Proponho, como base inicial para as nossas discussões posteriores, que façamos uma diferença, pelo menos didática, entre a solidão entendida no sentido amplo e a que é considerada no sentido estrito.
No sentido amplo, solidão equivale a isolamento, e indica uma situação em que o indivíduo (ou grupo) se encontra separado de outras pessoas. Significa, portanto, simplesmente isso: que o processo de relacionamento se encontra prejudicado por causa do rompimento ou diminuição do contato humano com os outros. Para a reflexão que estamos fazendo, o aspecto mais importante do isolamento está no seu correspondente psicológico, isto é, na repercussão que produz dentro da pessoa que, percebendo-se isolada, é acometida pelo sentimento de estar sozinha.
Com relação ao próprio isolamento, convém fazer ainda outra distinção, dizendo que pode ser estrutural e funcional.
O isolamento estrutural é comum a todos os seres humanos. A pessoa o sente porque é um indivíduo diferente dos outros, possuindo a sua originalidade, suas características peculiares e uma existência específica e singular. Baseia-se, portanto, na própria natureza de cada um. Os seus pontos extremos se encontram no nascimento e na morte: nascemos sozinhos e sozinhos morremos. Podemos acreditar que, no útero materno, não tínhamos solidão porque estávamos intimamente unidos à nossa mãe. Começamos, porém, a senti-la na hora do parto, quando fomos separados e nascemos para o mundo. Não parece ser este um dos significados do chamado trauma do nascimento? Igualmente, na hora da morte, ficamos também sozinhos, ao sermos separados de tudo e de todos, que deixamos neste mundo. A morte é um momento de solidão absoluta, mesmo para os que creem em um novo retorno à vida ou para os que acreditam que a separação durante a morte é apenas passageira (porque iremos ao encontro de Deus e daqueles que já se foram antes de nós; com eles nos encontraremos na outra vida, para nunca mais ficarmos sozinhos).
Há também outra maneira, à vezes bem aguda, de sentirmos este tipo de solidão no sentido amplo, à qual estamos nos referindo com o nome de isolamento estrutural. É quando precisamos fazer escolhas e tomar decisões, sobretudo as que são mais relevantes para a nossa vida. Nesta ocasião, os outros podem estar conosco e ajudar-nos até certo ponto. Mas há o instante nevrálgico em que todos nos deixam e não podem mesmo ficar conosco. Sentimo-nos, então, sozinhos, porque, na verdade ninguém pode escolher e nem decidir em nosso lugar. E é exatamente por isso que somos livres e donos de nós mesmos, porque podemos escolher e decidir. Quando, para fugirmos à solidão, permitimos que, pelo menos em assuntos graves, os outros façam escolhas e tomem decisões por nós, perdemos nossa liberdade e, mesmo sem termos consciência disso, submetemo-nos indevidamente aos outros, tornando-nos seus escravos, sob algum aspecto, ao fazermos aquilo que eles querem que façamos.
Outra forma de solidão no sentido amplo é o isolamento funcional. Neste caso, são as características que determinam o seu aparecimento, e podem ser as mais variadas possíveis. Assim, podemos falar de solidão, por motivo espacial ou geográfico, de um responsável por um farol marítimo, que vive sozinho numa ilha distante; por motivo de usos e costumes, de uma pessoa idosa que vive num ambiente só de jovens; por motivo cultural, de um estrangeiro que acaba de chegar a uma terra alheia; por motivo de preconceito, de um negro que precisa viver numa comunidade de brancos racistas etc. O indivíduo também pode, por si mesmo, procurar o isolamento, a fim de refletir, estudar, meditar, orar, realizar certas tarefas, fazer planos de vida, revê-los etc. Pode, ainda, buscá-lo para devanear, para "curtir" alegrias ou tristezas, sucessos ou fracassos, melancolia, remorso, vingança, amor ou para expressar mágoa, ressentimento, para fugir de ambiente que considera aversivo ou hostil etc. São, pois, inumeráveis os motivos que colocam o indivíduo em solidão ou que o fazem procurá-la.
Quero lembrar, de passagem, que este isolamento funcional é sempre relativo para os seres humanos pelo menos no sentido de que somos impelidos pela própria natureza a procurar a convivência com nosso semelhantes; o que, na verdade, sempre fazemos. O termo não assume, portanto, conotações radicais de uma ausência plena e permanente de relacionamento, mas indica simplesmente que a interação foi reduzida, embora possa chegar, em certos casos, a grau infinito. Cortes absolutos de contato podem acontecer por motivos patológicos ou, eventualmente, em situações extraordinárias que se opõem à vontade do homem, como, por exemplo, a de uma pessoa perdida na floresta amazônica.
É bom, também, levar em consideração que a necessidade de relacionamento nos seres humanos, mesmo em casos normais, varia de uma pessoa para outra. Alguns sentem mais premência de buscar a companhia de seus semelhantes do que outros. Por isso, ninguém pode se transformar, para os outros, em padrão da quantidade ou qualidade de relacionamento dizendo, por exemplo: - Se eu fiquei sozinho nesta situação, e por tanto tempo, por que você também não pode ficar?
A solidão no sentido estrito não visa diretamente o relacionamento com outras pessoas, mas a experiência interior de abandono.
Para falarmos da solidão, no sentido amplo, encontramos um termo equivalente, um sinônimo, que foi isolamento. Agora, para nos referirmos à solidão no sentido estrito, só existe esta palavra mesma: solidão. Assim usaremos os dois termos num e noutro sentidos.
O que caracteriza a solidão é a consciência que o indivíduo tem de estar sozinho, mas acompanhado de um sentimento penoso de desamparo e de uma carência premente de alguém que lhe possa dar apoio. Portanto, a percepção de estar sozinho, o sentimento de desamparo e a necessidade de alguém formam os três elementos constitutivos da solidão, interpenetrando-se e misturando-se. A maneira de vivenciá-los depende de quem os experimenta e do momento em que os experimenta.
Texto de Franz Victor Rúdio retirado do livro Compreensão Humana e Ajuda ao Outro, Editora Vozes, Petrópolis, 1991.
Conferência de abertura do II Encontro de Psicologia do Vale do Paraíba, realizado na Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena, São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário