quarta-feira, 23 de agosto de 2023

O homem e a água no ambiente rural

 O AMBIENTE RURAL E A SECA


Certamente o homem que vive no campo está muito mais sujeito aos caprichos da natureza que o habitante das cidades. Sendo as populações do campo mais rarefeitas que as populações urbanas, fica mais difícil e oneroso construir redes de abastecimento de água, devido às distâncias entre as moradias. O mesmo ocorre em relação à remoção dos esgotos e águas servidas em geral. Ambos os benefícios têm de ser providenciados individualmente, cada moradia deve ter o seu próprio poço e sistema de esgoto. Frequentemente vemos um sítio, distante de qualquer cidade, com luz elétrica, mas sem água tratada: é que a condução da corrente elétrica por fios metálicos é muito mais fácil e barata que a distribuição de água por tubos.

Mas, se por um lado as necessidades de água para uso doméstico no meio rural são bem menores que no meio urbano, por outro lado a lavoura e, indiretamente, a pecuária exigem disponibilidade muito maiores. Quando as chuvas não ocorrem com regularidade, é preciso instalar sistemas de irrigação para as plantações e pastagens, das quais depende o gado. A água para irrigação não é submetida a um processo de tratamento e desinfecção e, muitas vezes, corre por canais abertos (quando não há necessidade de elevação de nível por bombeamento), o que a torna mais barata. Porém, as quantidades necessárias são muito maiores - por área abastecida - do que no saneamento das cidades. E as áreas de plantio são, geralmente, gigantescas. Por causa das quantidades necessárias, há riscos ambientais graves, relacionados com os sistemas de irrigação.


OS RISCOS DE IRRIGAÇÃO


No Cazaquistão, em plena Ásia Central, e na Califórnia, na Costa Oeste dos Estados Unidos, dois exemplos podem ser citados para caracterizar o risco que se corre em não considerar o papel relevante que desempenham as águas do ponto de vista puramente ambiental.

O primeiro é representado pelo imenso Lago de Aral, que já foi considerado o maior lado do mundo depois do Mar Cáspio e, no entanto, está morrendo. Não só pelo recuo de suas águas (dos 80 mil km2 que possuía já perdeu 25 mil), como pelo aumento de sua salinidade, que já atinge 26g por litro, três vezes maior que antes. Antes do quê? Antes que se iniciasse um gigantesco programa de irrigação das terras da Ásia Central, que transformou um imenso deserto nos maiores campos de algodão, cereais e vinhas do mundo: uma área de 68 mil km2 de terras férteis! Mas a irrigação foi feita com a construção de canais que desviaram os rios Amudaria e Sirdaria, que contribuíam com mais de 50 milhões de m3 de água por ano para o Lago. A retirada dessa água vem causando não só o desaparecimento da pesca como da flora e fauna típicas do lago e até mesmo de terras vizinhas - e ainda severas alterações no clima local. A gazela do deserto e muitas outras aves também desapareceram. E não é só: a irrigação intensiva provoca o fenômeno da laterização, isto é, subida de sais para a superfície do solo, por evaporação excessiva, que aumenta a  salinidade e reduz a fertilidade. Fenômeno, aliás, muito comum nas terras do Nordeste brasileiro.


O CASO DO MONO LAKE


O Mono Lake, situado no interior da Califórnia, atrás das montanhas de Sierra Nevada, aproximadamente na mesma latitude de San Francisco, é um lago bem mais modesto, com apenas 170 km2, mas que há 50 anos já teve 220 km2. É que, dos seus tributários principais, quatro foram desviados desde 1941, para abastecimento e irrigação de áreas distantes, como San Francisco e Los Angeles. Esse lago já era salgado, em consequência dos altos índices de evaporação naquela região árida, com salinidade duas vezes e meia maior que o próprio Oceano Pacífico. Mesmo assim, possui uma flora e fauna típicas, perfeitamente equilibradas, que permitem a alimentação de um imenso número de aves migratórias e residentes durante o ano todo. O aumento de salinidade já ocorrido estava em vias de produzir drásticas reduções na produção de algas, o que levaria à eliminação progressiva de insetos, crustáceos e peixes, com consequente perda das aves. Os estudos realizados levaram o Departamento de Águas e Energia do Estado a reconhecer, em 1988, que o lago constitui um "recurso ambiental único, de valor significativo". Em 1991 e nos anos subsequentes, uma Corte da Califórnia estabeleceu que o lago deve ter a sua profundidade estabilizada, cassou as licenças até então concedidas para uso das águas da bacia e determinou o restabelecimento do regime de escoamento antes existentes nos quatro rios que haviam sido desviados.


POSSIBILIDADES NO BRASIL


No Brasil, como se sabe, existem enormes áreas em que, embora não ocorra um regime desértico verdadeiro, as chuvas mal distribuídas sugerem a utilização de sistemas de irrigação. No Nordeste são construídos açudes com essa finalidade, que retêm as águas dos períodos chuvosos para distribuição na seca. Muitos desses açudes se transformaram em lagos salgados, por falta de manejo adequado. A irrigação de áreas a partir do Rio São Francisco vem dando excelentes resultados, criando terrenos férteis, de grande produtividade, onde antes só se via caatinga. Os pôlders para plantio de arroz na bacia do Rio Paraíba do Sul têm sido bem-sucedidos, o que torna atraente investir nesse tipo de empreendimento. Mas tais iniciativas devem ser precedidas de estudos detalhados de solo e condições ecológicas, para que não se repitam aqui as situações desastrosas que ocorreram na Ásia e nos Estados Unidos.


