Por mais que palavras como "polícia" e "bandido" sejam opostos, é impossível defini-los como antônimos e há uma razão para isso
Antônimos são palavras que têm significados opostos - pelo menos, segundo a gramática tradicional. Mas o que é o oposto de um significado? Em primeiro lugar, nem toda palavra tem um antônimo (costuma-se dizer que o antônimo de branco é preto, mas qual o antônimo de azul?). Logo, alguns tipos de significado admitem opostos enquanto outros não. O que diferencia um tipo do outro?
Em segundo lugar, o que entendemos exatamente por "oposto"? Sem a clareza do que quer dizer esse termo, a definição de antônimo se torna vaga e subjetiva, como no caso daquele aluno que respondeu à professora que o antônimo de "estudar" é "trabalhar" (e para muitos o antônimo de "trabalhar" é "lecionar").
Existem dois tipos de oposição: por contrariedade e por contradição. Comecemos por este último: contraditórios são dois termos ou duas proposições que diferem apenas pela presença da negação em uma delas, como em "aberto" x "fechado" (isto é, "não aberto") ou "hoje é domingo" x "hoje não é domingo". O contraditório se define por ser o que o outro não é. Nesse sentido, tudo admite um contraditório, mesmo que não haja uma palavra na língua para nomeá-lo. Por exemplo, o contraditório de "azul" é "não azul" (portanto, de qualquer outra cor), o contraditório de "estudar" é "não estudar", e assim por diante. Contraditórios são como os valores 0 e 1 da álgebra booleana, usada na eletrônica digital.
Já os contrários são as duas posições extremas de uma gradação, o 0 e o 1 de uma escala que admite um sem-número de outros valores intermediário possível entre "aberto" e "fechado" (segundo a regra lógica da exclusão de terceiro, uma porta ou está aberta ou está fechada, sem qualquer outra possibilidade), o contrário é o próprio contraditório. Já entre o alto e o baixo há o mediano, assim como entre o branco e o preto há bem mais que 50 tons de cinza.
Quantificável
Em relação a atributos, só pode haver antonímia se a qualidade expressa for quantificável (por exemplo, os pares opositivos bom/mau, grande/pequeno, muito/pouco, claro/escuro, etc., podem ser convertidos numa nota zero a dez em relação aos quesitos "qualidade", "tamanho", "quantidade", "luminosidade", e assim por diante).
Já com respeito a ações, que fazem um sujeito passar de um estado a outro, o antônimo é a palavra que expressa a ação inversa. Assim, se nascer é passar do estado não vivo ao estado vivo, o inverso, ou seja, passar de vivo a não vivo, é morrer. Quando não temos ação, mas apenas um estado, o antônimo é um contraditório: sono (no sentido de "estado de quem dorme") x vigília, sono ("vontade de dormir") x insônia.
Somente de posse de uma compreensão rigorosa do que seja o "oposto" (contrário ou contraditório) de um significado é que podemos compreender por que o antônimo de "Deus" não é "Diabo" (a não ser numa interpretação teológica subjetiva, em que Deus é associado ao bem e ao amor, e o Diabo ao mal e ao ódio, interpretação esta que não está implicada na própria semântica da língua), mas "Deus", assim como "cadeira", não tem antônimo. Isso explica também por que "trabalhar" não é antônimo de "estudar" (nem de "lecionar").
Há uma diferença entre palavra e significado: em certos casos, pode existir o conceito e não a palavra: em francês, por exemplo, "barato" se diz pas cher, isto é, "não caro". Em português, sabemos que algo não caro não é necessariamente barato.
O fato é que temos certa atração pelos opostos, por isso buscamos a todo custo estabelecer dualidades, pares opositivos, como se tudo tivesse seu contrário, e muitas vezes nos esquecemos do meio-termo, do neutro, do nem um nem outro. E, ao sabor de nossa visão particular de mundo, opomos polícia e bandido, trabalhador e vagabundo (ou a burguês, se formos marxistas), cristão a judeu, humano a animal... E, com base nessas falsas oposições, praticamos nossa política de exclusão.
Texto de Aldo Bizzocchi retirado da revista Língua Portuguesa, Ano 9, número 103, Maio de 2014, Editora Segmento, São Paulo.
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