23 novembro 2025

Entrevistas Telefônicas

Antigamente, o repórter envergava a sua melhor roupa, lançava um olhar às unhas e à barba, examinava o dinheiro do bolso, e lá ia com o fotógrafo à busca de sua entrevista. Pensava no que ia perguntar. Estabelecia um plano, um esquema. Examinava o seu caderno de apontamentos. Riscava. Acrescentava. Creio que alguns ensaiariam mesmo a maneira de abordar o assunto. Pesariam as palavras. Para cada pessoa há uma espécie de diálogo. Cada diálogo tem seu vocabulário. O repórter, só com a escola da experiência, com seu senso de responsabilidade e a sua vontade de acertar, comparecia respeitosamente diante do seu entrevistado. E, no fim da conversa, prontificava-se a mandar-lhe o seu trabalho, antes de publicá-lo, para alguma correção necessária.

Um repórter assim parece criatura paleontológica. Mas alguns ainda estão vivos, pela vizinhança. Talvez apenas estejam aposentados ou tenham mudado de profissão, pois os tempos mudaram completamente.

Como os meios de transporte se tornaram impossíveis; e como todos somos tão ocupados que ninguém nos encontra com facilidade; como, além disso, nos tornamos tão inteligentes que podemos concentrar numa simples frase uma ideia sublime, capaz de desvendar mistérios, de transformar o mundo e mesmo atingir o universo em seus fundamentos, a reportagem pode ser feita com muito mais facilidade mediante uma ligação telefônica.

Assim, estamos nós mergulhados numa leitura inadiável, com o pensamento comprometido numa direção, e a voz mais gentil deste mundo pergunta-nos muito obsequiosamente se vamos ou não vamos ganhar o campeonato de futebol; o que pensamos dos amores de Elizabeth Taylor; quem deve ser indicado o homem do ano; se iremos à Luz no ano que vem; se as crianças devem ou não assistir a programas de televisão; se somos a favor ou contra a eutanásia; qual é a senhora mais elegante do mundo; se os mortos devem ser enterrados ou cremados; se a Princesa Soraia poderá vir a ser uma boa artista de cinema; se o melhor meio de ir para Niterói será a ponte ou o túnel; se as escolas devem ter um, dois ou três turnos; qual é a melhor maneira de acabar com o analfabetismo; se o morro do Querosene cai ou deve ser derrubado; se acreditamos que os macacos tenham possibilidade de falar; se os autômatos seriam uma solução para a falta de empregados; qual seria o maior poeta do mundo e quem deve ganhar o Prêmio Nobel; se haverá guerra no Oriente, e quando; se existem barras de ouro nos muros das casas de Ouro Preto; se o carnaval está mesmo acabando ou ainda vai durar alguns anos; se os homens sabem amar melhor que as mulheres ou vice-versa.

Então, nós, da nossa modéstia, na certeza de não sermos nem enciclopedistas, nem adivinhos, nem mesmo observadores internacionais, tropeçamos diante da voz tão amável. Como podemos responder? Quem sabe? É difícil dizer...

Mas a voz não é muito exigente. Uma palavra basta. Sim ou não... Qualquer coisa... Apenas para satisfazer a curiosidade dos leitores...

E então, que fazemos? Porque não se deve ser como uma porta fechada a quem bate e chama por nós, respondemos ao acaso. (Salvo os privilegiados, com presença de espírito, onisciência e genialidade telefônica.)

Mas na semana seguinte os amigos e conhecidos nos felicitam efusivamente. Estivemos formidáveis. Brilhantíssimos. Estupendos. É exatamente assim que eles pensam. E que clareza de resposta! Nítida. Concisa. Perfeita.

E temos até receio de ficar melancólicos. Como nos podemos confessar humilhados com essa perfeição?


Crônica de Cecília Meireles retirada do livro Ilusões do Mundo, Editora Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1976.

Nenhum comentário:

Postar um comentário