sexta-feira, 28 de outubro de 2022

História do Brasil

    E o Senhor disse:

    Agora criarei o mais estranho de todos os países. E ele será verde-amarelo e atenderá no concerto das nações pelo nome de Brasil. E ele nunca saberá com certeza o motivo de seu nome. Pois com o Brasil pretendo mostrar aos homens que os caminhos do Senhor são desconhecidos.

    E erguerei do barro um poeta que dirá: "O Brasil é uma república federativa com muitas árvores e gente dizendo adeus". E o Brasil viverá do improviso, que não é o vento do espírito, mas a mesmo força que dormia no caos, antes que a Terra fosse criada.

    E darei a esse povo um rei português, ocioso, gordo, incapaz e grande comedor de frangos, mas que irá criar as primeiras coisas importantes, a fim de que o povo do Brasil se acostume a não entender mais nada. E ao filho desse rei caberão duas missões: primeiro, inventar a juventude transviada; segundo, separar Portugal do Brasil. Depois disso, farei com que ele embarque para Portugal, onde será rei dos portugueses. Pois é preciso que o povo do Brasil receba com naturalidade aquilo que não tem explicação. Aí, eis que vou criar um terceiro rei. E esse deverá escrever os piores sonetos da língua portuguesa. E amará as línguas mortas. A fim de que se acrescente a confusão. Então, em uma transparente manhã de novembro, criarei de repente a república federativa com muitas árvores e gente dizendo adeus. A meu comando, um soldado triste bradará: "Viva a República!" E a república será vivada. E os barões serão os mais fiéis republicanos. E os republicanos derramarão lágrimas e escreverão muitas cartas com saudade do rei que escrevia sonetos. E a confusão será maior. E o brasileiro será o irmão do vento, que ninguém entende.

    E a esse povo darei o açúcar. Depois, por tortos caminhos, farei trazer do outro lado do mundo o café. Pois está escrito que o Brasil deve viver da mistura do branco e do preto, e da mistura do doce com o amargo, para que os escribas possam chamar esse país de terra dos contrastes.

    E criarei para o Brasil oradores eloquentes; a estes darei a ambição, mas não a sabedoria; e criarei uns poucos homens sábios; e a estes não darei nem a ambição, nem a eloquência. A fim de que as discussões se prolonguem e que o povo se perca pela boca dos oradores.

    E sobre grandes veios de ouro levantarei montanhas de ferro, mas o povo viverá da cultura da mandioca; e as bananeiras agitarão suas crinas nas tardes morosas dos quintais; e esse país imenso e despovoado só derramará sangue por causa de terras; e o brasileiro não saberá se Lampião foi um flagelo de Deus ou um ótimo sujeito, porque não entende a mais velha das contendas, que é a briga pela terra.

    E o povo amará a cachaça e o pastel; e inventará a cuíca e o samba; e bebendo cachaça, comendo pastel, tocando cuíca e sambando esquecerá que o Brasil é uma pobre república federativa com muitas árvores e gente dizendo adeus.

    Então, eis que, em uma ilha frígida, a fim de que os corpos se aqueçam, inventarei o futebol. E o tórrido Brasil amará o futebol acima de pai e de mãe. Então criarei a Copa do Mundo. E um dia o Brasil perderá esse galardão na última batalha, dentro de seus próprios muros, quando lhe bastaria o empate. Quatro anos depois caberá aos comunistas eliminar os brasileiros para que se aumente a confusão. E para que se aumente a confusão criarei uma comissão técnica que não entenda nada de futebol. E esta será bicampeã do mundo. E o tórrido Brasil, chorando de alegria, beberá muita cachaça, e comerá muito pastel, e tocará muita cuíca. Aí, eis que farei o Brasil perder o Tri, e a Taça, e a Alegria para Portugal. Pois assim está escrito

    Para que o brasileiro continue na sua confusão, irmão do vento, que ninguém entende.


Crônica de Paulo Mendes Campos retirada do livro As Eternas Coincidências, da série Literatura em minha casa - Crônica & Conto - Volume 2, Bertand Brasil, Rio de Janeiro, 2003.

Nenhum comentário:

Postar um comentário