Texto de Samuel Murgel Branco retirado do encarte "Água", publicado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.

domingo, 20 de agosto de 2023

O homem e a água no ambiente urbano

 A FUNÇÃO BIOLÓGICA DA ÁGUA


Se não contivesse água, o corpo de um ser humano adulto não teria mais que 60 cm de altura e pesaria cerca de 25 quilos. Mas isso seria completamente impossível, porque a água no corpo humano - assim como em outros animais e vegetais - não desempenha somente um papel estrutural, como componente obrigatório das células. Ela tem um papel relevante como veículo, no transporte de substâncias dissolvidas para dentro e fora do organismo e de todos os órgãos. Em virtude da extraordinária capacidade que possui, de dissolver todo tipo de substância, bem como sua incrível mobilidade, a água executa funções como elemento preponderante no sangue e na seiva dos vegetais. Na forma líquida, ela atravessa facilmente as membranas de todas as células, conduzindo substâncias na excreção ou, ainda, regulando a temperatura corporal através da transpiração, ou passando ao estado gasoso. O nosso hipotético ser humano de 25 quilos de peso viveria constantemente com febre.

A água é necessária não só em quantidade, mas com a qualidade adequada. Ela não pode conter substâncias dissolvidas que sejam estranhas ou que perturbem o bom funcionamento dos órgãos e células do organismo. E não pode transportar, em suspensão, micro-organismos patogênicos. Quando a água de um manancial não é adequadamente protegida, pode se tornar contaminada e transmitir várias doenças. Dizemos, então, que a água ficou contaminada. E de onde vem a contaminação?


O RETORNO DA ÁGUA


Depois de usada, a água retorna aos rios. Isso faz parte dos fenômenos cíclicos que caracterizam a natureza. O caminho de volta pode ser mais longo ou mais curto, mas é inevitável.

Até meados do século passado, as águas servidas das residências - especialmente as de uso sanitário - eram reservadas em poços ou fossas, no interior das casas. Daí eram periodicamente removidas para reservatórios públicos, denominados pelos franceses de voiries - essa função era executada pelos vidangeurs -, onde permaneciam secando até que a massa resultante pudesse ser utilizada na lavoura, como adubo.

A partir de 1847 ocorreu, na Inglaterra, uma grande reforma sanitária, promovida por Chadwick, um conceituado sanitarista. Essa verdadeira revolução constituiu, sobretudo, na obrigatoriedade por lei da ligação de todos os esgotos domésticos aos coletores urbanos, mediante a instalação da " descarga hídrica ", uma inovação tecnológica. Assim, os esgotos públicos, que até então eram destinados, exclusivamente, a receber as águas das chuvas, passaram a receber cargas enormes de matérias poluidoras, incluindo as matérias fecais dos sanitários. Era a inauguração da lei do tout à l'égout que, se por um lado representou um grande benefício, removendo as matérias contaminadas do interior das casas, por outro iniciou o processo de contaminação dos rios, e,  em pouco tempo, a situação ficou intolerável, não só na Inglaterra, mas em todos os outros países que logo seguiram o exemplo.

Na verdade, os seres patogênicos causadores de doenças como febre tifoide, cólera ou hepatite não surgem espontaneamente na água, como se supunha antes de Pasteur. Eles provêm de pessoas doentes, através das excreções. Em poucos anos, os rios da Inglaterra, da França, da Alemanha e dos Estados Unidos tornaram-se fontes de epidemias de cólera e febre tifoide que dizimaram populações. Somente com o desenvolvimento de técnicas de tratamento de esgotos, que passaram a ser obrigatórios nos vários países da Europa a partir de 1875 e, sobretudo, com a introdução do uso da cloração das águas de abastecimento, esse terrível flagelo pôde ser debelado.


PAPEL DO ESTADO X PAPEL DO CIDADÃO


Às vezes é difícil entender e aceitar a exigência de pagar impostos e tarifas pelo uso de recursos que a natureza coloca à disposição de todos. Pagar para beber água de chuva?

O princípio que rege o imposto é, na verdade, a outorga, ou transferência de responsabilidade do cidadão para o Estado. Isso é feito em favor de maior uniformidade, perfeição e segurança das soluções a serem dadas, principalmente nas questões de saúde, educação e segurança da comunidade. A obtenção de água de boa qualidade é uma delas. Em lugar de soluções individuais, de eficácia duvidosa e que, eventualmente, possam prejudicar o interesse e a segurança de terceiros, cada cidadão transfere ao Estado essa função, pagando pelo serviço executado.

Essa outorga pressupõe algumas coisas. Em primeiro lugar, que o Estado é suficientemente competente para executar a função da maneira mais eficaz e econômica. Além disso, que ele seja "bem-intencionado" no procedimento, seguindo sempre uma doutrina consensual, coerente com os anseios de prosperidade e de qualidade de vida da Nação. Cada cidadão tem a obrigação de cumprir com a sua parte no contrato social, que todos mantêm com o Estado e os demais cidadãos. Ele estará infringindo esse preceito se ligar na rede de águas pluviais - que lança, sem qualquer tratamento, as águas de chuvas ao rio mais próximo - os esgotos sanitários de sua residência ou indústria. Porém, da mesma forma, o Estado estará lesando a população se os esgotos da rede sanitária forem lançados diretamente em rios ou mananciais  potenciais - como, por exemplo, na Represa Billings, de São Paulo - prejudicando seu uso como local de lazer ou como reserva de água potável. Da mesma forma, o Estado não estará merecendo a confiança que a população lhe transferiu - mediante pagamento de impostos -, à tarefa de prover o ensino público, se este não for de boa qualidade.

