Em nossa pesquisa nas Faculdades de Medicina das Universidades de Harvard e Brown, e em estudos colaborando com cientistas dos Estados Unidos e de outros países, nós três conhecemos diversos rapazes e homens "normais" sob outros aspectos que compartilham esses mesmos sentimentos de desajuste, falta de atração e mesmo insuficiência. Após entrevistar centenas de homens malhando em ginásios e academias, e compilando nossa experiência clínica coletiva com as outras centenas mais que vimos em nossos consultórios, aprendemos que homens como John, Alan, Bertrand e os três universitários representam um grupo amplo e crescente que se sente inseguro e ansioso - e mesmo paralisado - pela própria aparência. A sociedade está lhes dizendo agora, mais do que nunca, que seus corpos definem quem eles são como homens. Como eles acham impossível satisfazer esse padrão de supermachos, estão voltando sua ansiedade e sua humilhação para dentro.
Na superfície, a maioria dos rapazes e homens com os quais conversamos, assim como os milhões de outros homens como eles em todo mundo, levam o que parecem ser vidas regulares e bem-ajustadas. De fato, a grande maioria nunca sonharia em consultar um profissional em saúde mental. Mas por trás do sorriso, por trás das bravatas atléticas engraçadas, muitos desses homens preocupam-se com sua masculinidade. Alguns acham-se até clinicamente deprimidos e muitos são intensamente autocríticos. Como esses homens carregam um segredo que para eles é incômodo compartilhar até com as pessoas que mais amam, suas dúvidas sobre si mesmos podem tornar-se nocivas, devorando insidiosamente sua autoestima e autoconfiança como homens.
Na verdade, muitos desses homens, acreditamos, são apanhados em um duplo laço que nunca compreendem e do qual nunca conseguem escapar. Por um lado, estão cada vez mais cercados com imagens de perfeição masculina transmitidas pela mídia - não apenas aqui na academia, mas em cartazes, na televisão, no cinema. E se isso não fosse suficiente para fazê-los sentirem-se desajustados a respeito de seus corpos, são também bombardeados com mensagens de nascentes indústrias multibilionárias que capitalizam a sua insegurança corporal. Essas "indústrias da imagem do corpo masculino" - que comerciam suplementos alimentares, ajudas dietéticas, programas de boa forma, remédios para crescer cabelo e incontáveis outros produtos - agora tocam cada vez mais as preocupações dos homens, assim como indústrias análogas se aproveitaram durante décadas da insegurança das mulheres com a própria aparência.
Mas o problema se ramifica mais à frente. As mulheres, com o correr dos anos, aprenderam gradualmente - pelo menos até certo ponto - como enfrentar os ideais de beleza impossíveis da sociedade e da mídia. Muitas mulheres sabem agora reconhecer e verbalizar suas preocupações com a aparência, falando abertamente sobre suas reações a esses ideais, em vez de deixá-los fervilhar dentro de si. Mas os homens ainda trabalham sobre um tabu social contra a expressão de tais sentimentos. Homens de verdade supostamente não reclamam de sua aparência; teoricamente não se preocupam com essas coisas. E assim esse "tabu de sentir e falar" acrescenta a queda ao coice: em um grau sem precedentes na história, os homens estão sendo levados a sentir-se mais e mais desajustados quanto a sua própria aparência - enquanto simultaneamente são proibidos de falar a respeito ou mesmo admitir isso para si mesmos.
E assim, apanhados entre ideais impossíveis por um lado e tabus contra sentir e falar por outro, milhões de rapazes e homens estão sofrendo. Para alguns, as preocupações com a imagem corporal se degeneraram em distúrbios psiquiátricos definidos, arruinando as suas próprias vidas e não raro as vidas daqueles que cuidam deles e os amam. E para cada rapaz ou homem com um distúrbio de imagem corporal em grande escala, existem muitos mais portadores de casos mais brandos das mesmas obsessões corporais - não tão incômodas, mas ainda o suficiente para magoar.
Trecho do livro O Complexo de Adônis - A Obsessão Masculina pelo Corpo, Harrison G. Pope Júnior, Katharina A. Phillips e Roberto Olivardia, Editora Campus, Rio de Janeiro, 2000.
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