quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

O último lírico Mario Quintana

 Esta nova antologia* de Mario Quintana, como as anteriores, não pretende substituir-se à sua obra ou dela extrair o melhor, o suco, a nata. Muito menos o essencial de sua poesia. Pela própria natureza de sua obra, qualquer antologia que dele se faça resulta em duas antologias: a do que foi incluído e a do que não foi incluído. Não intentei sequer estabelecer uma ordem de preferência, uma direção de leitura. O próprio poeta, na antologia de 1981, eliminou a cronologia dos poemas. Preocupei-me em escolher para um leitor de primeira viagem, sempre pensando na obra de Mario Quintana como um todo indivisível.

Essa obra é bastante peculiar por sua estreita unidade, cada poema é um fragmento do poema geral que Mario Quintana vem compondo ao longo de toda a sua vida. Dos sonetos de A Rua dos Cataventos, passando pela prosa lírica do Caderno H, até os livros mais recentes, como A Vaca e o Hipogrifo e Esconderijos do Tempo, sua obra mantém uma qualidade, marca, timbre, ressonância ou maneira que só posso definir como quintanidade. Muitos dos pequenos poemas em prosa ou verso de Quintana, isolados, pouco significam além de uma distração lúdica, um jogo sutil de percepção das coisas e dos seres. Mas dentro de sua obra, lado a lado com outras páginas, eles se iluminam repentinamente - o borrifo irisado da cachoeira vai juntar-se às águas profundas que correm para  o estuário de sua poesia, sob cuja aparente amenidade às vezes se oculta um Estige assustador.

Uma antologia de Mario Quintana dificilmente podia deixar de fora todos os sonetos de seu memorável livro de estreia, A Rua dos Cataventos, ao qual ele ficou devendo sua instantânea popularidade. O tempo se encarregou de provar que esses sonetos, longe de refletirem um retardo de adoção de novos postulados estéticos, mostravam um tratamento novo dessa forma fixa, tornando-a mais fluida, mais dúctil, mais aberta. O soneto deixava de ser a forma, era um poema liberto das varas rituais.

Outro livro cuja inclusão in totum seria quase obrigatória é o pequenino Aprendiz de Feiticeiro, pouco mais que uma plaquete. Não posso negar minha especial admiração, diria até minha paixão, por esse livrinho, que passou um tanto quanto despercebido da crítica quando de seu lançamento em 1950 (hoje é uma raridade da qual ninguém se desfaz nem a peso de ouro). Essa admiração eu a partilhava com o saudoso Augusto Meyer, a quem tanto devo para a melhor compreensão da grandeza de Quintana, ele próprio, Augusto, um excelente poeta. Lembro-me de nossas infindáveis conversas a respeito do lírico de Alegrete, cidade que ele colocou no mapa literário brasileiro. Havia entre nós uma espécie de cumplicidade afetiva. Hoje me dou conta de que, para Augusto Meyer, a princípio deve ter parecido estranho que um jovem crítico nordestino se interessasse tão obsessivamente por dois poetas gaúchos bem gaúchos, que na melhor das hipóteses a crítica oficial considerava menores, e as novas gerações, na sua faina epigônica, deixavam de observar mais detidamente: o até hoje injustiçado Felipe d'Oliveira e Mario Quintana. Para alguns de meus companheiros de geração literária foi um verdadeiro choque meu artigo "Assassinemos o poeta", no qual confessei minha admiração pelo poeta do Aprendiz, contraposta ao cansaço, ao tédio pelas glórias convencionais de nossa poesia.

Um terceiro livro de Mario Quintana que considero indispensável a quem deseje penetrar no mundo fascinante de sua obra é o das Canções, publicado em 1946. Até hoje ainda me surpreende o fato de que, no meio de nossos milhares de exegetas universitários recém-formados, poucos se deram ao trabalho de mergulhar as mãos nessa verdadeira arca de preciosidades poéticas. Criou-se entre nós a mística de que só se deve estudar os autores difíceis, constituindo dificuldade, para esse critério, o hermetismo da linguagem, o inusitado do vocabulário e da sintaxe, que de fato  permitem elocubrações e interpretações no mais das vezes gratuitas. Não só Mario Quintana, outros poetas e alguns romancistas brasileiros têm pago por parecerem demasiado fáceis para a sede decifratória de nossos escoliastas.

A verdade é que, sob o campo visual da poesia de Mario Quintana, se esconde uma teia infinita de raízes, um entrançado de sentidos, duplos sentidos, alusões, elipses, subentendidos, um código vivencial de cuja tradução o poeta é o único a possuir a chave. E sua aparente simplicidade formal, aos olhos de leitores mais atentos, encobre uma extraordinária riqueza de recursos poéticos, de sutilezas verbais, de soluções rímicas e rítmicas; revela-se também o conhecimento, por parte do poeta, das grandes fontes da poesia universal.

Os quintanólogos (são poucos, mas conhecem a matéria a fundo) estudam com particular atenção um quarto livro do poeta, que é o Sapato Florido (1948). É absolutamente essencial à compreensão do quintanismo. Por ser fragmentário e quase todo em prosa, sempre ocupa lugar menor nas antologias. Quintana cultiva um tipo de prosa poética que às vezes se confunde com o poema em prosa ou com o pequeno conto lírico. Não poucas vezes, tudo se resume a uma frase, uma linha: "As folhas enchem de ff as vogais do vento", um fragmento de verso: "... o dia exato alinha os seus cubos de vidro", uma alusão: "Sua vida era um tango argentino", que pode exigir do leitor algumas leituras: "Acabo de ver um negrinho comendo um ovo. Hein, Lin Yutang?". Pode conter uma sugestão retomada ou expandida em verso ou poema de outro livro.