 

Existe uma curiosa coincidência entre a quantidade de água existente no planeta e no corpo humano: 70%. 

Na criança pode haver mais, no velho pode haver menos. É a falta de água que enruga a pele. 

Qualquer perda tem de ser reposta e o organismo sinaliza através da sede. 

O homem pode ficar até 28 dias sem alimento, mas apenas três dias sem água.


Texto de Samuel Murgel Branco retirado do encarte "Água", publicado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.

sábado, 19 de agosto de 2023

Água

 "Porque os espelhos são rios os homens podem se reconhecer através das águas. Se algo os impede de chegar ao mar é porque homens já não há que os possam navegar."

(Arthur Werbeck)


A ÁGUA NA TORNEIRA


Abra a torneira e lave...

Difícil imaginar quanta história e quanto desenvolvimento técnico existe por trás desse simples comando. E quanta reação já houve à inovação. Conta-se, por exemplo, que quando o grande engenheiro Teodoro Sampaio projetou e construiu o primeiro sistema de distribuição de água na cidade de Salvador, o povo baiano, indignado, saiu às ruas com faixas contendo os dizeres: "Água de cano nós não bebe." E as instalações foram depredadas.

Ainda hoje se ouvem histórias de que as empresas de saneamento encontravam resistência à instalação da "água encanada". Muitos moradores que não contavam com o benefício relutavam e até reagiam energicamente quando intimados a fazer a ligação domiciliar no momento em que a rede de água era estendida até sua rua. Preferindo continuar usando o poço do quintal, assim como a população de Salvador preferia beber a água que comprava dos "aguadeiros" que perambulavam com burricos pela cidade.

Provavelmente a tarifa a ser paga no fim de cada mês era a principal razão da revolta. E há mesmo motivo para estranhar o valor tão elevado das tarifas. É que elas não se destinam apenas a cobrir os custos de uma pequena "correção" na qualidade natural da água do rio ou represa próximos, mas sim a tornar potável um caldo cheio de impurezas. Isso acontece pelo descaso que fazem tanto dos recursos hídricos quanto dos recursos naturais em geral.


COMO A ÁGUA CHEGA À TORNEIRA


É fácil: a água vem pelo cano. Difícil é fazer a água chegar ao cano.

Em primeiro lugar, é preciso que exista um manancial capaz de suprir toda a população da cidade a ser abastecida. E isso com folga, prevendo o crescimento natural da população. Frequentemente, para contar com a quantidade necessária de água em todas as épocas do ano, independente da ocorrência de chuvas, é indispensável construir uma barragem, que irá reservar águas das cheias para ser usada nas secas.

Em seguida, vêm as obras de captação, um sistema destinado a retirar a água do rio ou da represa criada pela barragem. O que pode ser muito simples, quando se tem sorte de encontrar um manancial localizado acima da cidade e a água pode escoar por gravidade. Caso contrário, será necessário construir um sistema elevatório, constituído de bombas de recalque no próprio local da captação - como acontece, por exemplo, no sistema que capta águas da Represa do Rio Grande, para abastecer o ABC, em São Paulo - ou distribuídas em pontos estratégicos da cidade. Muitas vezes um manancial que poderia ser captado por gravidade, situado a montante da cidade, é abandonado por estar muito poluído, em favor de outro, à grande distância e em ponto mais baixo, onerando extraordinariamente o custo da captação. Isso mostra que não é só o tratamento da água que encarece a tarifa quando não cuidamos da qualidade original dos rios.

A água captada tem de passar por tratamento, que se destina não só a remover substâncias nocivas e micro-organismos patogênicos, dando toda a segurança à saúde da população, como também garante o aspecto da água, eliminando sua turbidez, cor e cheiros eventuais. Caso contrário, a população vai preferir beber água de poço da nascente próxima, transparente e fresca, possivelmente povoada de vírus e bactérias transmissores de doenças como hepatite e febre tifoide. É evidente que esse tratamento, realizado por processos físicos como decantação e filtração, emprego de compostos químicos - como coagulantes, desinfetantes, adsorventes e outros - será mais complexo e caro, dependendo das impurezas existentes na água.

Finalmente, chega-se à fase de distribuição, realizada com auxílio de adutoras, tubulações, reservatórios de distribuição (caixas d'água dos bairros) e rede de pequenos tubos que levam a água até as casas.


É PRECISO PERSISTÊNCIA PARA A ÁGUA SAIR DO MANANCIAL, ENTRAR PELO CANO E CHEGAR ATÉ UMA TORNEIRA


O complemento necessário a tudo isso é um trabalho contínuo de conservação de equipamentos e tubulações, para que na quantidade necessária ao consumo da população e, principalmente, um serviço de vigilância, com a tomada de amostras em diversos pontos do sistema, diariamente, e análises físicas, químicas e biológicas realizadas em laboratórios altamente especializados, para garantir a qualidade sanitária da água consumida. E essa vigilância deverá ser tanto mais rigorosa - e onerosa - quanto mais impura for a água no rio ou represa de onde foi captada. Tudo isso está embutido na conta a ser paga.


QUANTA ÁGUA É NECESSÁRIA PARA O MEU CONSUMO?


Ninguém bebe muita água. No máximo, um litro por dia, talvez um pouco mais no verão. Mas uma quantidade muito maior é usada no preparo do feijão, da sopa, do macarrão. De dois a três litros por pessoa, ou dez a 15 litros por casa, por dia. Mas há o banho, que consome muito mais. E a lavagem dos pratos, das roupas, do carro, do quintal, do cachorro. E é preciso regar o gramado e os canteiros de flores ou de frutos.

