Toda revolução social é precedida por, ou traz consigo, uma mudança na percepção do mundo e/ou uma mudança na percepção do possível. Como não podia deixar de ser, essas novas maneiras de ver são, a princípio, consideradas como um contra-senso ridículo, ou coisa pior do que isso, pelo senso comum coletivo da época.
A revolução de Copérnico é, sem dúvida, o principal exemplo. Pensar que a Terra não era o centro do universo, que girava em torno do Sol e era parte de uma vasta galáxia, não era apenas absurdo, era uma heresia que solapava a religião e a civilização. Há também exemplos menos importantes. Era enorme absurdo pensar que organismos invisíveis, que ninguém podia ver, pudessem ser causa de doenças. A crença de que escravos não eram objetos para serem comprados e vendidos como gado, mas sim pessoas com plenos direitos humanos, não era somente um pensamento nocivo, contrário à História e à Bíblia: era também economicamente perturbador e perigoso. A noção revelada por uma fórmula matemática obscura de que a menor porção da matéria, o átomo, uma vez rompido, poderia libertar uma força incalculável, era evidentemente apenas um excêntrico rebento da ficção científica.
Entretanto, todas essas "ridículas" mudanças perceptuais alteraram a face e a natureza de nosso mundo. Foi o "senso comum" que passou a ser gradualmente ridículo.
Vejamos um exemplo corriqueiro da maneira pela qual esta mudança acontece. Era um fato perfeitamente óbvio para todos - e além disso apoiado pelas Sagradas Escrituras - que a Terra era plana, e aqueles que sugeriram que ela era esférica eram hereges perigosos. Mas, quando Colombo navegou para o Novo Mundo, sem com isso cair da extremidade da Terra, essa experiência real, essa evidência de que a concepção anteriormente aceita era um erro, forçou uma mudança no modo de se perceber a Terra. E essa mudança não ocorreu apenas na geografia. Contribuiu para uma reavaliação desse novo campo denominado ciência. Pôs em dúvida o papel do homem nesse contexto mais amplo. Questionou até mesmo a Bíblia, como enciclopédia de conhecimento factual. Abriu a mente humana a possibilidade até então desconhecidas. Levou a visões de continentes a serem descobertos e países a serem explorados. Alterou toda a estrutura perceptual de vida de homens e mulheres ficaram amedrontados e foram estimulados e transformados pela perspectiva. O impossível passou a ser possível.
Não foram as teorias relacionadas à terra que causaram tudo isso. Elas já existiam há muito tempo. A mudança foi forçada pela evidência de que as teorias tinham validade.
Parece-me quase do mesmo tipo, a evidência da eficácia da abordagem centrada na pessoa que pode transformar uma revolução, pequena e silenciosa, em uma mudança muito mais significativa, da maneira pela qual a humanidade percebe o possível. Estou próximo demais dos fatos para saber se este será um acontecimento menor ou maior, mas acredito que represente uma mudança radical. Como toda corrente que flui em torno das raízes da cultura, ameaçando minar-lhe as acalentadas concepções e os longos caminhos batidos, constitui uma força assustadora, força que, como de costume, choca-se com todo o peso do senso comum da cultura.
O que desejo fazer é comparar vários elementos do senso comum com as provas que os contradizem. Vou fazê-lo de modo bastante resumido, visto que a demonstração já foi apresentada neste livro.
É incorrigivelmente idealista pensar que o organismo humano é basicamente digno de confiança.
- Mas -
A pesquisa e as ações baseadas nessa hipótese tendem a confirmar essa opinião - até mesmo a confirmá-la com força.
É absurdo pensar que podemos conhecer os elementos que tornam o desenvolvimento psicológico humano possível.
- Mas -
Tais elementos têm sido definidos e identificados como condições de atitudes, medidos e demonstrados como eficazes.
É ridículo pensar que a terapia pode ser democratizada.
- Mas -
Quando o relacionamento terapêutico é igualitário, quando cada um assume a responsabilidade por si mesmo no relacionamento, o crescimento independente (e mútuo) é muito mais rápido.
É irracional pensar que uma pessoa com problemas possa melhorar sem o aconselhamento e orientação de um psicoterapeuta experiente.
- Mas -
Há muitas provas de que, em um relacionamento marcado por condições facilitadoras, a pessoa com problemas pode assumir a autoexploração e tornar-se autodeterminada, de maneira profundamente lúcida.
É perigoso pensar que indivíduos psicóticos podem ser tratados como pessoas.
- Mas -
Está provado que este é o caminho mais rápido pelo qual o psicótico pode servir-se de seu próprio problema como material a ser assimilado em seu crescimento pessoal.
É impreciso e ineficaz não controlar as pessoas.
