sexta-feira, 30 de outubro de 2020

A Prova do Gato

 O rapaz, moço, solteiro, rico, estava em seu apartamento de Copacabana, deitado no sofá, ouvindo jazz, quando tocaram a campainha; entrou em cavalheiro de 50 anos, muito bem vestido, que lhe apontou um revólver, logo depois de fechada a porta.

- Este revólver está carregado, mas não tenha medo, que estou com os nervos dominados. Porte-se como homem. O senhor é Fulano de Tal?

- Perfeitamente. Qual o problema? Por que esse revólver?

- Vamos com calma. Só quero umas informações.

- Não tenho nada com esse contrabando aí.

- Mas talvez tenha muito com outro tipo de pirataria. O senhor conhece a Conceição?

- Conheço várias.

- Estou falando da Conceição de Tal, morena, 28 anos, desquitada.

- Conheço ligeiramente.

- Diga a verdade, do contrário posso perder a paciência. Só estou aqui para saber a verdade, o resto não me interessa.

- Conheço.

- Muito bem.

- E a mim o senhor conhece?

- Não, nunca o vi mais gordo nem tão armado.

- Deixe de brincadeira: o senhor me conhece ou não?

- De nome.

- E de vista?

- Já o vi umas três vezes.

- Está melhorando. Sabe o senhor que não me casei até hoje com a Conceição por ter mulher e filhos? Mas que tenho com ela há mais de dois anos e três meses uma relação muito séria, muito honrada, muito digna? Sabe?

- Não tinha o prazer.

- Sabe ou não sabe?

- Sei mais ou menos.

- Mas pelo menos sabia da minha ligação?...

- Sabia.

- Preste atenção na resposta: o senhor esteve sábado no Copa com a Conceição?

- Estive. Fomos apresentados dois dias antes e fizemos boa camaradagem.

- O que o senhor chama de boa camaradagem?

- Me simpatizei amigavelmente com ela e a convidei para jantar.

- Só isto?

- Só isto.

- O senhor está mentindo. Minta outra vez, e eu sou capaz de perder a calma. Só isto?! O senhor depois não saiu de automóvel com ela?

- Bem, meu amigo, vou lhe dizer tudo.

- É o meu jeito. Meu problema é com ela; diga tudo e não se arrependerá.

- Às quatro horas da manhã saímos os dois de automóvel e demos uma volta até o Leblon.

- Beijos?

- Sim, beijos.

- O senhor tem certeza de que a Conceição é esta de que lhe falo?

- Certeza absoluta.

- Não há possibilidade de uma coincidência? Então, prossiga.

- Depois fui até o apartamento dela.

- Na rua tal, número tal, apartamento tal?

- Exatamente.

- Bem, mas isso não prova nada. O senhor até agora disse que deu um beijo na Conceição. Quero saber tudo. Escuta uma coisa: esse apartamento tem um tapete azul na sala?

- Tem um tapete azul, azul vivo.

- Ah, então deve ser ela mesma. E ela lhe mostrou um aparelho de alta-fidelidade?

- Mostrou.

- Foi presente meu. Que miserável! E depois?

- Depois... depois... ela me deu um drinque qualquer...

- Vinho do Porto?

- Isto mesmo: vinho do Porto.

- Tocou na vitrola um disco chamado This is Sinatra?

- Tocou... tocou... This is Sinatra...

- E depois?

- Bem, vai me compreender, mas eu acho que não é preciso contar mais nada...

- Pois vai contar tudo direitinho. Até agora o que houve entre o senhor e a Conceição foi um jantar e uns beijinhos. Além do mais, estou muito desconfiado de que se trata de uma amiga da Conceição, uma outra Conceição, de São Paulo. O senhor jura que ela não era paulista? Não tinha um certo sotaque?

- Não reparei.

- Porque a Conceição, a minha Conceição, me disse que ia subir para Petrópolis. Ah! Agora eu me lembro de um teste definitivo! Tinha lá um gato? Quando ela sobe, sempre leva o gato.

- Isto mesmo, um gato... Angorá, se não me engano.

- Certo, certíssimo, um gato angorá. Eu tenho ódio a esse gato! Um dia eu ainda mato aquele gato!

- O senhor tem toda razão: o gato fica pulando em cima da gente a noite toda.

- O pior é que fica miando... Já me arranhou todo... Ah, eu ainda mato aquele gato!... Boa-noite, cavalheiro. Eu vou matar aquele gato!...


Crônica de Paulo Mendes Campos retirada do livro As Eternas Coincidências, série Crônica & Conto, Literatura em minha casa, Volume 2, Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2003.

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