O consumo é muito variável, dependendo do número de pessoas de cada casa, do tamanho do jardim, dos hábitos, da estação do ano. Há alguns anos, as autoridades britânicas estavam escandalizadas com um hábito muito tropical que alguns usuários londrinos estavam adquirindo. Diziam os especialistas: "Se a população começar a tomar banhos todos os dias, não haverá água que chegue..."

A quantidade mínima para assegurar condição sanitária com baixa probabilidade de contaminação patogênica é 50 litros por dia, por habitante. A média, entretanto, oscila entre 75 e 200 litros diários. Mas, na avaliação do suprimento de uma cidade, é necessário estimar ainda o consumo comercial - escritórios, postos de serviços etc - além dos jardins públicos, incêndios e outras necessidades. E ainda o uso industrial, que pode ser muito significativo. Tudo isso, somado e dividido pelo número de habitantes, resulta no consumo per capita da cidade, que para uma de grande porte é estimado em cerca de 500 litros por dia por habitante. E essa água deverá ter ótima qualidade sanitária, independente do uso que dela será feito. Mesmo a água usada para apagar incêndios ou regar os jardins públicos poderá ser bebida sem provocar doenças ou despertar repulsa.


Texto de Samuel Murgel Branco retirado do encarte "Água", publicado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.

Anjos Guardiães

Os anjos guardiães são embaixadores de Deus, mantendo acesa a chama da fé nos corações e auxiliando os enfraquecidos na luta terrestre.

Quais estrelas formosas, iluminam as noites das almas e atendem-lhes as necessidades com unção e devotamento inigualáveis.

Perseveram ao lado dos seus tutelados em toda circunstância, jamais se impacientando ou os abandonando, mesmo quando eles, em desequilíbrio, vociferam e atiram-se aos  despenhadeiros da alucinação.

Vigilantes, utilizam-se de cada ensejo para instruir e educar, orientando com segurança na marcha de ascensão.

Envolvem os pupilos em ternura incomum, mas não anuem com seus erros, admoestando com severidade quando necessário, a fim de lhes criarem hábitos saudáveis e conduta moral correta.

São sábios e evoluídos, encontrando-se em perfeita sintonia com o pensamento divino, que buscam transmitir, de modo que as criaturas se integrem psiquicamente na harmonia geral que vige no Cosmo.

Trabalham infatigavelmente pelo Bem, no qual confiam com absoluta fidelidade, infundindo coragem àqueles que protegem, mantendo a assistência em qualquer circunstância, na glória ou no fracasso, nos momentos de elevação moral e naqueloutros de perturbação e vulgaridade.

Nunca censuram, porque a sua é a missão de edificar as almas no amor, preservando o livre-arbítrio de cada uma, levando-as após a queda, e permanecendo leais até que alcancem a meta da sua evolução.

Os anjos guardiães são lições vivas de amor, que nunca se cansam, porquanto aplicam milênios do tempo terrestre auxiliando aqueles que lhes são confiados, sem se imporem nem lhes entorpecerem a liberdade de escolha.

Constituem a casta dos Espíritos Nobres que cooperam para o progresso da Humanidade e da Terra, trabalhando com afinco para alcançar as metas que anelam.

Cada criatura, no mundo, encontra-se vinculada a um anjo guardião, em quem pode e deve buscar inspiração, auscultando-o e deixando-se por ele conduzir em nome da Consciência Cósmica.

Tem cuidado para que te não afastes psiquicamente do teu anjo guardião.

Ele jamais se aparta do seu protegido, mas este, por presunção ou ignorância, rompe os laços de ligação emocional e mental, debandando da rota libertadora.

Quando erres e experimentes a solidão, refaze o passo e busca-o pelo pensamento em oração, partindo de imediato para a ação edificante.

Quando alcances as cumeadas do êxito, recorda-o, feliz com o teu sucesso, no entanto preservando-te do orgulho, dos perigos das facilidades terrestres.

Na enfermidade, procura ouvi-lo interiormente sugerindo-te bom ânimo e equilíbrio.

Na saúde, mantém o intercâmbio, canalizando tuas forças para as atividades enobrecedoras.

Muitas vezes sentirás a tentação de desvairar, mudando de rumo. Mantém-te atento e supera a maléfica inspiração

O teu anjo guardião não poderá impedir que os Espíritos perturbadores se acerquem de ti, especialmente se atraídos pelos teus pensamentos e atos, em razão do teu passado, ou invejando as tuas realizações... Todavia te induzirão ao amor, a fim de que te eleves e os ajudes, afastando-os do mal em que se comprazem.

O teu anjo guardião é o teu mestre e amigo mais próximo.

Imana-te a ele.

Entre eles, os anjos guardiães e Deus, encontra-se Jesus, o Guia perfeito da Humanidade.

Medita nas Suas lições e busca seguir-Lhe as diretrizes, a fim de que o teu anjo guardião te conduza ao aprisco que Jesus levará ao Pai Amoroso.


Retirado do livro Momentos Enriquecedores; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 2ª Edição, 2015.

sábado, 12 de agosto de 2023

Perseverar com Deus

Quando estiveres a ponto de sucumbir, dá-te outra oportunidade e chama por Deus.

No momento amargo da deserção, concede-te a esperança e ora a Deus.

No açodar da revolta, quando te encontrares a ponto de explodir, transfere o gesto louco e confia em Deus.

Diante da áspera ingratidão que te agride, sentindo-te enlouquecer, pensa em Deus e aguarda.

