sábado, 13 de janeiro de 2024

Vassoura atrás da porta

Uma das fórmulas aconselhadas para abreviar as visitas intermináveis é colocar a vassoura atrás da porta. Com a palha para cima e o cabo para baixo, ao inverso da posição em que é usada.

As informações vêm de todo o Brasil, porque ninguém ignora essa curiosa técnica com que os importunos são despedidos, ou obrigados a sair por uma força de impulsão mágica e livrar as vítimas de uma presença monótona e sonolenta.

Naturalmente os indígenas e os escravos africanos não conheceriam esse processo aliviador dos amigos insensíveis ao valor do tempo e menos ainda atendendo ao trabalho dos pacientes visitados.

Tivemos a vassoura de Portugal e com ela o complexo supersticioso ainda mantido. Expedir as visitas de permanência indefinida é uma dessas  funções simbólicas. Não há quem desconheça essa aplicação da vassoura em qualquer recante do Brasil.

Negros e amerabas varriam suas moradas, mas não sabemos se possuíam crendices decorrentes. No Brasil houve, ou ainda há no interior do Maranhão, uma Nossa Senhora da Vassoura.

Em Portugal verifica-se o mesmo hábito e de lá recebemos a crença em que muita gente acredita, além e aquém Atlântico.

Quando alguém encontrar uma vassoura atrás da porta, convença-se de estar presenciando um ato supersticioso com mais de vinte séculos de existência. J.A. Hild, estudando o deus Silvanus, e M.L. Barré, analisando as lucernas de Pompeia, permitiram que tomasse faro e rumo para identificação do costume, através da quarta dimensão. Identificar a origem.

Silvanus, divindade campestre na campanha de Roma, confundia-se com Faunus, para introduzir-se nas moradas campesinas e praticar pequenos e grandes malefícios e diabruras desagradáveis, como o nosso Saci-Pererê. Para afastar Silvanus, informa Santo Agostinho, três deuses rurais socorriam família ameaçada. Cada uma dessas entidades compareceria conduzindo um atributo de sua função profissional. Bastaria o dono da casa dispor em lugar bem visível os três objetos representativos dos três deuses, para Silvanus fugir e não voltar, tentando as proezas malandras. Esses objetos eram um machado, uma mão de pilão e uma vassoura. Como Silvanus vivia a vida selvagem, primitiva e rústica, déteste ces outils hostiles à son empire*. Pilão, machado e vassoura são utensílios denunciadores de uma organização social regular, normal e acima dos costumes errantes de Silvanus. Era obrigado a deixar esse clima, bem acima e irrespirável para suas narinas de bosque umbroso e roçaria deserta. Restava-lhe apenas a fuga, afirma Hild. M.L. Barré, citando esse Silvano doméstico, autor de visões noturnas, aterrador de crianças, "et l'on croyait paralyser l'influence funeste de cette divinité en mettant un balai en travers de la porte de la maison"**. Paul Sébillot registra a vassoura atrás da porta, atravessada e sempre invertida, espavorindo as bruxas na Baviera, Hesse, França, etc. Essas bruxas tinham, coitadas, recebido a herança romana de Silvanus.

Hild e Barré morreram, sem saber da existência dessa vassoura supersticiosa no Brasil contemporâneo.

Mas a origem, até prova expressa e convincente em contrário, é essa que tomei a liberdade de expor...


* odeia essas ferramentas hostis à seu Império.

** e acreditava-se que paralisava a influência nociva dessa divindade ao colocar ao colocar uma vassoura na porta da casa.


Texto de Luís da Câmara Cascudo retirado do livro "Coisas que o povo diz", Global Editora, São Paulo, 2009.

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