PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO
Este livro é o resultado de muitos anos de exploração, pesquisa e meditação acerca de uma dos mais urgentes problemas de nossos dias. A experiência clínica provou a psicólogos e psiquiatras que o problema central em psicoterapia é a natureza da ansiedade. Na medida em que fomos capazes de solucionar esse problema, demos um primeiro passo na compreensão das causas de integração e desintegração da personalidade.
Mas se a ansiedade fosse meramente um fenômeno de desajustamento, poderia muito bem ser consignado ao consultório e à clínica, e este livro à biblioteca dos profissionais. Entretanto, são esmagadoras as provas de que vivemos hoje a "era da ansiedade". Se penetrarmos sob a superfície das crises políticas, econômicas, comerciais, profissionais ou familiares, a fim de descobrirmos suas causas psicológicas, ou se procurarmos entender a Arte, a Poesia, a Filosofia ou a Religião modernas, defrontamo-nos de imediato com o problema da ansiedade em quase todos os quadrantes. O estresse e as tensões comuns da vida no mundo em mudança de hoje são tais que poucos - se porventura alguns - podem escapar à necessidade de enfrentar a ansiedade e de haver-se com ela de alguma forma.
Nestes últimos cem anos, por razões que se apresentarão nos capítulos seguintes, psicólogos, filósofos, historiadores sociais e outros estudiosos da humanidade, preocuparam-se cada vez mais com essa inexprimível e informe intranquilidade que persegue e acossa cada passo do homem moderno. Entretanto, durante todo esse tempo, que seja de meu conhecimento, apenas duas tentativas foram realizadas em forma de livro - um ensaio de Kierkegaard e um de Freud - para apresentar um quadro objetivo da ansiedade e indicar métodos construtivos de lidar com ela.
Este estudo procura reunir num só volume as teorias da ansiedade oferecidas por modernos investigadores em diferentes áreas da nossa cultura, descobrir os elementos comuns em todas essas teorias e formular esses conceitos de maneira que possamos dispor de uma base comum para novas investigações. Se a síntese da teoria da ansiedade aqui apresentada servir a finalidade de produzir certa coerência e ordem nesse campo, uma boa parte do meu objetivo terá sido alcançada.
É claro que a ansiedade não constitui meramente um conceito teórico abstrato; é-o tanto quanto para uma pessoa cujo barco naufragou a milhas da costa representa o fato de saber nadar. Um exame da ansiedade que não fosse orientado no sentido dos problemas humanos imediatos não valeria o tempo gasto em escrever ou ler. Por conseguinte, a síntese teórica foi testada pela investigação de situações reais de ansiedade e o estudo de casos selecionados, a fim de descobrir que provas concretas podem haver em apoio das minhas conclusões quanto ao significado de ansiedade e aos propósitos que esta serve na experiência humana.
Para manter este estudo dentro de limites controláveis, restringi o seu âmbito às observações de pessoas que são nossas contemporâneas em todos os aspectos importantes e, mesmo dentro desses limites, apenas a figuras sumamente significativas. São pessoas que representam a civilização ocidental como conhecemos por experiência própria, quer se trate de filósofos como Kierkegaard, psicoterapeutas como Freud, romancistas, poetas, economistas, historiadores sociais ou outros dotados de uma percepção profunda dos problemas humanos. Essas restrições, no tempo e no espaço, servem para colocar o problema da ansiedade em foco, mas nem por isso se deve aduzir que a ansiedade seja exclusivamente um problema moderno ou tão-somente um problema ocidental. Espero que este livro estimule pesquisas semelhantes em outras partes do campo.
Em virtude do vital interesse geral pelo tema da ansiedade, formulei as minhas conclusões de maneira que sejam claras não só para leitores profissionais, mas também para estudantes, cientistas sociais e leitores que buscam um entendimento psicológico dos problemas modernos. De fato, este livro é pertinente para as preocupações dos cidadãos inteligentes que sentem em sua própria carne as tensões e conflitos geradores de ansiedade do nosso tempo, e que a si mesmo se perguntam o significado e as causas dessa ansiedade e de que modo está poderá ser enfrentada.
Aos interessados num exame comparativo das modernas escolas de psicoterapia, este volume servirá como um compêndio conveniente, dado que apresenta os pontos de vistas de uma dúzia de líderes nesse campo. Não existe melhor forma de compreender essas várias escolas do que comparar as suas teorias de ansiedade.
Durante os anos em que estive trabalhando neste livro, minhas ideias sobre ansiedade foram apuradas e ampliadas por discussões com muitos colegas de profissão e amigos, numerosos demais par os mencionar aqui. Mas desejo expressar o meu apreço ao Dr. O. H. Mowrer, Dr. Kurt Goldstein, Dr. Paul Tillich e Drª Esther Lloyd-Jones, que leram o manuscrito em suas várias fases e discutiram comigo, ao longo de muitas e estimulantes horas, o problema da ansiedade nos campos que representam. Também sou devedor, pela ajuda direta e indireta neste estudo, ao Dr. Erich Fromm e outros colegas no William Alanson White Institute of Psychiatry, Psychoanalysis and Psychology (Instituto de Psiquiatria, Psicanálise e Psicologia William Alanson White). Uma palavra final de apreço é endereçada aos assistentes psiquiátricos e sociais na instiutição em que foram realizados os estudos de casos de mães solteiras. Esses colegas forneceram ajuda especializada na compreensão desses casos, embora - por razões óbvias - devam permanecer anônimos.
ROLLO MAY
New York, NY.