Desolado, em face das várias tentativas fracassadas, quando já quase não acreditas em nada e pretendes o aniquilamento da razão, intenta outra vez e espera a ajuda de Deus.

Se tudo em volta veste-se de escuridão e o dia claro já passou, substituído pela noite pavorosa do desalento e das mágoas, sentindo-te à borda da loucura, grita por Deus e acende uma débil chama para iluminar a treva.

Insiste, ainda, um pouco mais.

Não desistas com facilidade.

Faculta-te uma nova tentativa.

O deserto imenso é feito de grãos de areia em movimento.

A tempestade avassaladora se constitui de moléculas invisíveis que se aglutinam.

(...) E o Universo é o resultado de partículas infinitamente imperceptíveis que o amor de Deus reúne mediante as "leis de atração e repulsão" geradoras de equilíbrio.

Assim, os teus momentos difíceis de agora estarão transpostos logo mais, se souberes reunir as forças combalidas e perseverar na irrestrita confiança em Deus.


Retirado do livro Momentos de Coragem; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 8ª Edição, 2014.

sábado, 5 de agosto de 2023

O Aguilhão

Acusam-te, indevidamente, por ações que não praticaste.

Dificultam-te o acesso ao que aspiras, não disfarçando a animosidade gratuita contra ti.

Exigem-te um comportamento, que não logram manter.

Impõem-te atitudes que te afligem.

Carreiam, em tua direção, problemas e dificuldades que te esfalfam.

Em toda parte sofres pressão constritora.

Onde te encontres, surgem as provações, parecendo não te darem trégua.

Tens os nervos à flor da pele.

Estás a ponto de explodir.

Espera um pouco mais.

Ora e acalma-te.

Silencia, mantendo a confiança.

Quando as perseguições vêm de todos os lados, o socorro chega de cima.

Acoimado pelo desespero e perseguido sem descanso, não estás ignorado pelo Amor.

As tuas aflições de agora têm sua gênese no teu pretérito.

Ninguém é amado ou detestado sem motivo.

Certamente, revidar e perseguir, odiar e afligir, são expressões do primitivismo espiritual que desaparecerá oportunamente, mas, que ainda permanece no mundo.

Aqueles a quem infelicitaste antes, não têm o direito de tornar-se verdugo para ti agora. Todavia, preferem sê-lo, o que os faz mais desditosos.

A vida dispõe de mecanismos reeducativos para os seus defraudadores e pervertidos.

Os homens, porém, preferem a enganosa " justiça com as próprias mãos", ignorando aquilo a que se propõem fazer, pela triste limitação em que se encontram retidos.

Incapazes de ser justos, tornam-se perversos.

Impossibilitados de ser corretos, submetem os outros com impiedade.

Frios no sentimento do amor, que lhes é escasso, agem com indiferença ou maldade.

Também eles estão enganados e não passarão pelo mundo sem sofrer a própria imprevidência e pusilanimidade.

Dessa forma, não recalcitres contra o aguilhão, que é a dor benfazeja.

O que hoje parece impossível, amanhã está realizado.

O desafio de agora é tarefa concluída no futuro.

Há dois mecanismos eficazes para o progresso: o amor que sabe, e a dor que impulsiona.

Mediante o amor que se ilumina de conhecimentos libertadores, o Espírito cresce para Deus.

Quando este recurso demora de aparecer ou é deixado à margem, a dor se aninha no homem e, mesmo recalcitrante à sua presença, ela o domina, reeduca-o e eleva-o.

Recebe o teu aguilhão na "carne da alma" e avança, tornando-o menos afligente em face da resignação e do bem que dele decorrem.


Retirado do livro Momentos de Alegria; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 4ª Edição, 2014.

domingo, 30 de julho de 2023

Ante Paixões

A paixão é reminiscência da natureza animal predominante no homem.

Leva-o a tormentos inimagináveis, escravizando-o e dilacerando-lhe os sentimentos mais nobres.

Irrompe, violenta, qual temporal imprevisto, devastando e consumindo tudo quanto se lhe antepõe ao avanço.

Desafiadora, ensandece e fulmina quem lhe padece a injunção, deixando sempre destroços, quer chegue ao ponto de destino ou seja interrompida a golpe de violência equivalente.

Ela é a alma dos desejos incontrolados, vestígio do instinto que a razão deve conduzir.

Nesse estágio de primarismo, é o maior inimigo do homem, porque o asselvaja e domina.

Canaliza pela vontade disciplinada para objetivos elevados, transforma-se em força motriz que dá vida ao herói, resistência ao mártir, asas ao anjo, beleza ao artista e glória ao lutador.

Domina os teus sentidos mais grosseiros, corrigindo as más inclinações sob o comando da razão fixada em metas elevadas.

Transforma o fogo devorador que te consome em força que produza para o benefício geral.

Uma chispa descuidada ateia incêndio voraz, destruidor, enquanto as labaredas voluptuosas, sob controle, fundem e purificam os metais pata fins úteis.

Considera a paixão de Alarico, o conquistador impiedoso, e a de Agostinho, o libertador, seu contemporâneo...

Recorda a paixão de Nero, o dominador arbitrário, e a de Sêneca, seu mestre-escravo, a quem ele mandou matar.

A paixão de Herodes pelo trono e a de Jesus pela Verdade possuíam a mesma intensidade, somente que a canalização das suas forças era dirigida em sentidos opostos.


