O mito de Adônis tem origem oriental e deriva de "Adonai", denominação bíblica do velho testamento que designa Deus. Afrodite zangou-se com uma jovem virgem chamada Mirra, filha do rei da Assíria, Téias, que não lhe rendia culto, e resolveu vingar-se. Inspirou-lhe então uma paixão irresistível pelo próprio pai, e Mirra, graças à cumplicidade de sua ama, pôde durante doze noites satisfazer seu incesto. Mas quando seu pai descobriu que involuntariamente deitou com a própria filha, desembainhou a espada para matá-la. Esta, suplicando aos deuses, pediu que a fizessem desaparecer. Ela foi então metamorfoseada em uma árvore, que tem até hoje o nome de mirra.
Passados dez meses, a árvore entreabriu-se e dela nasceu um menino. Sua fulgurante beleza cativou Afrodite que, para subtraí-lo da vista de todos, encerrou-o num baú que confiou à juíza infernal, Perséfone. Deu-lhe a recomendação de que o guardasse no mundo subterrâneo do Hades até que crescesse, quando então retornaria para buscá-lo. No entanto, à medida que o menino crescia, sua beleza mais e mais aumentava, a tal ponto que a própria Perséfone enamorou-se dele. Quando Afrodite foi buscá-lo, Perséfone não quis devolvê-lo, criando-se uma disputa entre as duas deusas pelo belo Adônis. Resolveram então chamar seu próprio pai, o grande Zeus, para resolver a contenda. Segundo Apolodoro de Atenas, o senhor do Olimpo resolveu dividir o ano em três partes e disse: "Uma parte será de Perséfone, a outra de Afrodite e a última será de livre uso de Adônis". Mas o belo jovem decidiu então presentear essa parte que lhe cabia para a deusa Afrodite. E aqui vemos um mito cujo significado é completamente oposto do mito de Narciso, pois aqui a beleza não só é entregue, como também a parte que poderia ficar livre e sem destino é entregue à deusa do amor. Assim, Adônis não apenas obedece, mas consagra a lei de Afrodite que reza: "O belo foi feito para ser dado, como também o amor; aquele que os guarda para si, considerarei traidor". A mensagem aplica-se tanto ontem como hoje, uma vez que podemos dizer que o narcisismo (o excessivo amor por si mesmo) é um dos males de nossa era, que se alia ao individualismo, provocando os estragos nas relações humanas que tão bem conhecemos.
Voltando ao mito, o belo efebo apaixonou-se também pela caça e, apesar das advertências de Afrodite, não desistia de seus perigos. O deus Ares, que também amava Afrodite, sentiu-se enciumado com a atenção que o jovem recebia da bela deusa e decidiu vingar-se. Um dia, quando caçava na floresta, Adônis deparou-se com um enfurecido javali, que não era senão o próprio deus Ares disfarçado. Inadvertidamente, tentou enfrentar o animal e foi mortalmente atingido por ele. Os pássaros da floresta presenciaram o ataque fatal e correram a alertar Afrodite do que acontecera. Ela imediatamente acudiu em socorro de Adônis, mas na pressa esqueceu de calçar as sandálias e feriu os pés nos espinhos de uma roseira. Imediatamente elas se tingiram com o sangue de Afrodite, tornando-se para sempre vermelhas, e não mais brancas, como eram originalmente. A deus ainda teve tempo de colher algumas para levá-las ao belo Adônis, mas quando chegou, ele já agonizava. Dizem ainda que das lágrimas de Afrodite sobre o corpo de Adônis nasceram as anêmonas. Vemos aí a razão por que, desde tempos imemoriais, as rosas vermelhas são o símbolo da paixão ardente, sendo que na antiguidade só era permitido ofertá-las a alguém intensamente amado.
Adônis tornou-se, na antiguidade, objeto de grande culto e em sua honra eram celebradas pelas mulheres grandes festas e jogos que ficaram conhecidos como "As Adonias". Plutarco conta que nessa ocasião "as mulheres atenienses expunham em público simulacros dos mortos que enterravam, batiam no peito e, imitando os funerais, acompanhavam essas cerimônias com canto fúnebre". A seguir, tinha lugar a festa da ressurreição de Adônis. Teócrito conta, em seu décimo quinto idílio, como a festa era organizada em honra a Adônis, em Alexandria, por Arsinoe, mulher de Ptolomeu Filadelfo, rei do Egito nessa ocasião. Eisa transcrição de pequeno trecho: "Aqui em torno de Adônis temos reunidos os mais belos frutos, os mais belos vasos adornados e os mais perfumados óleos da Síria. Tudo para a glória e ressurreição de Adônis".
O significado dessas festas e dos jogos consagrados a esse belo jovem pelas mulheres tinha a intenção de reviver o amor de Afrodite pelo belo e ensinar que todos deveríamos imitá-la. Sua ressurreição simbolizava que o amor e o belo nunca morrem, mas que é de nossa responsabilidade mantê-los vivos, mesmo que isso seja (e é) um risco.
Finalmente, vale notar que o fato de seu nome derivar da palavra "deus" em acadiano (idioma em que a Bíblia foi originalmente escrita) revela seu significado arcaico, ou seja, "paixão". É que, antes do massacre, que a tradição judaico-cristã-islâmica perpetrou com seu falso moralismo, deus, amor e paixão significavam a mesma coisa.
Retirado do livro Mitologia Viva - Aprendendo com os deuses a arte de viver e amar, de Viktor D. Salis, Editora Nova Alexandria, São Paulo, 2003.