Também Espelho Mágico (1951), conjunto de 111 quadras ou quartetos em que à filosofia da vida e da arte se mesclam notas de humor e cepticismo, é pobremente representada nas antologias de Quintana, inclusive nesta. Várias dessas páginas, sobretudo as mais amargas e as mais pitorescas - inevitável predileção do público! -, correm hoje o Brasil anonimamente, o que é uma forma de incorporação à alma e à sabedoria popular.

Esses cinco primeiros livros foram reunidos pela Editora Globo em 1962 no volume Poesias. Este e a Antologia Poética que Rubem Braga organizou em 1966 foram decisivos para que Mario Quintana atingisse uma audiência nacional. Deixou de ser o "poeta de Porto Alegre" para se transformar num dos grandes nomes da poesia brasileira, reconhecimento algo tardio mas sempre válido.

A Antologia Poética apresentou mais um importante aspecto: a inclusão dos Novos Poemas. Em 1976, o poeta voltaria a incluir esses poemas na coletânea Apontamentos de História Sobrenatural, dando assim, organicidade à sua obra (afinal, antologia é antologia).

Em 1973 havia saído um volume de seu lendário Caderno H (título de sua seção no Correio do Povo),  quase totalmente de prosa variada, vale dizer, sem a preocupação intrinsecamente poética do Sapato Florido. Uma dessas páginas, a Carta a um jovem poeta, que reproduzo na antologia, corresponde a um depoimento sobre a formação e a arte poética do escritor.

Mais recentes são os Quintanares (1976), A Vaca e o Hipogrifo (1977) e Esconderijos do Tempo (1980). Em 1981 aparecia a Nova Antologia Poética, seleção dos livros anteriores.

Essa antologia tem uma particularidade. O poeta virtualmente remanejou sua obra, deixando de lado o tradicional critério de livro por livro. O resultado foi surpreendente. Revelou a extraordinária unidade da poesia de Mario Quintana, sua atualidade (no sentido de que um bom poema deve atravessar o tempo sem ficar datado) e a multiplicidade de sua inspiração. Assim, a imagem do poeta sai extremamente enriquecida, pode-se mesmo aventar a sugestão de que a Nova Antologia Poética é um novo de Mario Quintana. A sensação de novidade impregna até o leitor antigo, algo como uma peça musical com novo arranjo, novo acompanhamento ou transcrita para instrumentos novos. Alguns poemas como que reflorescem.

Louvei-me na lição do próprio poeta para não obedecer, também, à ordem cronológica dos poemas, misturando os livros. Meu pensamento inicial era dividir a antologia segundo uma subjetiva ordem temática: o poeta fala da poesia, o poeta fala do amor e da morte, o poeta lembra a infância, o poeta vê a paisagem, o poeta sorri, o poeta canta... Diluí a intenção original para evitar o artificialismo numa obra alheia, ou pior,  o didatismo. Procurei, no entanto, exemplificar o elegíaco, o lírico, o descritivo, a prosa, o chiste, a recordação, a saudade. Tudo em Quintana é tão bom, que o  leitor pode lê-lo em qualquer sentido, indiferente à numeração das páginas.

O Brasil, ao contrário do que muitos imaginam, tem produzido pouquíssimos poetas líricos. Talvez o último lírico puro que tivemos foi ainda Casimiro de Abreu. No correr dos séculos, poetas que podiam ter sido excelentes líricos, deixaram-se iludir pelo som cavernoso da tuba épica, escrevendo longos poemas que só nos enchem de tédio. Outros enveredaram pela poesia dramática, pela poesia patriótica, pelos hinos e pelas odes ("Nobre animal, o poeta"), sem que muita coisa restasse de tanto esforço bem intencionado. Mesmo as elegias, que já foram moda, só resistem quando um pouco mais que o talento as legitima.

Apesar da poesia lírica ser a que apresenta maior resistência à passagem do tempo, apurando-se e quintessenciando-se com esta (em mais de um sentido, a grande lírica do Ocidente foi produzida pelos trovadores medievais), os tratados de estética e os manuais de arte poética insistem na velha superstição dos gêneros maiores e menores, como se Homero, Virgílio, Dante e Camões houvessem deixado prole à altura. Os conteúdos da lírica, seu inato individualismo, sua aderência às emoções e seu imediatismo afetivo levam os teóricos à presunção de que o lírico seja um eterno disponível, um improvisador bem dotado, vivendo de inspirações momentâneas; ou, em linguagem mais moderna, um receptivo e não um produtor de mensagens, um recriador e não um criador. A verdade é bem outra: além do talento, do gênio, que marcam os grandes líricos, eles devem possuir rigoroso domínio da forma e ter uma agilidade criadora que lhes permita passar de um estado a outro, de uma inspiração a outra, sem afundar nos lugares-comuns que só fazem engrossar o lixo poético.