Retirado do livro Momentos de Meditação; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis, Livraria Espírita Alvorada Editora, Salvador, 3ª Edição, 2014.

quinta-feira, 27 de julho de 2023

Saber melhor quem é você

Eu te admiro à distância

Sou invisível pra você

Ouço falar das suas histórias

Seu mundo me parece encantador

Você me faz ganhar o dia 

E ver a vida bem melhor

Você me trás tanta alegria 

Seu mundo me parece encantador


Tenho vontade de te conhecer

Saber melhor quem é você

Meu coração ficou curioso

Eu não consigo mais te esquecer

Será que um dia a gente vai se ver

Será que um dia vou tocar você

Será que existe algum futuro

Será que você vai me conhecer


Meu coração bate tanto por você

Eu não consigo

Não consigo te esquecer

Meu coração está chamando agora

Agora é hora tudo pode acontecer


Vem aproveitar esse amor 

E desvendar meus segredos

Não temos tempo pra dor

Não há motivo pra medo


Música de Carla Gomes e Liminha gravada no primeiro CD dela intitulado O Tempo Sou Eu, em Produção Independente no ano de 2014.

quarta-feira, 26 de julho de 2023

A História de José

 Era uma vez um menino...

José.

José vivia numa cidade pequena, pequena.

A cidade não tinha rio.

A cidade não tinha mar.

Cidade triste, aquela cidade.


A cidade só tinha uma estrada.

Estrada grande, enorme, asfalto.

Passava caminhão cheio de carga.

Passava caminhão cheio de gente.

Passava carro cheio de meninos.

E José via.


Entrou ano. Saiu ano.

José cresceu.

Aprendeu a ler com dona Maria.

Aprendeu que lá longe, no fim da estrada...

Tinha outras cidades.

Tinha mar.

Tinha barco.

E até outros meninos tinha.


Já sabia ler o José.

Os caminhões passavam cheios de nomes.

São Paulo.

Minas Gerais.

Pernambuco.

Bahia.

"Meu caminho só Deus sabe".

Fé em Deus e pé na estrada".

"Flor do asfalto".

Aprendeu tanta coisa José.

Mas as coisas na cabeça de José eram complicadas.

Deus andava num avião a jato.

Os passageiros eram santos.

Os arcanjos cantavam fados.

E os anjinhos brincavam nas asas dos aviões.


Aprendeu coisas da vida José.

Aprendeu a pegar boi no laço.

-ÊÊÊÊÊÊ-BOIIIII-EÁÁÁÁÁÁÁ!

Montar cavalo no pelo.

Caçar bicho no mato.

Namorar na pracinha no domingo.

Jogar capoeira como ninguém:

- Água de beber, ê...

Água de beber, camarada.

O galo cantou, ô...

Cocoricou, camarada...


Mas a estrada...

A estrada chamava José.

Um dia José pegou suas coisas.

Mala pequena. Muda de roupa.

Pegou água. Pegou farinha.

Carne-de-sol pegou.

Falou com o pai.

Falou com a mãe.

Com os irmãos falou.

Fez festa no cachorro.

E lá se foi José.


Eu vi José subir no caminhão.

Eu vi a estrada levar José.

Rosto sério. Lenço branco.

Adeus José.


E nunca mais ninguém viu José.

Dizem que ele sumiu na cidade grande.

Dizem muitas coisas do José.

Que ele trabalha em construção.

Que faz arranha-céu alto, alto.

Dizem que ele é marujo, embarcado.

Dizem que ele é piloto de avião a jato.


Eu não sei.

Dizem até que ele está na corte de Dom Sebastião.

Que agora ele é nobre, tem brasão.

E que um dia ele vai voltar.

Cheios de tesouros e nobreza.

E que a cidade vai virar reino.

O reino de Dom Sebastião.

Eu não sei, não.

Mas se você encontrar José,

me faça um favor.

Diga que a gente continua esperando...

Na beira da estrada.

Que todo mundo quer ser nobre.

Usar capa e espada.

Ter brasão.

E viva Dom Sebastião!


Dom Sebastião (1554-1578) foi um rei de Portugal que morreu muito moço, na batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos. Mas seu corpo nunca foi encontrado. Após sua morte, Portugal passou ao domínio da Espanha, que duraria até 1640, e durante todo esse tempo, formou-se no povo português a esperança de que Dom Sebastião voltaria para estabelecer o Quinto Império português: uma espécie de Paraíso terrestre, que se estenderia pelo mundo todo. No Brasil, essa crença, chamada de "sebastianismo", estimulou movimentos  populares como o do Reino Encantado (1836/1838), em Pernambuco, retratado por Ariano Suassuna em seu Romance da Pedra do Reino (1971).


Texto de Sônia Robatto retirado do livro Meninos e Meninas, Coleção Literatura em Minha Casa, 4ª Série, Volume 2, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2003.

domingo, 23 de julho de 2023

Rubens, o semeador

Quando eu era menino, os professores da escola estavam sempre falando sobre a natureza, a importância de preservar as áreas verdes e os mananciais de águas, e a necessidade de se economizar energia.

Viviam lembrando a importância das árvores, pois são elas que purificam o ar, que preservam a umidade, que dão frutos e madeiras para a construção e para a indústria. Diziam que são as florestas e os bosques que equilibram o clima. Por isso é que cidades grandes que derrubam as matas em torno ficam muito quentes e têm clima irregular.

Eu sempre achava que isso não tinha nada a ver comigo, afinal eu nunca tinha feito nada que prejudicasse árvore nenhuma, nem nunca tinha quebrado um galho de árvore.

Mas um dia, minha mãe escolheu um caminho diferente para me levar à escola. Era um caminho mais longo, mas ela precisava passar por uma loja, para comprar uma coisa qualquer.