Fevereiro de 1950
PREFÁCIO DA EDIÇÃO REVISTA
Desde que a primeira edição deste livro veio a lume em 1950, verificou-se uma enorme soma de pesquisa e interesse na ansiedade. Em contraste com o fato de que somente dois livros foram escritos sobre ansiedade antes de 1950, grande número de volumes foram publicados no último quarto de século. E, em contraste com a meia dúzia de ensaios explorando o assunto antes de 1950, estimou-se que pelo menos 6.000 estudos e dissertações sobre a ansiedade e temas afins apareceram depois de 1950. A ansiedade saiu certamente da penumbra do gabinete profissional para a luz brilhante do mercado. Satisfaz-me o fato de que a publicação deste livro tenha instigado parte desse surto de interesse.
Mas, apesar de todos os esforços devotados por parte de pessoas talentosas, não conheço nenhum que afirme ter sido solucionado o enigma da ansiedade. O nosso conhecimento aumentou, mas não aprendemos como tratar a ansiedade. Embora o conceito de ansiedade normal, conforme proposto na primeira edição deste livro, tenha sido geralmente aceito em teoria, as suas implicações não foram enfrentadas. Ainda nos apegamos à crença ilógica de que "saúde mental é viver sem ansiedade". Parecemos ignorar que a ilusão de viver sem ansiedade revela uma percepção radicalmente errônea da realidade - um ponto que se tornou iniludivelmente claro em nossos dias de irradiação atômica e bomba de hidrogênio.
A ansiedade tem um significado. Embora parte desse significado possa ser destrutiva, uma outra parte pode também ser construtiva. A nossa própria sobrevivência é o resultado de medidas tomadas há muito tempo para fazer frente à ansiedade. Originalmente, o homem primitivo, como disseram Freud e Adler, experimentava ansiedade como um advertência da ameaça à sua vida pelos dentes e garras de animais selvagens. A ansiedade desempenhou um papel destacado no desenvolvimento da capacidade de nossos antepassados para pensar e da habilidade para usar símbolos e ferramentas que ampliassem seu alcance protetor.
Mas, em nossos dias, ainda vemos as nossas principais ameaças provirem dos dentes e garras de inimigos físicos, quando na realidade são predominantemente psicológicos e, na mais ampla acepção, espirituais - isto é, lidam com a inexpressividade. Já não somos presa de tigres e mastodontes, mas vítimas de danos infligidos em nosso amor-próprio, de ostracismo pelo nosso grupo, ou da ameaça de derrota na luta competitiva. A forma de ansiedade mudou, mas a experiência mantém-se relativamente a mesma.
A ansiedade é essencial à condição humana. Para dar um exemplo pessoal, sinto ansiedade antes de cada conferência que profiro, muito embora já tenha feito centenas delas. Certo dia, cansado de suportar essa tensão que me parecia tão desnecessária, e com a ajuda de uma forte resolução, tratei de me condicionar de modo a livrar-me de ansiedade. Nessa noite, estava perfeitamente descontraído e livre de tensão quando subi ao estrado. Mas proferi uma palestra medíocre. Faltavam-se a tensão, o sentimento de desafio, a excitação do cavalo de corrida no starting gate - aqueles estados de espírito e do corpo em que a ansiedade normal se manifesta.
O confronto com a ansiedade pode aliviar-nos (note-se a palavra pode e não o emprego do verbo em seu tempo futuro) do tédio, aguçar a nossa sensibilidade e garantir a presença da tensão que é necessária para preservar a existência humana. A presença de ansiedade indica vitalidade. Tal como a febre, atesta que uma luta está se desenrolando no interior da personalidade. Na medida em que essa luta prosseguir, é possível uma solução construtiva. Quando deixa de existir ansiedade, a luta findou e a depressão poderá sobrevir. Foi por isso que Kierkgaard sustentou ser a ansiedade o nosso "melhor mestre". Sublinhou ele, que sempre que uma nova possibilidade surgir, a ansiedade também aí está. Estas considerações apontam para um tópico que mal foi aflorado na pesquisa contemporânea, a saber, a relação entre ansiedade, por um lado, e criatividade, originalidade e inteligência, por outro. A Parte III deste livro, embora tratando brevemente desses tópicos, foi inteiramente reescrita para o presente volume.
Acredito ser necessária uma teoria ousada que englobe não só a nossa ansiedade normal e neurótica, mas também a ansiedade na Literatura, Arte e Filosofia. Essa teoria deve ser formulada em nosso mais alto nível de abstração. Proponho que essa teoria se fundamente na definição de que ansiedade é a experiência de Ser afirmando-se contra o Não-Ser. Este último é o que reduziria ou destruiria o Ser, como a agressão, fadiga, tédio e, em última instância, a morte. Reescrevi este livro na esperança de que a sua publicação ajude à formação dessa teoria da ansiedade.
É um prazer expressar a minha gratidão aos estudantes e colegas que me instigaram a proceder à revisão deste livro, uma tarefa que resultou consideravelmente mais gratificante do que eu esperava. Sou especialmente grato à minha colega de pesquisa, Drª Joanne Cooper, que me deu indispensável ajuda nas explorações bibliográficas sobre o assunto, assim como por suas penetrantes sugestões.
ROLLO MAY
Tiburon, Califórnia
Junho de 1977.
Textos de Rollo May retirado do livro O Significado de Ansiedade - As Causas da Integração e Desintegração da Personalidade, Coleção Psyche, Zahar Editores, Rio de Janeiro, Edição de 1980.
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