Um lirismo quase puro como o de Mario Quintana é raro em nossa poesia moderna. Ele soube manter-se fiel ao seu gênio poético, à sua vocação lírica, quando tantos em torno dele se esgotavam em caminhos equivocados. Autêntico, elaborado e musical, ele tornou-se o que é, não só um dos maiores poetas brasileiros, como também um dos grandes líricos contemporâneos -  irmão inteiro dessa família que se faz compreender em qualquer tempo e em qualquer língua.


Prefácio escrito por Fausto Cunha e retirado da coletânea/antologia* Os Melhores Poemas de Mario Quintana, Global Editora, São Paulo, 3ª Edição, 1987.

domingo, 13 de dezembro de 2020

Travessia de Castro Alves

 Com seu frescor de orvalho e fulgor de diamante, a poesia de Castro Alves não sofre a injúria do tempo que danifica as glórias e enxota as notoriedades. Está sempre próxima ao presente, como a estátua de uma praça que atravessamos diariamente. Possui uma matinalidade que nos intriga. Muitas vezes, inclinamo-nos diante desse lirismo luminoso e epidérmico, buscando interrogar a receita de sua intemporalidade dentro da historicidade em que se engasta qualquer criação poética, e nos perguntamos por que ele logrou chegar até nós.

Onde está o seu segredo? Na sua eloquência comicial que se desata mesmo no momento murmurante em que, no desalinho de uma cama, celebra o seu amor por uma mulher? Na chuva de hipérboles e metáforas que troveja entre as nuvens e astros de sua noite condoreira juncada de clamores e indignações? Na sedução de sua vida breve de poeta romântico, que viveu a sua própria antecipação entre alegrias e amarguras, e na qual os dias devem ser avaliados numa contabilidade que os dobre ou multiplique?

Com o seu dengo de baiano, o poeta das Espumas Flutuantes nos induz sempre à aceitação e à tolerância, como uma criança mimada cujas travessuras merecessem as indulgências dos adultos. Mas nossa generosidade é ilusória. Na verdade, Castro Alves não precisa dela. Não que a sua poesia seja perfeita - na realidade, a grande arte está além da perfeição, é um novo excesso acrescentado ao pecúlio dos tempos e ao acervo dos séculos. E os defeitos de Castro Alves são as negligências e limitações que só os poetas manifestamente geniais têm o direito e até o dever de ostentar. Demais, cabe não esquecer que esses defeitos e vícios estilísticos, tão reiteradamente proclamados pelos críticos e pedagogos sequiosos de disciplina e moderações (e que ignoram a lição de Goethe de que há certa perfeição que só se tem aos vinte anos), constituem, muitas vezes, o carimbo existencial do poeta, ou imposições e balizas da própria estética romântica, posteriormente condenadas pela férula parnasiana. Assim, há que mirar e avaliar Castro Alves como o sobrevivente de uma canônica que o tempo historicizou, de uma retórica que a mudança do gosto do público (e dos críticos) foi congelando inapelavelmente. 

Também será aconselhável que o leitor dos poemas de Castro Alves não perca de vista que ele pertence à estirpe dos poetas cultos. Nesse espaço tumultuoso entre adolescência e juventude em que transcorreu a sua eclosão que ainda hoje reivindica espanto, a experiência pessoal, atravessada de amores tornados legendários, e de atitudes libertárias de abolicionista e republicano, encontra habituavelmente, para se exprimir tão fervidamente, o caminho de um tirocínio poético de inconfundível qualificação. Seu grande mestre foi, sem dúvida, Victor Hugo, a quem o unia indisfarçável afinidade eletiva, quer de natureza lírica, quer de cunho político e tribunício. Castro Alves o assimilou largamente, pescando no imenso oceano hugoano um número considerável de visões, temas e imagens. Imitou-o e o parafraseou com a mais clangorosa desenvoltura, e chegou mesmo a festejá-lo num poema em que as virtudes da paráfrase e da antítese são magistralmente expostas. E assim como Rimbaud, outro jovem saqueador das riquezas de marajá poético de Victor Hugo, escreveu um poema sobre o mar (Le Bateau Ivre) antes de tê-lo visto, o visionário Castro Alves celebrou a Cachoeira de Paulo Afonso sem precisar ir lá; e a sua visão é mais convincente e realista do que dos visitantes comprovados.

A familiaridade de Castro Alves com outros grandes bardos românticos, como Byron, Lamartine, Musset, Heine, Espronceda e tantos outros - e ainda com o Shakespeare traduzido para o francês que se tornou uma verdadeira obsessão romântica -, é manifesta, e a muitos deles traduziu, parodiou, imitou e saqueou, transfundindo nessas paródias, imitações e saques o vigor de uma língua nova e abrasada de fervor. A doutrina da imitação poética, que as exigências da singularidade criadora escamoteia desde que o Romantismo fez plantar no chão da arte a flórida árvore da originalidade, ilumina a prática estética de Castro Alves. Assim, um dos poetas mais originais da nossa língua, e um dos mais ciosos dos arroubos do seu eu inflamado, será, também, um dos mais afeiçoados à imitação e à paráfrase, sem que esta operação de assimilações, com tanta perícia e felicidade executada por sua mão-boba, o desqualifique ou desmereça.

