sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Dor de Dente

    Joca acordou danado da vida.

    - Droga de dor de dente!

    Um dente de leite havia doído durante boa parte da noite, deixando o Joca sem dormir direito.

    - Droga, logo hoje que é domingo, esse dente me amolando.

    Mal havia levantado, sua mãe deu a primeira ordem do dia:

    - Joca, vem me ajudar a limpar a cas!

    Isso era costumeiro do domingo de manhã: sem escola para ir, sem tarefa para fazer, não tinha jeito de escapar.

    - Pô, mãe, hoje não! Tô com uma baita dor de dente.

    Meia hora depois, Joca ainda estava carrancudo, queixando-se da maldita dor de dente.

    O pai, como fazia todos os domingos, chamou o filho para ir à feira.

    - Vamos, Joca. Depois te compro um pastel de carne na barraca do chinês.

    - Hoje não, pai.

    O pai de Joca insistiu:

    - Por que não?

    - Tô com dor de dente.

    - Tá doendo muito, Joca?

    - Um pouco.

    E o domingo continuou como tantos outros domingos da vida do Joca.

    Vieram os amigos de sempre: primeiro o Tuta, chamando para soltar pipa no morro perto da escola.

    Depois o Pepê, chamando para andarem de bicicleta na pista cross que eles mesmos fizeram.

    Depois a Ritinha, chamando para um desfile de bandas na praça; o Daniel, chamando para brincar na casa dele; e o Juca, seu irmão, pedindo ajuda para limpar a casa do cachorro.

    Nada. O Joca com dor de dente, amuado, com cara de poucos amigos, sem querer papo com ninguém.

    - Vamos ter que procurar dentista ainda hoje. Esse menino tá muito jururu.

    - Amanhã, mãe. Dá para aguentar até amanhã.

    Depois veio o almoço. Almoço de domingo na casa do Joca é coisa fina: macarrão, carne, molho e muito catchup.

    - Vem comer, Joca.

    - Num quero.

    - Vem comer só um pouco.

    Joca não quis.

    O pai, preocupado com o filho, mas não querendo estragar o domingo da família, levantou-se da mesa e sugeriu:

    - Que tal a gente tomar sorvete na padaria Rainha do Pão Fresco?

    - Oba! - concordaram todos.

    Joca esticou os olhos, ainda borocoxô.

    - Vamos, vamos.

    E puseram-se a caminho. De saída, já na porta, a mãe do Joca, com o coração pequenino, vendo o filho ali adoecido, suspirou:

    - Pena que você não pode ir, né, Joca? Sorvete faz mal pra dor de dente.

    Assim é demais. Ninguém resiste!

    O Joca, num segundo, pôs-se de pé junto ao grupo, meteu um sorriso novo nos lábios e disse:

    - Já passou, mãe. A dor de dente já passou.


Conto de Edson Gabriel Garcia retirado do livro Treze Contos, série Conte Outra Vez, Atual Editora, 14ª Edição, São Paulo, 1988.


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