Perdeu-se no tempo, lembra o filósofo norte-americano Richard Rorty (1931 - 2007), o momento em que os primeiros hominídeos notaram que, ao grunhir um ruído x numa ocasião, levariam uma surra se, em seguida, não grunhissem um indispensável som y. Gostamos de pensar que substituímos esse mecanismo acidental pela visão de um sistema de descrição lógico e imemorial, a fazer as correspondências com o mundo e o eu. A gramática, sem deixar de ser estrutura interna à mente e capacidade inata, deve sua consolidação mais ao método dos hominídeos do que as ideias sistêmicas. As mudanças derivam de contínuos processos de inferências, não tanto da necessidade de maior adequação ao não linguístico (o mundo, o eu) ou de derivas sempre previsíveis. Quem sabe intuamos a língua menos como correspondência (ao mundo, ao eu) do que um "caminho" (ao outro), que precisa ser constantemente corrigido, para incorporar novas pistas (comunicativas) dos interlocutores. A comunicação fluirá sempre que coincidirmos nossos palpites sobre o que os outros farão (seus ruídos a nossos estímulos, o que farão em seguida a uma manifestação verbal nossa) às nossas expectativas sobre o que diremos.
Mitos Ideológicos, 100 Mitos, texto de Luiz Costa Pereira Júnior retirado da revista Língua Portuguesa, Ano 9, número 100, Fevereiro de 2014, Editora Segmento, São Paulo.
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