Graças decerto ao preparo estético-cultural decorrente do convívio com grandes e até imperecíveis modelos, Castro Alves se projeta, dentro do seu turbilhão e fervor, como um dos poetas mais rigorosos da língua portuguesa. A legibilidade de seus poemas, que atravessa toda a poesia brasileira como um persistente raio de sol, se deve a esse rigor. Seu laboratório de magia poética reúne, alia e transfunde todos os materiais indispensáveis à sólida construção lírica. A hipérbole vertiginosa, a metáfora bizarra, a antítese de ostensivo lavor hugoano, a imagem fúlgida, a palavra grávida de sua própria formosura e musicalidade, sustentam a intensidade do verso simultaneamente tenso e largado como é o verso romântico - esse verso invejável que, exprimindo a Independência nacional, foi, em sua doçura incomparável e em sua oratória flamejante, o verbo de nossa libertação linguística e poética. Assim, nada mais natural que esse verso de praça pública reclamasse a glória e o calor do recital.

Em Castro Alves, esse verso político - a nossa primeira voz de povo cioso de propalar e conquistar a sua independência - engrossa a até se encachoeira, nos fluxos e desordens de uma catadupa que, misteriosamente ordenada pela vigilância do artifício poético, organiza o poema. O que, noutros poetas, sem o seu talento genuíno ou habilidade métrica e rimática, seria caos, nele é ordre et beauté/luxe, calme et voluplté. E não será sem razão que a sua obra pende sempre para as antologizações e as homenagens da memória recompensada. Como poucos poetas em língua portuguesa, o cantor de Os Escravos teve a noção do poema como um artefato produzido pela magia verbal: uma criação de palavras organizadas em torno de uma emoção, uma ideia, um sentimento. Aliás, essa convicção estética do produto acabado respira em todo o Romantismo ocidental e é o germe do Parnasianismo. O condor Castro Alves era também um ourives, capaz de fincar sobranceiramente o seu emblema de embalo e encantamento em versos como

        Vem! formosa mulher - camélia pálida,

         Que banharam de pranto as alvoradas.

por todos os títulos dignos de um Leopoldi ou um Mallarmé, um Kaets ou um Victor Hugo.

A teoria de que o Romantismo se exaure na explosão e no esbanjamento é, pois, uma invenção de críticos suburbanos e de professores repetitivos. A visão do poeta romântico descabelado pertence ao almanaque dos mitos burgueses. Poucas estirpes de poetas, no mundo, souberam pentear-se tão bem, apesar de suas infelicidades particulares e da exuberância de suas confissões verdadeiras ou mentirosas, como eles. Além do mais, as numerosas vertentes do movimento, que ocupou todo um século como uma visão existencial do mundo, excluem, em suas expressões nacionais e pessoais, a referência exclusiva, e repelem a cunhagem da efígie única dotada do poder de exprimir todas as tendências. Mesmo entre nós, será sempre possível identificar os vários tipos de Romantismo: o romantismo soturno, noturno e até fantasmal de Álvares de Azevedo, iluminado pelas luzes da noite e pelo claro-escuro dos sonhos; o romantismo matinal e contudo estrelado desse poeta de comício e alcova que é Castro Alves; o romantismo sabiamente selvático de Gonçalves Dias; o romantismo magoado e florestal de Fagundes Varela; o romantismo nostálgico de Casimiro de Abreu, que caçava a infância como quem corre atrás de uma borboleta; o romantismo carnalmente suspiroso de Junqueira Freire; e, como um orgulhoso e solitário voo de águia, o romantismo imperial e imperioso de José de Alencar.

Que sou pequeno - mas só fito os Andes.

Modéstia de mentiroso! Esta seleção* comprova que a cordilheira poética de Castro Alves é da mesma altura dos Andes. E seus ombros de poeta condenado a ser sempre grande se situam no mesmo nível!

Dos ombros friorentos do vulcão...

Texto retirado do livro Os Melhores Poemas de Castro Alves, *seleção (e prefácio) de Lêdo Ivo, Global Editora, São Paulo, 4ª edição, 1988.

sábado, 12 de dezembro de 2020

Contato com os Guias espirituais

 Afliges-te, porque ainda não lograste o contato psíquico com os teus Guias Espirituais.

Reflexionas que buscaste a fé religiosa, abraçando a mediunidade, e, não obstante, tens a impressão que navegas sem rumo, padecendo conflitos e experimentando desânimo.

Momentos surgem nos quais receais pela legitimidade do intercâmbio espiritual de que te fazes objeto.

Anseias por informações precisas sobre o teu papel nas tarefas de mediunidade.

Relacionas pessoas que te parecem menos equipadas, e, apesar disso, apresentam-se superprotegidas pelos Espíritos Nobres, assessoradas por Benfeitores Venerandos e Entidades outras, que na Terra deixaram nomes respeitáveis, famosos...

Planejas desistir, acreditando que as tuas são faculdades atormentadas, sem credencial ou recurso capaz de registrar a proteção dos Guias Espirituais.

Tem, porém, cuidado, e medita sem queixa.

A mediunidade é instrumento de serviço em nome do amor de Deus, para apressar o progresso dos homens e facultar o intercâmbio com os espíritos, deles recebendo a ajuda.

Candidataste-te ao labor socorrista, como recurso saudável para te recuperares moralmente do passado delituoso, por cuja contribuição terias, também, as dores lenidas ou alteradas no teu organograma para a evolução.

Honrado pelo trabalho de iluminação de consciência, estás colocado como veículo de bênçãos.

