar os dois modos:
a) água é uma substância líquida formada por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio;
b) água é uma substância que serve para matar a sede;
a) água é uma substância líquida (H2O), inodora, insípida e incolor, que é essencial para manter a vida da maior parte dos organismos vivos e serve de solvente para muitas outras substâncias.
As definições são argumentos quase lógicos fundados no princípio da identidade, porque, ao contrário do que se pensa o senso comum, não há uma maneira unívoca de definir um objeto. Ao contrário, o modo de definir depende das finalidade argumentativas. A definição impõe um determinado sentido, está orientada para convencer o interlocutor que um dado significado é aquele que deve ser levado em conta. Por isso, as definições podem ser conflitantes.
Um conflito definicional é dado pela famosa frase "Não sou x, mas...": por exemplo, "Não sou homofóbico, tenho muitos amigos gays, mas não posso ver dois homens andando de mão dada." Nesse caso, a pessoa que disse a frase usa uma definição bem restrita de homofobia. A resposta poderia ser uma definição mais ampla, mostrando que, de fato, ela é homofóbica. Por outro lado, certas definições ganharam um conteúdo bastante amplo. É o caso da palavra "fascista", que serve como um insulto para tudo o que é, mesmo vagamente de direita.
Na Retórica a Herênio, embora certos usos da definição sejam vistos como um defeito, deixa-se claro seu papel argumentativo:
É ainda um defeito empregar definições falsas ou banais. Falsas, como dizer, por exemplo, que não há injúria sem via de fato ou palavras ultrajantes. Banais, quando se pode aplicá-las tanto a um quanto a outro objeto: por exemplo, 'O delator, para dizer em poucas palavras, merece a morte; com efeito, é um cidadão mau e perigoso'. Essa definição é tanto a do delator quanto a do ladrão, do assassino ou do traidor." (II, XXVI, 41).
Slogans
Observe-se como Camilo Castelo Branco, em Mistério de Lisboa, define conjuntamente a religião e a mulher e como conceitua a inconstância:
"Neste mundo há só dois milagres que podem de um abismo de perdição levantar um homem morto para os sentimentos nobres e insuflar-lhe a vida de um anjo: é a religião e a mulher." (cap. VIII do Livro Terceiro).
"A inconstância é a suprema das enfermidades humanas." (cap. XII do Livro Quarto).
As fórmulas condensadas, como o slogan, notadamente se se apresentam, implícita ou explicitamente, como uma definição, têm um poder argumentativo muito grande:
* "CBN, a rádio que toca notícia."
* "Fazendo o céu o melhor lugar da terra" (Air France).
Verdade Primeira
Bernard Shaw, em O crime do aprisionamento, assim conceitua a escola:
"A escola é uma prisão".
Essa definição, pelo seu poder de condensação e pela sua simplicidade, tem uma força surpreendente, pois ela é aceita como verdade ou é repelida como uma provocação. No entanto, não se fica insensível a ela.
As definições simples são vistas como evidências, como verdades primeiras:
* "A religião é o ópio do povo." (Karl Marx).
* "A propriedade é o roubo." (Proudhon).
No caso dos slogans políticos, sua força deriva da capacidade de incitar à ação:
* "Ein Volk, ien Reich, ein Führer"
(Um povo, um império, um líder) foi um dos mais repetidos slogans nazistas.
* "Soyez réalistes, demandez l'impossible"
(Sejam realistas, exijam o impossível) foi um dos slogans do movimento de maio de 68, baseado na definição "O realismo é a exigência do impossível".
* "Plante que o João garante"
(Slogan para incentivar, no governo João Figueiredo, o aumento do plantio, baseado na definição "João é a garantia da produção")
Texto de José Luiz Fiorin retirado da Revista Língua Portuguesa, Ano 9, número 108, Outubro de 2014, Editora Segmento, São Paulo.
* Intencional: relativo a intensão; feito com intensão ou de propósito; que existe apenas na intenção ou em projeto. Em filosofia, a intensão é o significado de um termo ou predicado e o contexto intensional e o que determina a aplicabilidade de um termo ou expressão a uma extensão. Na Linguística Gerativa, a intensão é um conceito ligado à Língua-I, enquanto a extensão está relacionada à Língua-E. A intensão seria uma propriedade mental que distingue a linguagem humana. Na Informática, a lógica intensional tem sido útil em diferentes áreas, principalmente na inteligência artificial e na verificação.
** Extensional: em Filosofia, o conceito do contexto extensional existe em contraposição com o conceito do contexto intensional. No conceito extensional, o adjetivo "extensional" é um termo que se refere à extensão de uma expressão. Em geral, aplica-se a uma expressão quando se substitui uma expressão por outra. Por exemplo: na oração Aquela oliveira é uma árvore, o contexto da expressão é: "é uma árvore" e "aquela oliveira" é a extensão. Se substituir "oliveira" por "pessegueiro", o contexto permanece inalterado, uma vez que o valor de verdade está na palavra "árvore". O contexto extensional entre "oliveira" e "pessegueiro" continua o mesmo.