De modo geral, a Umbanda não considera os orixás que descem ao terreiro energias e/ou forças supremas desprovidas de inteligência e individualidade. Na verdade (e os africanos assim já o consideravam), os orixás são ancestrais divinizados, que incorporam conforme a ancestralidade, as afinidades e a coroa de cada médium. No Brasil, teriam sido confundidos com os chamados imolês, isto é, divindades criadoras, acima das quais aparece um único deus: Olorum (Olodumaré ou Zâmbi). Na linguagem e na concepção umbandistas, portanto, quem incorpora numa gira de umbanda não são os orixás propriamente ditos, mas seus falangeiros. Tal concepção está de acordo com o conceito de ancestral (espírito) divinizado (e/ou evoluído) vivenciado pelos africanos que para cá foram trazidos como escravos. Mesmo que essa visão não seja consensual (há quem defenda que tais ancestrais já encarnaram, enquanto outros segmentos umbandistas rejeitam esse conceito), ao menos se admite no meio umbandista que o orixá que incorpora possui um grau adequado de adaptação à energia dos encarnados, o que seria incompatível para os orixás hierarquicamente superiores.
Na pesquisa feita por Miriam de Oxalá a respeito da ancestralidade e da divinização de ancestrais, aparece, dentre outras fontes, a célebre pesquisadora Olga Guidolle Cacciatore (1997), para quem os orixás são intermediários entre Olorum, ou melhor, entre seu representante (e filho) Oxalá e os homens. Muitos deles são antigos reis, rainhas ou heróis divinizados, os quais representam as vibrações das forças elementares da natureza - raios, trovões, ventos, tempestades, água, fenômenos naturais como o arco-íris, atividades econômicas primordiais do homem primitivo - caça, agricultura - ou minerais, como o ferro que tanto serviu a essas atividades de sobrevivência, assim como às de extermínio na guerra.
Entretanto, e como o tema está sempre aberto ao diálogo, à pesquisa, ao registro de impressões, conforme observa o médium umbandista e escritor Norberto Peixoto, é possível incorporar a forma-pensamento de um orixá, a qual é plasmada e mantida pelas mentes dos encarnados. Nas palavras do médium,
Era dia de sessão de preto-velho, estávamos na abertura dos trabalhos, na hora da defumação. O congá "repentinamente" ficou vibrado com o orixá Nanã, que é considerado a mãe maior dos orixás e o seu axé (força) é um dos sustentadores da egrégora da casa desde a sua fundação, formando par com Oxóssi. Faltavam poucos dias para o amaci (ritual de lavagem da cabeça com ervas maceradas), que tem por finalidade fortalecer a ligação dos médiuns com os orixás regentes e guias espirituais. Pedi um ponto cantado de Nanã Buruquê, antes dos cânticos habituais. Fiquei envolvido com uma energia lenta, mas firme. Fui transportado mentalmente para a beira de um lago lindíssimo e o orixá Nanã me "ocupou", como se entrasse em meu corpo astral ou se interpenetrasse com ele, havendo uma incorporação total.
(...)
Vou explicar com sinceridade e sem nenhuma comparação, como tanto vemos por aí, como se a manifestação de um ou outro (dos espíritos na umbanda versus dos orixás em outros cultos) fosse mais ou menos superior, conforme o pertencimento de quem os compara a uma ou outra religião. A "entidade" parecia um "robô", um autômato sem pensamento contínuo, levado pelo som e pelos gestos. Sem dúvida, houve uma intensa movimentação de energia benfeitora, mas durante a manifestação do orixá minha cabeça ficou mentalmente vazia, como se nenhuma outra mente ocupasse o corpo energético do orixá que dançava, o que acabei sabendo depois tratar-se de uma forma-pensamento plasmada e mantida "viva" pelas mentes dos encarnados.
No cotidiano dos terreiros, por vezes o vocábulo orixá é utilizado também para guias e entidades. Nessas casas, por exemplo, é comum ouvir alguém dizer antes de uma gira de pretos-velhos: "Precisamos preparar mais banquinhos, pois hoje temos muitos médiuns e, portanto, aumentará o número de orixás em terra".
Retirado do livro Para Conhecer o Candomblé, de Ademir Barbosa Júnior, Universo dos Livros, São Paulo, 2013.
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