23 novembro 2025

A Galeria

Entro por um dos lados da galeria, mas não são as primeiras lojas as que mais me interessam, embora se trate de bons restaurantes, com suas vidraças forradas de cortininhas franzidas, por trás das quais bem me lembro do apuro das claras toalhas e dos brilhantes cristais.

Vejo a bela vitrina das modas; detenho-me a contemplar os brocados orientais, esse primor de tecelagem, com figuras, cenas, paisagens, que aparecem e desaparecem ora com fios de seda branca, ora em fios de seda cor de ouro. (Que mão se atreve a cortar um pano destes? Que obra de arte pode essa mão criar que seja superior a essa obra de arte?)

Vejo a pastelaria com sua variedade de pães, bolos, biscoitos, todas as combinações que os homens engendraram sobre o trigo e a simples e primitiva necessidade de se alimentarem. (Houve um homem, na minha raça, que se descobria diante do trigo ceifado. Alguém atreveu-se a perguntar-lhe, certa vez, por que assim fazia. E ele, reverente e sóbrio, respondeu-lhe, com o sucinto falar de seu tempo: "Porque o trigo é sagrado: sem ele não se celebra.")

Vejo a pequena loja de objetos vários; bolsinhas de petit-point, broches de porcelana, colheres de prata, lenços de seda, caixinhas; o dono da loja está sempre no mesmo lugar, sentado da mesma maneira, lendo um jornal (que espero não seja o mesmo), com a mesma expressão no rosto sereno. Entra-se para comprar qualquer coisa, ele atende, embrulha, dá o troco, volta para o mesmo lugar, continua a ler o que estava lendo, e é como se não tivesse acontecido nada. (Pensando bem, acontece alguma coisa em tais ocasiões, entre vendedor e comprador? Algum dos dois fica mais feliz? Ou tudo são ilusões trocadas, pequeno jogo que aprendemos e vamos repetindo, neste mundo de modestos deslumbramentos e precárias rotinas?) Enfim, o dono da loja senta-se da mesma maneira, retoma o seu jornal e é como se nada daquilo lhe pertencesse, nem se importasse que aparecesse qualquer freguês.

Mais adiante, ao contrário, é a loja surpreendente de um jovem cheio de entusiasmo e agitação. O que se vende? Vende-se tudo quanto a fantasia humana é capaz de inventar, e especialmente artigos para cotillon, curiosidades para dias de festa; chapeuzinhos de papel, charutos que parecem acesos, cartolinhas que apertadas de certo modo fazem saltar lá de dentro um coelhinho branco, binóculos que não medem mais de uns dois centímetros - sem falar em vistas transparentes sobre assuntos que podem ser dos mais inocentes, como o Monte Branco, até os mais perigosos, impróprios para menores e senhoras, e que estão separadas em outra caixa, para uma freguesia especial.

E assim prossegue a tranquila galeria. Uns param diante da vitrina de artigos fotográficos: - Que máquinas, que tripés! - inclinam-se, agacham-se, acocoram-se, enviam a todas aquelas peças olhares perpendiculares, transversais e creio que até mesmo elíticos; olhares que veem do outro lado das coisas e o interior das próprias coisas, que desmontam, aparafusam, atarraxam esses segredos mecânicos, engenhosos e sutis. E tudo para quê? Para fotografar este mundo, as pessoas e os objetos deste mundo, como se tudo devesse ser fixado, tudo merecesse perdurar, tudo tivesse uma parte de valor inesquecível; enfim, o seu instante divino e imortal.

Ah! Muita coisa se aprende, a caminhar por uma galeria de lojas tão diversas, de proprietários tão diferentes, e por onde os passantes - tão civilizados - são umas sombras silenciosas que, diante de cada vitrina, procuram compreensão, comunicação, interpretação entre os desejos que levam consigo e as múltiplas sugestões que aos seus olhos se apresentam.

No fim de tudo, e quando já é noite, no salãozinho à meia-luz, um pianista martela no seu piano verde monótonos ritmos intermináveis, a cujo som as belas senhoras jantam, pensativas, sem que se possa adivinhar o que, a cada uma, possa dizer cada nota.


Crônica de Cecília Meireles retirada do livro Ilusões do Mundo, Editora Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1976.

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