sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Velho é demais

    "Sai da frente, vô!" Com esse grito, o skatista espanta um casal de velhinhos no Parque do Ibirapuera e, quase didático, ilustra um conflito de gerações. Nas ruas vizinhas, cartazes coloridos de shows de rock exibem hordas de guerreiros-mirins. Por toda parte, garotas de dezesseis anos mostram corpos que nenhuma academia produz e invadem as telas de cinema em propagandas insinuantes, como rebeldes de confecções. 

    Estamos cercados de revistas para adolescentes, moda para adolescentes, agora orgulhosamente chamados de teens. A música fatura milhões nessa faixa de mercado, e não é à toa que os pisos dos shopping centers substituem as antigas praças públicas.

    Consumo, produção, beleza e agilidade no raciocínio. Mas, então, como é que se envelhece, ou melhor, como abandonar esse grupo tão cultuado e entrar para um outro bem menos glamouroso? Há muito que a humanidade se faz essa pergunta.

    Na mitologia grega, o implacável Chrónos engolia cada um de seus filhos, mostrando o destino que nos aguarda. Quando o corpo engorda, as rugas marcam a pele, e o ritmo de produção cai, a palavra "velho" surge como sinônimo de obsoleto, desnecessário.

    O psiquiatra Carl Jung, que procurou em diversas culturas algo que pudesse ser o patrimônio comum da humanidade, compara nossa vida à trajetória do Sol. Se ao amanhecer ele vai adquirindo cada vez mais brilho, após o meio-dia, seu avançar não significa mais aumento, e sim diminuição de força. Sem dúvida, é difícil perceber que essa diminuição não representa uma desvalorização, mas uma troca de sentido. O Sol, não se imobiliza jamais. No entanto, há um número considerável de pessoas que se fixam nos ideais luminosos, que lutam pela eterna juventude, como se o entardecer não tivesse valor. Outras, ainda, apegam-se às suas conquistas e tornam-se contrárias a qualquer novidade. Passados os "bons tempos", resta apenas lembrá-los. Jung sugere que, o que o jovem precisa encontrar fora, na relação com o mundo, o homem, no entardecer da vida, deve encontrar dentro de si, e conclui: "Há uma necessidade de se reconhecer o engano das convicções defendidas até então, de sentir-se a inverdade das verdades".

    Em nossa sociedade jovem e pobre, o idoso não encontra apoio nem é valorizado como alguém experiente, capaz de perceber coisas que fogem à pressa dos mais novos. Nelson Rodrigues, em sua biografia, dedica um capítulo a esse tema. Melancólico, lembra-se da infância como o tempo em que "ainda não era degradante ser velho. O sujeito podia ter, impunemente, setenta, oitenta anos..." Aqui, com dolorida ironia, Nelson retrata o idoso brasileiro punido pelos demais membros da sociedade.

    E se aprendêssemos com a China? Esse país, que sempre honrou os velhos pela capacidade de reflexão, considera a velhice uma imagem de imortalidade e sabedoria. Talvez por isso, o grande sábio Lao-Tsé não precisou agarrar-se à juventude nem correu o risco de ser atropelado por skatistas. Impunemente e cheio de glória, ele nasceu de cabelos brancos e aspecto ancião.


(São Paulo, 1994)


Crônica de Paulo Bloise retirado do livro Do conto à crônica, série Literatura em Minha Casa, Volume 2 - Crônica e conto, Editora Salamandra, São Paulo, 2003, organização e apresentação de Heloisa Prieto.

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