domingo, 9 de outubro de 2022

A Vaca Estrela

    - Ufa, que barra! - exclamou dona Izaltina, diretora da escola. - Não adianta pedir ajuda para a prefeitura que nada vem. A escola está caindo e ninguém toma providência!

    - Escola de pobre num dá voto, né, dona Izaltina? - consolou uma das mães que estava sempre ali ajudando no que podia.

    - Quando será que isso vai mudar?

    Enquanto a mudança não chegava, o jeito era ir empurrando com a barriga, tocando a escola como dava, com meia dúzia de tostões furados recolhidos dos pais. Quando chovia, chovia tanto dentro quanto fora da escola. Todas as noites, faltavam lâmpadas, que se queimavam com muita frequência por causa da má qualidade da instalação elétrica. Os sanitários viviam entupidos e malcheirosos. O mobiliário arrebentado, as salas sujas e cheias de buracos. E junto com tudo isso, havia ainda o problema do mato e da grama em volta da escola.

    - Qualquer dia desses ainda vai surgir uma onça do mato.

    E olha que era quase verdade. Se não aparecesse onça, cobra até que seria bem possível...

    Dona Izaltina, desolada, explicava:

    - O que vocês querem que eu faça? Já pedi umas dez vezes e a prefeitura não mandou ninguém para podar o mato e a grama, nem resposta aos pedidos. Só se eu pegar a foice...

    Mas a situação foi se agravando: o mato subindo, a grama crescendo e todo mundo reclamando. Foi então que a diretora resolveu marcar uma reunião com pais e professores para dar um jeito no problema do mato e da grama. Reunião marcada, sempre as mesmas pessoas presentes, ela explicou, explicou a pediu ajuda, soluções, sugestões.

    - Falar com a prefeitura...

    - Não adianta. Cansei de pedir.

    - Pagar alguém...

    - Com que dinheiro? A APM não tem um centavo em caixa!

    - Chamar os pais para cortar a grama...

    A reunião pegou fogo: a turma que concordava com a ideia só concordava, mas nenhum deles podia nem sabia cortar grama e mato. Do outro lado, uma turma grande de pais e professores não concordavam de jeito nenhum, pois achavam que era obrigação do governo manter a escola em ordem.

    A coisa foi por aí e já estava quase virando bate-boca quando o Luizinho da 3ª série levantou a mão, perdido no meio da gritaria, e tentou sugerir:

    - A vaca Estrela pode ajudar, dona Izaltina.

    - Como?

    - Um avião?

    - Cavar o quê?

    - Estrela? O que o céu tem a ver com isso?

    - Vaga? Tá faltando vaga?

    Só quando o Luizinho falou e explicou pela terceira vez que o pessoal prestou atenção no garoto.

    A vaca Estrela. Minha vaca. Ela pode ajudar.

    - Como uma vaca pode ajudar, Luizinho?

    - É simples. Ela come muita grama. Come até mato, tudo o que aparece. Come tanto que o pasto lá do quintal da minha casa já está quase no fim.

    - E daí, Luizinho?

    - E daí eu posso soltar a vaca Estrela no quintal da escola que ela vai comer tudo, a grama, o mato...

    Silêncio.

    Silêncio total na reunião.

    Dona Izaltina, completamente surpresa com a ideia maluca do Luizinho, só conseguiu perguntar:

    - Você tem certeza de que ela come tudo?

    Luizinho respondeu no ato:

    - Certeza, certezinha, certezona, dona Izaltina. Ela come tudo o que vê pela frente.

    Foi um alívio geral. A sugestão foi aceita na hora, mais depressa ainda quando o menino garantiu que a vaca era mais mansa do que vaquinha de presépio.

    - E quando você traz a vaca Estrela?

    - Agora mesmo, se a senhora quiser!

    - Pode ir buscar, agora, Luizinho. Vamos dar um jeito nessa grama.

    Dona Izaltina agradeceu a presença de todos e todos se retiraram igualmente aliviados e sossegados, prevendo o fim da grama e do mato.

    A Zequinha da secretaria tentou mudar a opinião e a decisão da diretora:

    - A senhora não acha perigoso? A senhora não vai pedir autorização para trazer a vaca?

    - Autorização coisa nenhuma! Quero ver alguma autoridade aparecer aqui e falar qualquer coisa que seja. Eu boto a vaca em cima do primeiro que aparecer.

    Menos de meia hora depois o Luizinho apareceu com a vaca Estrela. Era uma vaca magricela, malhada, com cara de mansa, jeito de morta-em-pé e apetite de esfomeada. Deu até a impressão de que seus olhos brilharam quando ela viu tanta grama e mato.

    O fato é que a vaca Estrela do Luizinho deu conta do recado: em menos de um mês, além de engordar muitos quilos, ela acabou com a grama e com o mato da escola.

    Só que... como nada é perfeito no mundo... a vaca resolveu um problema e foi deixando outro. Você já imaginou qual? Pois é... nesse quase um mês em que ficou comendo grama e o mato, a vaca Estrela foi deixando por dia dois enormes montes de cocô pelo quintal da escola, espalhando um cheiro forte...


Conto retirado do livro de Treze Contos de Edson Gabriel Garcia, da série Conte Outra Vez, Atual Editora, 14ª Edição, São Paulo, 1988.

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