sexta-feira, 29 de março de 2024

Primavera em campo de batalha

Sozinho no bunker em longa vigília, pensava nas cerejeiras que agora estariam florindo nos campos da sua terra. Via-se deitado de costas sobre o chão pedregoso, debaixo da espuma branca em que as abelhas  zumbiam atarefadas enquanto o perfume escorria pelas encostas.

Perseguindo a lembrança, pegou o giz das anotações e desenhou uma branca flor de cerejeira sobre a parede de cimento. Depois outra. Mais outra. Outra ainda. Até o cinzento desaparecer, anulados na floração paredes e teto.

Deitado de costas sobre o cimento, debaixo daquela espuma branca, aspirou fundamente. Mas o perfume só lhe submergiu a cabeça quando, pela estreita seteira do bunker, começaram a entrar as abelhas.


Texto de Marina Colasanti retirado do livro Contos de Amor Rasgados, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1986.

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