Era um velho que estava na família há noventa e nove anos, há mais tempo que os velhos móveis, há mais tempo até que o velho relógio de pêndulo. Por isso estava ele farto dela, e não o contrário, como poderiam supor. A família o apresentava aos forasteiros, com insopitado orgulho: "Olhem! Vocês estão vendo como 'nós' duramos?!"
Caduco? Qual nada! Tinha lá suas ideias. Tanto que, numa dessas grandes comemorações domésticas, o pobre velho envenenou o barril de chope.
No entanto, como era obviamente impraticável - a não ser em novelas policiais - deitar veneno nas bebidas engarrafadas, apenas sobreviveram os inveterados bebedores de coca-cola.
- Mas como é possível - lamentava-se agora tardiamente o pobre velho - como é possível passar o resto da vida com esses? Com gente assim? Porque a coca-cola não é verdadeiramente uma bebida - concluiu ele, - a coca-cola é um estado de espírito...
E, assim pensando, o sábio ancião se envenenou também.
Crônica de Mário Quintana retirada do livro Deixa que eu Conto, série Literatura em minha casa, Global Editora, São Paulo, 2003.
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