- Mas -
Sabe-se que, quando o poder é deixado às pessoas e quando somos verdadeiros, compreensivos e interessados por elas, ocorrem mudanças construtivas no comportamento, e elas manifestam mais força, poder e responsabilidade.
Uma família ou um casamento sem uma forte autoridade reconhecida está fadada ao insucesso.
- Mas -
Demonstrou-se que, quando o controle é compartilhado, quando condições facilitadoras estão presentes, ocorrem relacionamentos importantes, saudáveis e enriquecedores.
Precisamos assumir a responsabilidade pelos jovens, visto que não são capazes de autogovernar-se. É estúpido pensar de outra forma.
- Mas -
Em clima facilitador, o comportamento responsável desenvolve-se e floresce tanto entre jovens quanto entre pessoas mais idosas.
Os professores precisam ter controle sobre seus alunos.
- Mas -
Confirmou-se que, onde os professores compartilham o poder e confiam em seus alunos, a aprendizagem autodirigida atinge melhores resultados do que nas classes controladas pelo professor.
Os professores precisam ser firmes, rigorosos na disciplina e severos na avaliação, se desejam que ocorra a aprendizagem.
- Mas -
Comprovou-se que o professor que compreende com empatia o significado que a escola tem para o estudante, que o respeita como pessoa e que é autêntico nos relacionamentos, promove um clima de aprendizagem efetivamente superior quanto aos efeitos, em relação ao professor que age de acordo com o "senso comum".
Os professores devem ensinar o que os alunos precisam saber.
- Mas -
A aprendizagem significativa é maior quando os alunos escolhem, dentre uma ampla variedade de opções e recursos, o que eles precisam e querem saber.
É óbvio que em qualquer organização deve haver um chefe. Qualquer outra ideia é absurda.
- Mas -
Tem sido demonstrado que os líderes que confiam nos membros da organização, que compartilham e difundem o controle e que mantêm comunicação livre e pessoal, conseguem melhor moral, organizações mais produtivas e facilitam o desenvolvimento de novos líderes.
Grupos oprimidos devem revoltar-se. A revolução violenta é o único caminho para os oprimidos obterem poder e melhorarem suas vidas.
- Mas -
A história confirma a opinião de que, mesmo se bem sucedida, a revolução simplesmente conduz a uma nova tirania que substitui a antiga. Uma revolução não-violenta, baseada na abordagem centrada na pessoa, e que dá poder ao oprimido, parece ser muito mais promissora.
Profundas rivalidades religiosas bem como rancores provenientes de preconceitos culturais e raciais não têm solução. É pura fantasia pensar que eles possam ser reconciliados.
- Mas -
O fato é que existem inúmeros exemplos em pequena escala para mostrar que melhoria na comunicação, redução da hostilidade e medidas para resolver as tensões, são de todo possíveis e se apoiam na abordagem experimental de grupos intensivos.
Um encontro ou um workshop precisam ser organizados por um ou mais líderes responsáveis. Qualquer outra maneira é irrealista e quixotesca.
- Mas -
Tem-se demonstrado que um grande e complexo empreendimento pode ser centrado na pessoa, do começo ao fim - em seu planejamento, desenvolvimento e resultados - e que tal concentração de pessoas, sentindo seu próprio poder, pode agir criativamente em novas e inexploradas áreas - resultado que não poderia ser conseguido por métodos habituais.
É óbvio que, em uma situação estritamente controlada com todo o poder concentrado numa elite, as pessoas sem poder não exercem nenhuma influência significativa.
- Mas -
Em uma situação quase perfeita de laboratório, os membros sem poder de um acampamento diurno, que vieram a respeitar sua própria força por serem tratados de maneira centrada na pessoa, mostraram-se extremamente poderosos.
Nos anos sessenta houve uma tendência a mudanças sociais de base, mas agora isto desapareceu. Somente um sonhador não reconheceria isto.
- Mas -
Cada vez mais pessoas, adeptas da abordagem centrada na pessoa aplicada à vida, estão se infiltrando nas escolas, na vida política, nas organizações, assim como estabelecendo estilos diferentes de vida. Estão vivendo novos valores e constituem um contínuo e crescente fermento de mudança social.
As pessoas não mudam.
- Mas -
Um novo tipo, com valores muito diferentes dos que constituem nossa atual cultura, está emergindo em número cada vez maior, vivendo e agindo de acordo com modos que rompem com o passado.
Nossa cultura está se tornando cada vez mais caótica. Precisamos voltar atrás.
- Mas -
Uma revolução silenciosa está se desenvolvendo em quase todas as áreas. Ela promete levar-nos em direção a um mundo mais humano, mais centrado na pessoa.
Texto de Carl R. Rogers retirado do livro Sobre o Poder Pessoal, Livraria Martins Fontes Editora Ltda., São Paulo, 1978.