Buscam-te os sofredores, porque são trazidos a ti pelos teus Guias Espirituais, que confiam na tua ductibilidade, no teu sentimento de amor.

Porque não ouves os teus Benfeitores, não te creias abandonado, sem apoio.

Tem paciência.

Faze silêncio íntimo e entrega-te mais.

Quando desdobrado parcialmente pelo sono, eles te confortam e instruem, fortalecem-te e programam as atividades para as quais renasceste.

Se não o recordas conscientemente, ficam impressos nos teus registros psíquicos, esses salutares conúbios edificantes.

Se aprofundares reflexão, perceberás quantas vezes eles já te falaram, socorreram e apoiaram nos momentos rudes das provações e dos testemunhos.

Eles são discretos e agem sem alarde, não brindando recursos que induzam à vaidade, ao exibicionismo.

Amparam em silêncio, instruem em calma, conduzem com afabilidade.

Quando vejas, na mediunidade, o campeonato das disputas humanas e o calafrio que provoca a presença de seres nobres do passado, aureolando com pompa terrestre a memória, que pretendem manter rutilante, acautela-te e desconfia.

Importante não é o nome que firma ou enuncia uma mensagem, mas, sim, o seu conteúdo de qualidade e penetração benéfica.

Desse modo, trabalha no anonimato e, consciente das responsabilidades que te dizem respeito, deixa que os teus Guias Espirituais zelosamente te guardem e conduzam, não te expondo no palco da insensatez, onde brilha por um dia e se apaga de imediato a vaidade humana.


Texto de Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis, retirado do livro Momentos de Felicidade, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 5ª Edição, 2014.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Uma História de Carícias

 Nesse conto, Claude Steiner, com muita sabedoria e ternura, sintetiza muitas ideias sobre Carícias.

Era uma vez, há muito tempo, um casal feliz, Antônio e Maria, com dois filhos chamados João e Lúcia. Para entender a felicidade deles, é preciso retroceder àquele tempo.

Cada pessoa, quando nascia, ganhava um saquinho de carinhos. Sempre que uma pessoa punha a mão no saquinho podia tirar um Carinho Quente. Os Carinhos Quentes faziam as pessoas sentirem-se quentes e aconchegantes, cheias de carinho. As pessoas que não recebiam Carinhos Quentes expunham-se ao perigo de pegar uma doença nas costas, que as faziam murchar e morrer.

Era fácil receber Carinhos Quentes. Sempre que alguém os queria, bastava pedi-los. Colocando-se a mão no saquinho surgia um Carinho do tamanho da mão de uma criança. Ao vir à luz, o carinho expandia-se e transformava-se num grande Carinho Quente que podia ser colocado no ombro, na cabeça, no colo da pessoa. Então, misturava-se com a pele e a pessoa se sentia bem.

As pessoas viviam pedindo Carinhos Quentes umas às outras e nunca havia problemas para consegui-los, pois eram dados de graça. Por isso todos eram felizes e cheios de carinhos, na maior parte do tempo.

Um dia, uma bruxa má ficou brava porque as pessoas, sendo felizes, não compravam as poções e unguentos que ela vendia. Por ser muito esperta, a bruxa inventou um plano muito malvado. 

Certa manhã, ela chegou perto de Antônio, enquanto Maria brincava com a filha, e cochichou em seu ouvido:

"Olha, Antônio, veja os carinhos que Maria está dando a Lúcia. Se ela continuar assim vai consumir todos os carinhos e não sobrará nenhum para você".

Antônio ficou admirado e perguntou: "Quer dizer, então, que não é sempre que existe um Carinho Quente no saquinho?"

E a bruxa respondeu: "Eles podem acabar e você não os ganhará mais". Dizendo isso a bruxa foi embora, montada na vassoura, gargalhando muito.

Antônio ficou preocupado e começou a reparar cada vez que Maria dava um Carinho Quente para outra pessoa, pois temia perdê-los. Então, começou a se queixar a Maria, de quem gostava muito, e também parou de dar carinhos aos outros, reservando-os somente para ela.

As crianças perceberam e passaram também a economizar carinhos, pois entenderam que era errado dá-los. Todos ficaram cada vez mais mesquinhos.

As pessoas do lugar começaram a sentir-se menos quentes e acarinhadas e algumas chegaram a morrer por falta de Carinhos Quentes. Cada vez mais gente ia à bruxa para adquirir unguentos e poções. Mas a bruxa não queria realmente que as pessoas morressem, porque se isso ocorresse, deixariam de comprar as poções e unguentos. Então, inventou um novo plano: todos ganhavam um saquinho muito parecido com aquele de Carinhos, porém era frio e continha Espinhos Frios. Os Espinhos Frios faziam as pessoas sentirem-se frias e espetadas, mas evitava que murchassem.

Daí para frente, sempre que alguém dizia "eu quero um Carinho Quente", aqueles que tinham medo de perder um suprimento respondiam: "Não posso dar-lhe um Carinho Quente, mas se você quiser, posso dar-lhe um Espinho Frio".

A situação ficou muito complicada porque, desde a vinda da bruxa, havia cada vez menos Carinhos Quentes, e estes tornaram-se valiosíssimos. Isto fez com que as pessoas tentassem de tudo para consegui-los.

