sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Marcas que viram substantivos

Esse fato recebe o nome de metonímia. Trata-se de uma figura de linguagem que consiste no emprego de um termo por outro.


Um dos produtos mais populares no Brasil é a cola de cianoacrilato. Vendida em qualquer armazém, supermercado, papelarias, ela é facilmente encontrada em todas as residências do país. No entanto, poucos são os que a conhecem pelo seu nome, já que ela é comumente chamada de Super Bonder. Assim como no caso da poderosa cola, outros produtos tiveram o nome deixado de lado e são conhecidos pela marca por meio da qual são comercializados.

Entre os casos mais clássicos estão o bombril, que oficialmente se chama esponja ou palha de aço; a xérox (fotocópia), o chiclete (goma de mascar), o gibi (revista em quadrinhos), o cotonete (haste flexível), a gilete (lâmina de barbear), o modess (absorvente higiênico) e o band-aid (curativo). Alguns se tornaram tão populares que acabaram incorporados ao dicionário, como xérox (ou xerox, as duas grafias são aceitas), chiclete, cotonetes, gilete e gibi.

O fenômeno não é uma singularidade brasileira. Os espanhóis, por exemplo, também adotaram o nome cotonete. Para o professor de Língua Portuguesa José  Carlos Azeredo, do Instituto de Letras da UERJ, esse tipo de interação não empobrece nem enriquece uma língua. "A língua pode ter sempre o seu vocabulário expandido, já que a todo o momento surgem novas necessidades de expressão, elementos que precisam ser nomeados".

Em sala de aula, esse fato recebe o nome de metonímia. Trata-se de uma figura de linguagem que consiste no emprego de um termo por outro. Neste caso, o da marca pelo produto. Quando a marca se torna um substantivo, a metonímia gera também um neologismo (criação de nova palavra ou atribuição de novo sentido a um termo já existente). "A metonímia forma neologismos semânticos, que é quando a palavra já existia, mas ganhou um novo significado. Em nosso exemplo, ela já definia uma marca, mas depois passou a definir também o produto em si", explicou a professora Ieda Maria Alves, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da USP.

No mundo do marketing, tornar uma marca tão popular a ponto de ela designar o próprio produto é o que sonha toda empresa. Àquelas que atingem esse status, dá-se o nome de marca notória. "É quando os consumidores passam a chamar o produto pela marca predominante na categoria. A grande vantagem é a capacidade de memorizar de seu nome e o consequente esquecimento das concorrentes", afirmou o professor Marcelo Boschi, coordenador do curso de pós-graduação em marketing estratégico e especialista em marcas da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

Embora não haja uma fórmula, ele admite que, ao se criar uma marca, alguns fatores são levados em consideração na esperança de se criar uma nova metonímia. Evitar palavras difíceis de serem pronunciadas é um deles, assim como usar nomes curtos e utilizar o menor número de vezes possível as letras K, W e Y.


NEM SEMPRE UM BOM NEGÓCIO


Não há uma regra que defina quando uma marca vá ser aceita como substantivo pelo dicionário. Para o professor José Carlos Azeredo, o que vale é o bom senso. Já Ieda Maria Alves lembra um critério mais palpável. "Um bom parâmetro é quando a marca já forma derivados. De xérox, por exemplo, surgiu o verbo xerocar".

Recentemente, um representante legal da Google no Brasil queixou-se a uma revista semanal do uso do termo "googar" como sinônimo de "fazer uma busca na web". A própria Xerox não endossa o uso de sua marca para designar fotocópia, já que a empresa investe no nome como uma referência para diversos outros projetos na área de tecnologia. "A língua pertence aos seus usuários. Quando o uso de uma marca se consolida, não há como reverter", garantiu José Carlos.

Embora não haja como reverter esse processo, a história mostra que algumas marcas, antes tomadas como o próprio produto, regrediram com o avanço dos concorrentes. Esse é o caso de Brahma, que já foi sinônimo de cerveja (a palavra "brama", sem o H, ainda consta no dicionário como "qualquer tipo de cerveja", embora nenhum falante a use mais de forma tão abrangente) e de Omo, que já designou o próprio sabão em pó. Para Marcelo Boschi, a tendência é que não surjam mais tantas marcas notórias como no passado, já que atualmente é difícil um fabricante atuar por muito tempo sozinho no mercado. Um novo Super Bonder dificilmente surgirá.


Texto de Rafael Oliveira para a Revista (para saber e conhecer) Nossa Língua, n° 26, Junho de 2011, Duetto Editorial, São Paulo.

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