- Bom dia. Eu sou o pai do Buscapé.
- Do Buscapé?
- Do Otávio.
- Ah, do Otávio. Pois não.
- Ele é um demônio.
- Eu sei. Quer dizer, não. Ele é um menino, vamos dizer, hiperativo.
- "Hiper" é pouco.
- Eu não acho que...
- Por favor. Não precisa se constranger. Eu sou o pai e sei. Ele é um demônio.
- É.
- E é sobre isso que eu queria lhe falar.
- Ele contou que eu gritei com ele na aula...
- Não, não. Isso ele nem nota. Está acostumado. É que a mãe dele está preocupada.
- Eu não me preocuparia. Todas as crianças são hiperativas nessa fase. O Buscapé... O Otávio só é um pouco mais do que as outras. A sua senhora não deve...
- Mas ela está preocupada com outra coisa.
- O quê?
- O Busca não para de ler.
- Não para de ler? Mas isso é ótimo.
- Desde que começou a ler, anda sempre com um livro debaixo do braço. Quando a gente estranha o silêncio dentro de casa, vai ver é ele não fazendo barulho. Está atirado no chão, soletrando um livro, muito compenetrado.
- Mas eu não vejo qual o problema.
- É a mãe dele que... Bom, ela sente falta.
- Do quê?
- Da agitação do Busca. Ela não está acostumada, entende? A ter um intelectual em casa. Outro dia até brigou com ele.
- Por quê?
- Ele estava quieto demais. Ela gritou: "Eu não aguento mais. Quebra alguma coisa!"
- Mas eu não entendo o que eu posso...
- Bom, se a senhora pudesse, sei lá. Não digo desencorajar o Busca. Só dizer que ele não precisa exagerar.
- Mas ele está descobrindo o mundo maravilhoso dos livros. Isso é formidável.
- É, só que a gente fica, não é?, com um certo ciúme.
Conto de Luis Fernando Veríssimo retirado do livro O Santinho, Coleção Literatura em minha casa, Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2001.
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