Antes de a bruxa chegar, as pessoas costumavam se reunir em grupos de três, quatro, cinco sem se preocupar com quem estava dando carinho para quem. Depois que a bruxa apareceu, as pessoas começaram a juntar-se aos pares e a reservar todos seus Carinhos Quentes exclusivamente para o parceiro. Quando se esqueciam e davam um Carinho Quente para outra pessoa, logo se sentiam culpadas. As pessoas que não conseguiam encontrar parceiros generosos precisavam trabalhar muito para obter dinheiro para comprá-los.

Algumas pessoas tornavam-se simpáticas e recebiam muitos Carinhos Quentes sem ter que retribuí-los. Então, passavam a vendê-los aos que precisavam deles para sobreviver. Outras pegavam os Espinhos Frios, que eram ilimitados e de graça, cobriam-nos com cobertura branquinha e estufada, fazendo-os passar por Carinhos Quentes. Eram, na verdade, carinhos falsos, de plástico, que causavam novas dificuldades. Por exemplo, duas pessoas juntavam-se e trocavam entre si, livremente, os seus Carinhos Plásticos. Sentiam-se bem em alguns momentos, mas logo depois sentiam-se mal. Como pensavam que estavam trocando Carinhos Quentes, ficavam confusas.

A situação, portanto, ficou muito grave.

Não faz muito tempo uma mulher especial chegou ao lugar. Ela nunca tinha ouvido falar na bruxa e não se preocupava com o fim dos Carinhos Quentes. Ela os dava de graça, mesmo quando não eram pedidos. As pessoas do lugar desaprovavam sua atitude porque essa mulher dava às crianças a ideia de que não deviam se preocupar com o término dos Carinhos Quentes, e chamavam-na de Pessoa Especial.

As crianças gostavam muito da Pessoa Especial porque se sentiam bem em sua presença e passaram a dar Carinhos Quentes sempre que tinham vontade.

Os adultos ficaram muito preocupados e decidiram impor uma lei para proteger as crianças do desperdício de seus Carinhos Quentes. A lei dizia que era crime distribuir Carinhos Quentes sem uma licença. Muitas crianças, porém, continuavam a trocar Carinhos Quentes sempre que tinham vontade ou quando alguém os pedia. Como existiam muitas crianças, parecia que elas prosseguiriam seu caminho.

Ainda não sabemos dizer o que acontecerá. As forças da lei e da ordem dos adultos forçarão as crianças a parar com sua imprudência? Os adultos se juntarão à Pessoa Especial e às crianças e entenderão que sempre haverá Carinhos Quentes, tantos quantos forem necessários? Lembrar-se-ão dos dias em que os Carinhos Quentes eram inesgotáveis porque eram distribuídos livremente?

Em qual dos lados você está?

O que você pensa disto?


Texto retirado do livro A Carícia Essencial - uma psicologia do afeto, de Roberto Shinyashiki, Editora Gente, São Paulo, 1994,  83ª Edição.

sábado, 5 de dezembro de 2020

O Amigo Ideal

 Sentimentos desencontrados se entrechocam nas tuas paisagens íntimas.

Em certos momentos, estás a ponto de explodir, tal a soma de desespero que te desgoverna, e, noutras ocasiões, pensas em parar, em desistir de tudo, tal o acúmulo de sofrimentos que te conduzem à exaustão.

Gostarias de encontrar um amigo paciente e esclarecido, com quem pudesses desabafar, deixar que todas as tuas inquietações desfilem, encontrando compreensão e diretrizes.

Sentes necessidade de novos afetos, como se fossem bálsamo salutar para o teu coração ralado de suspeição e tormentos.

Vês outras criaturas, sorridentes e felizes, que desfilam, dando a impressão de que a vida delas é um agradável convescote ou um carnaval permanente.

Como, porém estás equivocado!

A existência carnal é igual para todos os que se encontram na Terra, variando a circunstância e a intensidade das ocorrências para cada homem.

Corrige, desse modo, a tua óptica e cuida mais do teu critério de avaliação.

A aparência é a capa luminosa ou sombria que oculta a realidade.

Quem te veja e desconheça o que se passa em teu foro íntimo, se não te queixares, terá a impressão de que vives bem aquinhoado pela felicidade, enriquecido pelos favores do prazer...

Tu, porém, sabes que não é bem assim, o que se passa contigo, da mesma forma que não é, quanto supões, tão áspera e desditosa a tua marcha.

Se reflexionares melhor, constatarás que o número de bênçãos suplanta os teus questionamentos queixosos.

Relaciona o que possuis e quanto te favorece, em referência a outros que não dispõem desses valores e conquistas.

Ninguém, no mundo físico, pode desfrutar de tudo quanto gostaria, pois que se o conseguisse já fruiria do "Reino dos Céus" que, afinal de contas, não tem lugar na esfera física.

Este amigo, que exibe felicidade e paira na opulência, invejado e cercado de carinho atormenta-se, intimamente insatisfeito com a vida, sentindo-se obrigado a manter a aparência, escondendo-se, magoado.

Essa dama, que se apresenta adornada de joias finas e caras, requestada por uns e por outros invejada, disfarça, nos sorrisos, pesadas frustrações conjugais que ninguém imagina.

Aquele jovem, bem apessoado, que conquista o futuro com audácia, envolvido num halo de triunfo, iridescente como uma estrela e conquistador como a luz, amarga-se, nas horas distantes do público, vencido por conflitos desconhecidos de todos.