Então, nós passamos por uma rua que eu não conhecia. Era uma rua linda, cheia de árvores plantadas dos dois lados, uma alameda; e as copas das árvores se juntavam em cima, formando um túnel. Havia flores nas árvores e a rua estava toda perfumada. Debaixo das árvores a sombra era fresca e havia pássaros que se movimentavam entre as folhas.

Eu fiquei encantado:

- Mãe - eu disse -, que rua tão bonita! Deve ser de gente muito rica!

Minha mãe sorriu:

- Que nada, filho! É de gente como nós. Repare nas casas: são iguais às da nossa rua. O que faz esta rua tão linda são as árvores.

Eu voltei para casa pensando naquilo. E ainda pensei por muitos dias. A ideia de plantar uma árvore na nossa calçada não saía da minha cabeça. "Por que não? Não é tão difícil plantar uma árvore!", eu pensava.

Então fui falar com meu pai:

- Eu queria abrir um buraco na nossa calçada.

Meu pai ficou muito espantado:

- Buraco? De jeito nenhum! Nem me fale nisso!

Mas eu não desisti. Toda vez que meu pai estava distraído, eu vinha com meu pedido. Até que um dia ele perguntou:

- Mas afinal, pra que você quer fazer um buraco?

Eu então contei ao meu pai a história da rua, que era tão linda só porque tinha uma porção de árvores plantadas. E falei do perfume, falei dos passarinhos, falei como a rua era fresquinha.

Meu pai acabou achando graça, mas me avisou que aquilo ia dar um trabalhão, que não só eu iria precisar de gente que me ajudasse, como iria precisar de algum dinheiro.

- Você vai precisar de ferramentas, de tijolos, areia e cimento, vai precisar mudar toda a terra do buraco, que deve ser uma droga de terra cheia de pedra...

Talvez, se eu tivesse uma noção mais exata do trabalhão que ia dar minha empreitada, eu tivesse desistido. Não sei. Mas acho que não.

Naquele momento eu estava determinado a seguir em frente e plantar minha árvore.

Eu comecei por procurar, entre as ferramentas do meu pai, se havia alguma que se prestasse para o que eu queria. Encontrei uma marreta pequena e achei que se eu tivesse um outro instrumento que cortasse o cimento, a marreta poderia ajudar. Então, fui falar com seu Pedrão, que morava na esquina e era mestre-de-obras. Eu tinha certeza de que ele teria a tal ferramenta, que eu sabia que existia, mas da qual não sabia o nome.

Seu Pedrão, depois que eu contei a história toda, coçou a cabeça:

- Bem, a ferramenta eu tenho; se chama talhadeira. Emprestar eu posso. Mas você não tem força para fazer esse trabalho, Rubens.

- Mas eu Pedrão, será que o senhor me ensina como se faz? Eu vou fazendo aos pouquinhos - insisti.

Seu Pedrão respondeu que ia me ajudar porque quando ele era pequeno, ele quis criar um porquinho. E foi uma dificuldade, porque ninguém ajudou! Ele acabou tendo que dar o bichinho pra um primo, mas ficou sempre com aquela mágoa.

Então, no domingo cedo ele veio, me chamou e começou a me ensinar como é que se fazia, mas, pra falar a verdade, ele fez tudo sozinho.

Eu agradeci a ele, e ele me disse:

- Quando você puder, ajude alguém também.

Bom, aí eu tinha que tirar a terra do buraco.

Arranjei um balde da minha mãe, que ela não queria emprestar por nada, porque ela usava esse balde para pôr roupa de molho. Mas eu acabei convencendo minha mãe de que eu ia usar o balde só nos sábados e domingos e depois eu ia entregar para ela limpinho nas segundas-feiras.

Foi uma trabalheira horrível tirar toda aquela terra. Nem era tanta, mas tirar a terra do buraco, botar no balde e depois carregar para um terreno baldio que tinha na outra esquina deu um trabalhão! Eu não podia encher o balde todo, porque ficava muito pesado. Então, de cada vez, eu punha terra até a metade. Nem sei quantas viagens eu fiz, mas eu cheguei a fazer bolhas nas mãos. E depois que eu despejei uma porção de terra, apareceu o dono do terreno e disse que eu não pusesse mais terra e eu tive que arranjar outro terreno.

O pior é que quase ninguém acreditava que esse negócio fosse dar certo. E caçoavam de mim, achavam que eu era meio maluco.

O próximo problema er aonde é que eu ia arranjar uma terra boa para encher o buraco?

Eu custei um pouco para achar a solução.

Um dia, eu estava passando na casa da dona Rosa, que mora na outra quadra.

Ela estava plantando alguma coisa no jardim. Eu tive um palpite: se ela entendia de plantas, havia de entender de árvores também. E se ela gostava de plantas, tinha que gostar de árvores!

Eu puxei conversa com ela; foi meio difícil, que ela não era de muita prosa. Mas eu consegui contar a história da árvore, contei que precisava de uma terra boa, mas que não sabia onde encontrar.

Dona Rosa me olhou desconfiada:

- Quem mandou você aqui?

Eu fiquei muito espantado e até um pouco amedrontado com o jeito dela. Eu disse:

- Ninguém. Ninguém me mandou aqui. Por que é que haviam de mandar?

Dona Rosa levantou, tirou uma luva muito velha, que ela usava para cuidar das plantas, bateu com as mãos nas calças de brim, para tirar a terra.

Depois olhou para mim:

- Você sabia que eu preparo terra para jardins lá atrás?

