Joca acordou danado da vida.
- Droga de dor de dente!
Um dente de leite havia doído durante boa parte da noite, deixando o Joca sem dormir direito.
- Droga, logo hoje que é domingo, esse dente me amolando.
Mal havia levantado, sua mãe deu a primeira ordem do dia:
- Joca, vem me ajudar a limpar a cas!
Isso era costumeiro do domingo de manhã: sem escola para ir, sem tarefa para fazer, não tinha jeito de escapar.
- Pô, mãe, hoje não! Tô com uma baita dor de dente.
Meia hora depois, Joca ainda estava carrancudo, queixando-se da maldita dor de dente.
O pai, como fazia todos os domingos, chamou o filho para ir à feira.
- Vamos, Joca. Depois te compro um pastel de carne na barraca do chinês.
- Hoje não, pai.
O pai de Joca insistiu:
- Por que não?
- Tô com dor de dente.
- Tá doendo muito, Joca?
- Um pouco.
E o domingo continuou como tantos outros domingos da vida do Joca.
Vieram os amigos de sempre: primeiro o Tuta, chamando para soltar pipa no morro perto da escola.
Depois o Pepê, chamando para andarem de bicicleta na pista cross que eles mesmos fizeram.
Depois a Ritinha, chamando para um desfile de bandas na praça; o Daniel, chamando para brincar na casa dele; e o Juca, seu irmão, pedindo ajuda para limpar a casa do cachorro.
Nada. O Joca com dor de dente, amuado, com cara de poucos amigos, sem querer papo com ninguém.
- Vamos ter que procurar dentista ainda hoje. Esse menino tá muito jururu.
- Amanhã, mãe. Dá para aguentar até amanhã.
Depois veio o almoço. Almoço de domingo na casa do Joca é coisa fina: macarrão, carne, molho e muito catchup.
- Vem comer, Joca.
- Num quero.
- Vem comer só um pouco.
Joca não quis.
O pai, preocupado com o filho, mas não querendo estragar o domingo da família, levantou-se da mesa e sugeriu:
- Que tal a gente tomar sorvete na padaria Rainha do Pão Fresco?
- Oba! - concordaram todos.
Joca esticou os olhos, ainda borocoxô.
- Vamos, vamos.
E puseram-se a caminho. De saída, já na porta, a mãe do Joca, com o coração pequenino, vendo o filho ali adoecido, suspirou:
- Pena que você não pode ir, né, Joca? Sorvete faz mal pra dor de dente.
Assim é demais. Ninguém resiste!
O Joca, num segundo, pôs-se de pé junto ao grupo, meteu um sorriso novo nos lábios e disse:
- Já passou, mãe. A dor de dente já passou.
Conto de Edson Gabriel Garcia retirado do livro Treze Contos, série Conte Outra Vez, Atual Editora, 14ª Edição, São Paulo, 1988.
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