terça-feira, 24 de junho de 2025

Por que a solidão nos causa medo? (4)

Rollo May, em O homem à procura de si mesmo, faz esta afirmação: "Não há dúvida que em todas as épocas a solidão foi temida e as pessoas dela procuraram fugir." E acrescenta mais à frente: "A diferença é que em nossa época o medo da solidão é muito mais intenso e as defesas contra ele - diversões, atividades sociais e 'amizades' - são mais rígidas e compulsivas".

O que nos causa medo quando estamos na solidão?

Mais do que o sentimento de abandono e desvalia em que nos encontramos, parece que nos causa medo o fato de ficarmos entregues a nós mesmos. Quando isso acontece - ficarmos sozinhos conosco - podemos nos tornar uma companhia desagradável e amarga. Sem o controle sobre os nossos pensamentos e sentimentos, que a presença dos outros nos faz ter, podemos ser inclinados a várias atitudes negativas: ficarmos lembrando dos diversos aspectos de situação passadas que nos foram inconvenientes e dolorosas; tornamo-nos críticos e cruéis do que já sentimos e fizemos; cobrarmos de nós, de forma impiedosa e ameaçadora, o que deveríamos ter feito ou não ter feito etc. Podemos, ainda, reclamar, de modo obsessivo e renitente, de sermos vazios e ineptos, por não termos sido capazes de impor uma orientação mais segura à nossa vida, ou de não termos modificado em proveito próprio o mundo em que vivemos. E, assim, povoamos a nossa consciência - às vezes mais e outras menos intensamente - de problemas, acusações, culpas, remorsos, fracassos e frustrações.

É justamente este procedimento, de tratarmos nós mesmos com tal rigor, que é, no meu ponto de vista, a fonte de toda a solidão. Neste caso, sentimo-nos desamparados por nós mesmos e ansiamos por alguém que nos venha socorrer, dando-nos o apoio que não nos demos. Quando nos tratamos bem, aceitando-nos, não sentimos solidão (embora, neste instante, possamos chamar de solidão ao isolamento em que nos encontramos; mas este é, na verdade, outra coisa) ou, para dizer mais exatamente, encontramos apenas  momentos de leve solidão. Estes são inevitáveis, pois como o ser humano é limitado; ninguém pode estar sempre tão satisfeito consigo mesmo a tal ponto de nunca se condenar ou recriminar, mesmo de maneira despropositada.

O tratamento inadequado que o indivíduo dá a si, criando as condições que geram solidão, produz também uma ansiedade que afeta a sua autoestima. Para uma vida produtiva e satisfatória, todos nós precisamos da consideração dos outros e da nossa própria consideração. Ao destratarmo-nos, afetamos o nosso autoapreço. E Maslow diz que " satisfação da necessidade de autoapreço leva a sentimentos de autoconfiança, valia, força, capacidade e suficiência, de ser útil e necessário no mundo. Mas a frustração desta necessidade produz sentimentos de inferioridade, debilidade ou impotência, que, por sua vez, dão lugar a reações desanimadoras e, inclusive, compensatórias e neuróticas.

É sobretudo por isso que a solidão dá medo, ansiedade, pelas críticas despropositadas que podemos fazer a nós, atingindo, deste modo, a nossa autoestima, deteriorando em nós a "autoconfiança, valia, força, capacidade e suficiência", e alimentando aqueles "sentimentos de inferioridade, debilidade ou impotência" que corroem e arruínam a nossa personalidade. Assim, em última análise, o medo que temos da solidão é o de sermos destruídos psicologicamente por nós mesmos.


Texto de Franz Victor Rúdio retirado do livro Compreensão Humana e Ajuda ao Outro, Editora Vozes, Petrópolis, 1991.

Conferência de abertura do II Encontro de Psicologia do Vale do Paraíba, realizado na Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena, São Paulo. 

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