domingo, 28 de janeiro de 2024

A gramática e o ensino de Língua Portuguesa

 ENSINAR LÍNGUA MATERNA NÃO DEVE 

SER SINÔNIMO PERFEITO DE ENSINAR GRAMÁTICA


A gramática é um instrumento eficaz para o ensino da Língua Portuguesa? Essa é uma pergunta que existe desde o surgimento dos primeiros materiais didáticos produzidos para a disciplina e que depois inspirou as reflexões arrebatadoras da Linguística. O termo gramática remete a uma palavra grega adaptada pelo latim que significa, inicialmente, a arte de escrever. Tal denominação parece ter se incorporado de tal maneira que até hoje temos um manual que prioriza a linguagem escrita. Sua função principal é servir ao registro e ao estudo de uma Língua, representados, principalmente, pelas vertentes das Gramáticas Descritiva e Normativa.


OS TIPOS DE GRAMÁTICA

A Gramática Descritiva se presta a registrar uma Língua em sua totalidade, considerando as variáveis recorrentes que fazem a regularidade da estrutura linguística. Tem como função, também, evitar o desconhecimento, por falta de documentação, de Línguas antigas, como no caso da gramática escrita por Panini para o Sânscrito, considerada a primeira gramática produzida pela civilização. É relativamente fácil registrar um idioma que já não é mais utilizado, pois este não sofre mais alterações. Mas documentar uma Língua que ainda é utilizada por pessoas que estão sujeitas às diferenças sociais, geográficas e econômicas é uma tarefa delicada.

A gramática utilizada nas escolas é denominada Normativa, ou seja, estabelece, como o próprio nome já diz, regras, leis para uma comunicação aceitável naquela Língua. Menos científico e mais pedagógico, esse tipo de manual se restringe a prescrever como se deve falar e escrever em nosso idioma. Encerrar em um manual todas as possibilidades comunicativas dos falantes de uma Língua é uma tarefa bastante complicada. Só o fato de registrar regras já se opõe a uma característica peculiar das Línguas: a mudança. Não há Língua imutável, ela é de domínio de seus falantes, de seu contexto social.


AS REFLEXÕES DA LINGUÍSTICA

A Linguística trouxe reflexões mais aprofundadas sobre o estudo das Línguas. Contrariando a crença gramatical da imutabilidade linguística, referenciou a importância do estudo diacrônico, ou seja, da evolução da linguagem verbal no decorrer do tempo. Contribuições ainda mais inovadoras foram apresentadas pela Sociolinguística, pela linguística textual, pelo funcionalismo, entre outros que, de certa forma, humanizaram e ampliaram os estudos dos fatos da Língua.

A tradição dita que as escolas devem ensinar obrigatoriamente a norma culta, a Língua padrão. Fugir a isso poderia prejudicar a imagem da instituição e, consequentemente, afastar seus clientes. O aluno chega à escola já dotado de um conhecimento linguístico, fruto de sua exposição às realizações linguísticas concretas de falantes de sua Língua materna. A escola, entretanto, descarta esse conhecimento prévio e tenta, de certa forma, reparar a Língua do aluno ingressante.

O ensino de Língua Portuguesa (e o de qualquer outra Língua) deve transpor as limitações fincadas pelo tradicionalismo, e o professor deve mediar a aprendizagem explorando o imensurável campo da comunicação verbal.


LÍNGUA X GRAMÁTICA

Ensinar Língua materna não deve ser sinônimo perfeito de ensinar gramática, há um campo muito vasto a ser explorado em nosso vernáculo. A Gramática Normativa tem o seu valor positivo, contanto que não seja tomada como verdade absoluta e incontestável. Por apresentar registros amplos sobre a Língua, pode servir de base para estudar fenômenos não citados oficialmente, mas que estão em pleno uso. É o caso do hipertexto, atualmente tão presente na sociedade, principalmente depois do advento globalizante da internet e que permite um uso não-linear e multissemiótico da linguagem.

O professor deve estimular uma necessidade natural de investigação linguística, lecionando com entusiasmo e discernimento para aceitar e respeitar as diversidades linguísticas de seus alunos, que se tornarão sujeitos mais conscientes de sua Língua materna e de maior competência para absorver mais plenamente o que é expresso em nosso vernáculo.


Texto de Cláudio Cavalcanti retirado da revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa, número 18, Escala Educacional, São Paulo, 2010.

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