A moça, que passa deslumbrante, vendendo beleza e juventude, qual fosse uma deusa renascida das páginas mitológicas, desprezando candidatos ou entregando-se a dissipações absurdas, aturde-se em confuso estado de timidez, que a desconcerta e vence.

A legião dos felizes-infelicitados cresce, diariamente, e as suas estatísticas são assustadoras, especialmente nas áreas das patologias da loucura, do vício, das fugas espetaculares.

Há muito mais ilusão e sonhos tornados pesadelos do que imaginas.

A visão azul do cosmo não é real...

A Terra é educandário e não jardim edênico.

Da mesma forma que anelas por aquele amigo que te pudesse ajudar na solução das tuas dificuldades, alguém te observa, supondo que o és para as necessidades dele.

Mesmo que não o sejas, esforça-te por te tornares.

Ao invés de dependeres, de pedires, passa a doar, a socorrer.

Começa, mediante pequenas tarefas gratificantes do amor fraterno.

Assume singelos deveres; gera alegria em tua volta; produze bem-estar; pensa em alguém com simpatia; supera o azedume...

Tentativas de renovação culminam em conquistas, em realizações edificantes.

Assim fazendo, tua mente abrirá espaço para ouvir a orientação anelada, e os sentimentos renovados propiciarão a tua sintonia com o Amigo Ideal, que é, que espera somente Lhe concedas o ensejo de ajudar-te e conceder-te a alegria que buscas.


Texto de Divaldo Franco, pelo espírito Joanna de Ângelis retirado do livro Momentos de Coragem, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 8ª Edição, 2014.

domingo, 29 de novembro de 2020

Negritude

Trago em meu peito
as marcas do açoite
na pele cor de noite que
o bronze esculturou
tenho no meu sangue
o elã da madrugada
de cada encruzilhada
que Angola me deixou

Sou filha do atabaque
do som dos retirantes
do congo, dos amantes
caçados no Sudão

Da música de Gana
das flautas de Uganda
das festas de Luanda
tambores do Gabão

E desses ancestrais
da Argélia ao Senegal
nasceu meu carnaval
e dele sou herdeira
e mostro com orgulho
ao mundo, à terra inteira
meu ritmo, meu viço
de negra brasileira
negra bras
negra brasi
negra brasilei
negra brasileira

Música de Irinéia Maria e Paulo Cezar Feital que dava título ao então LP Negritude de Zezé Motta lançado em 1979.

Trecho 47 de Arnaldo Antunes

 A chuva derrubou as pontes. A chuva transbordou os rios. A chuva molhou os transeuntes. A chuva encharcou as praças. A chuva enferrujou as máquinas. A chuva enfureceu as marés. A chuva e seu cheiro de terra. A chuva com sua cabeleira. A chuva esburacou as pedras. A chuva alagou a favela. A chuva de canivetes. A chuva enxugou a sede. A chuva anoiteceu de tarde. A chuva e seu brilho prateado. A chuva de retas paralelas sobre a terra curva. A chuva destroçou os guarda-chuvas. A chuva durou muitos dias. A chuva apagou o incêndio. A chuva caiu. A chuva derramou-se. A chuva murmurou meu nome. A chuva ligou o para-brisa. A chuva acendeu os faróis. A chuva tocou a sirene. A chuva com a sua crina. A chuva encheu a piscina. A chuva com as gotas grossas. A chuva de pingos pretos. A chuva açoitando as plantas. A chuva senhora da lama. A chuva sem pena. A chuva apenas. A chuva empenou os móveis. A chuva amarelou os livros. A chuva corroeu as cercas. A chuva e seu baque seco. A chuva e seu ruído de vidro. A chuva inchou o brejo. A chuva pingou pelo teto. A chuva multiplicando insetos. A chuva sobre os varais. A chuva derrubando raios. A chuva acabou a luz. A chuva molhou os cigarros. A chuva mijou no telhado. A chuva regou o gramado. A chuva arrepiou os poros. A chuva fez muitas poças. A chuva secou ao sol.


Texto de Arnaldo Antunes retirado do livro as coisas, Editora Iluminuras, São Paulo, 2000.

Trecho 41 de Arnaldo Antunes

 O vidro quebra mas não derrete. O plástico derrete mas não quebra. Assim são os óculos. Estrutura plástica para lentes de vidro. O espelho mostra, o vidro deixa ver. Assim são os vidros. O mármore é usado nos túmulos. A madeira polida não solta farpas. As bolhas quando estouram não deixam cacos. O vidro não apodrece, nem na umidade, nem debaixo da terra. Depois de anos enterrados os mortos míopes, sobram apenas os ossos e os óculos. E quando não restarem mais os ossos ainda estarão intactos os óculos. Se o vidro for negro os olhos desaparecem. Assim são os óculos escuros. Mostram mas não deixam ver. O ferro cromado não enferruja. O vidro da janela retém a chuva mas deixa passar as cenas. A água parada espelha como prata. Assim é a água. Se houver luz de um só lado o vidro espelha, como a água parada. A prata depois de anos preteja. Assim é a prata. A pedra quando afunda turva a água. Assim é a pedra.


Texto de Arnaldo Antunes retirado do livro as coisas, Editora Iluminuras, São Paulo, 2000.