Eu, na verdade, nem sabia que isso existia, que as pessoas preparavam terra para pôr nos jardins. Acho que eu convenci a dona Rosa da minha inocência, porque ela me convidou para entrar e me levou ao quintal.

Então ela me mostrou que lá no fundo tinha um buracão, onde ela jogava todo tipo de mato que tirava dos canteiros, folhas secas, restos de comida, capim, que ela ia buscar no terreno da esquina, e até serragem.

Cada vez que ela punha alguma coisa no buraco, ela tapava com terra.

E regava, de vez em quando.

Quando o buraco ficava cheio, ela cobria com mais terra e deixava que aquilo tudo virasse "terra de jardim".

Então ela me levou do outro lado do quintal e disse:

- Aqui eu tenho um daqueles buracos, que está aqui há tempos. A terra já está pronta para ser usada. Anda logo! Vá buscar o balde de sua mãe!

Eu saí correndo pra casa, com medo de que minha mãe não me emprestasse o balde. Mas minha mãe emprestou e eu agora já tinha um buraco, cheinho da tal terra de jardim.

O tempo foi passando e eu fui dando solução aos problemas que apareciam.

Mas eu não tinha mais tempo pra nada.

Saí do time de futebol, porque não podia mais treinar. Não fui à festa do Toninho, que era a melhor festa da rua, porque tive de ir buscar a muda do meu ipê amarelo na casa do tio Onofre, que tinha que entregar a muda naquele dia, porque ele ia viajar. Pois é, eu ia plantar uma muda de ipê amarelo, que é uma árvore linda que tem na casa do meu tio.

Meus amigos nem me chamavam mais para brincar, porque eu estava sempre encrencado com alguma coisa.

Tinha que arranjar dinheiro para comprar cimento para fazer o acabamento do canteiro, tinha que fazer um buraco no meio da terra que era boa que a dona Rosa tinha me dado para plantar minha muda...

E quando me disseram que eu não podia plantar nada na calçada, sem pedir licença à prefeitura? Aí eu quase desanimei. Ainda perguntei para uma porção de gente como era que se conseguia licença para isso, mas ninguém sabia. Cada um dizia uma coisa diferente.

Aí eu concluí que não era possível que uma coisa tão boa como plantar uma árvore não fosse permitida.

Aliás, hoje eu sei que não é permitido que se vá plantando árvores onde se quer.

Mas naquele tempo eu não quis nem saber. É verdade que eu conversei bastante com dona Rosa, e ela me disse que eu não devia plantar árvores que têm raízes muito rasas, porque as raízes podem quebrar a calçada.

Eu arranjei uma muda que meu tio disse que, além de ser muito bonita, não quebrava a calçada e plantei no meu buraco. Seu Pedrão me ajudou a terminar o canteiro; minha mãe me deu um regador novinho para eu regar minha muda.

Dona Rosa me disse quantas vezes por semana eu deveria regar a planta.

Eu ainda tive que rodar um bocado para arranjar a madeira para fazer uma cerquinha em volta do canteiro.

Acabei pedindo ao dono da quitanda que me desse umas caixas de frutas vazias.

Eu mesmo consegui serrar as tábuas com o serrote do meu pai. Algumas ficaram meio tortas, mas eu acabei conseguindo um número bom de tabuinhas.

Cerquei o canteiro com cuidado.

Mas as tabuinhas eram fraquinhas.

Então meu pai me deu a ideia de amarrar umas nas outras com um barbante bem forte.

Comprei o barbante com o restinho de dinheiro que eu tinha da minha mesada.

E arrumei as tabuinhas umas ao lado das outras, bem firme.

E finalmente, eu tinha minha árvore, plantada na minha calçada, bem regadinha e bem protegida.

Então eu e dei conta de que eu ainda precisaria esperar alguns anos até ver minha árvore crescida, copada, florida, cheia de pássaros.

Sentei-me numa mureta, em frente à casa do meu vizinho.

Comecei a olhar para a calçada e reparei que havia um grande buraco no cimento.

Fiquei olhando aquele buraco por algum tempo. Ele estava na beira da calçada, alinhado com o meu canteiro.

Então meu coração começou a bater mais forte.

Eu me levantei e fui bater na casa do seu Marcos, que era nosso vizinho.

Tudo isso aconteceu há muito tempo.

Eu hoje sou adulto, casado, tenho meus filhos, mas continuo morando na casa que foi do meu pai.

E quando eu abro a janela da frente e vejo a fileira de árvores que percorrem todo o meu quarteirão e continuam no quarteirão seguinte e no seguinte e no seguinte... quando vejo a passagem das estações, o tempo das folhas verdinhas, o tempo das flores, o tempo em que as folhas caem, os pássaros, as abelhas, os insetos... sinto-me feliz por ter feito o que fiz.

Pra falar a verdade, ainda faço. Depois que terminei de plantar a rua todinha, de um lado e do outro, estou ajudando uma turma de jovens que está plantando a praça do nosso bairro.

E lá atrás, no meu pequeno quintal, eu tenho um verdadeiro berçário de árvores.

Eu planto sementes que muitas pessoas me mandam e cuido delas até ficarem grandinhas. Aí eu dou para vários grupos que se formaram e que estão fazendo a mesma coisa que eu fiz.

Estão distribuindo árvores por toda parte, tornando nossa cidade mais saudável, mais bonita e, certamente, muito mais feliz!


Conto de Ruth Rocha retirado do livro Meninos e Meninas, Coleção Literatura em Minha Casa, 4ª Série, Volume 2, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2003.