Trecho 87 de Arnaldo Antunes

 O inverno é eterno no polo norte. Os dias dilatam no verão. A água gira em sentido anti-horário nos ralos das pias do japão. A patagônia fica ao norte do polo sul. A groelândia fica ao sul do sul do sul da patagônia. O mundo é redondo. Um país ao leste pode estar a oeste se você for pelo caminho mais comprido. Os carrinhos de aeroporto no brasil são empurrados, como os carrinhos de bebê e os de supermercado. Os carrinhos de aeroporto dos estados unidos são puxados. Os chineses e os yanomamis e os tailandeses e os ticuna e os bororo e os vietnamitas têm os olhos puxados. Os relógios da suíça têm um ponteiro maior que o outro, como os outros. As bússolas de marrocos têm um ponteiro, como as outras, só. A terra do fogo é fria. A areia do saara é como a areia da praia, mas fica longe do mar. O mar cerca todos os lugares. O saara fica longe de qualquer lugar. As cidades crescem mas os continentes continuam do mesmo tamanho; crescem na maré baixa e encolhem na maré cheia. A guiana francesa fica longe da frança. A áfrica do sul é na áfrica. O equador fica no meio do mapa. O hawai fica no meio do mar.


Texto de Arnaldo Antunes retirado do livro as coisas, Editora Iluminuras, São Paulo, 2000.

* o autor escreveu todos os nomes próprios com letra minúscula!!

sábado, 28 de novembro de 2020

O Teu Deus Interno

 Periodicamente, o tresvario humano, cansado de desgastar aquele que lhe tomba nas malhas, investe, furioso, contra Deus, em uma forma doentia de afirmar-se na paisagem torpe onde predomina.

Logo após a Revolução Francesa, o cidadão Jacques Duport, entusiasmado com a derrocada da Casa dos Bourbons, pretendeu destronar Deus do Universo, proclamando: - "Natureza e Razão, são esses os meus deuses."

Acompanhado por outros cérebros e vozes apaixonadas, viu a decadência dos seus postulados, à semelhança de Heine, que também O negara antes, morreu "adorando a Deus".

Mais tarde, Nietzsche, colocava nos lábios da sua personagem central, retratando a sua própria aflição: "Acabo de matar Deus, pela Sua desnecessidade no mundo", repetindo a façanha daqueles que se arvoravam a destruí-lO com as armas do materialismo que os decepcionou amargamente.

Mais recentemente, Challemel Lacour, substituto de Renan, na Academia Francesa de Letras, repetiu o estertor dos antepassados, declarando: "Ciência e Razão, eis os meus deuses", acompanhando, logo depois, as conquistas do Conhecimento, que lograva defrontá-lO na raiz das suas descobertas.

E, não há muito, teólogos holandeses inquietos, participando do coral aflitivo das alucinações dos anos sessenta, insistiram: - "Cremos em Jesus, mas não em Deus", constatando, de imediato, a inatingibilidade d'Ele, pelos pesquisadores da Física Nuclear, da Astrofísica, da Astronomia e de outros ramos da Ciência como da Tecnologia, que apenas Lhe vislumbram a existência.

Por mais que o homem fuja de Deus, arranjando substitutivos transitórios, mediante explicações sofistas umas e estapafúrdias outras, Ele ressurge e mantém-se impenetrável na Sua realidade invencível.

Alguns avançados cientistas apresentam equações complexas que parecem dispensar Deus no ato da criação do Universo e falam sobre a Grande Explosão, para elucidar-lhe o aparecimento. E não elucidam os fenômenos precedentes.

Diversos estudiosos denominam-nO como a "Força que agita o elétron" e, penetrando no mundo subatômico, procuram demonstrá-lO como efeito da ignorância cultural daqueles que não estudaram as partículas elementares que se perdem na área de concepções audaciosas.

Há quem O desdenhe, por descobrir as imperfeições que detecta no Cosmo e na Vida.

A todos, porém, Deus sobrevive, e comanda a Sua Obra.

Jesus O chamou, sem qualquer atavio, Pai.

Outros mestres O denominaram "Criador Incriado".

Einstein concluiu pelo "Poder pensante e atuante fora do Universo".

João Evangelista nomeou-O como "Amor".

Chamemo-lO, porém, " Alma da Natureza " ou " Acaso ", " Matemática Transcendente " ou " Força Cósmica Imanente-Transcendente ",  Deus é a Fonte Eterna Geradora de Vida, que nos criou e aguarda por nós.

Interrogando os Guias da Humanidade, a respeito do "que é Deus", aqueles Mentores nobres responderam a Allan Kardec: - "Deus é a Inteligência Suprema do Universo, causa primária de todas as coisas."

Medita sobre a tua pequenez e fragilidade.

Considera a tua mente e os teus sentimentos.

Interroga as tuas aspirações e necessidades.

Questiona a transitoriedade da tua vida física.

Reflexiona quanto à celeridade com que o tempo se esvai no relógio das horas.

Raciocina sobre o amor e busca senti-lo.

Dá-te ao bem, ao próximo e, inevitavelmente, encontrarás Deus dentro de ti, pulsando, amando e conduzindo-te no rumo da plenitude.

Acalma-te e deixa-te por Ele conduzir.


Texto de Divaldo Franco, pelo espírito Joanna de Ângelis, retirado do livro Momentos de Alegria, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 2014,  4ª Edição.