A sexualidade humana é uma dimensão da experiência social permeada por inumeráveis questões. Através dela, todo um universo de desejos, crenças e valores são articulados, definindo um amplo espectro do que entendemos como sendo a nossa identidade. Todavia, como veremos, esse jogo não se faz à margem da história; muito pelo contrário, ele se fabrica no intercâmbio de significados e contextos que ocorre entre o "eu" e o "outro", o "eu" e o "nós" e o "eles", enfim, acontece na troca reinterpretativa de significados e interações sociais e institucionais que criam posições sociais e, consequentemente, posições identitárias e políticas.
As sexualidades sempre participaram da estruturação das hierarquias sociais, fazendo parte do debate político. Vários historiadores e tratados bibliográficos que retomam os tempos históricos evidenciam a intensidade e os caminhos pelos quais as formas de sexualidade são e foram objeto de disputa, de controle social e individual, de emancipação ou violência contra a pessoa humana. O desafio deste livro é compreender como estas formas de significação da sexualidade se entrelaçam em um emaranhado visível e invisível no cotidiano de todos nós.
Uma vez que compreendemos que este debate é, por princípio, provisório e inacabado, apresentamos este livro que pretende introduzir o leitor em um conjunto de literaturas, pesquisas e debates que não só abarcam os temas relativos à sexualidade e à orientação sexual, mas também colaboram na construção de uma sociedade mais justa, dando visibilidade às formas de enfrentamento do preconceito sexual, participando ativamente do processo de democratização de nossa sociedade. Assim, nosso objetivo aqui não é discutir as homossexualidades como um fenômeno isolado, mas sim a relação entre homossexualidades e a inferiorização social a que muitas pessoas estão submetidas cotidianamente, do ponto de vista público e político.
Podemos afirmar então que discutir as sexualidades envolve mais temas do que podemos abordar neste espaço, motivo pelo qual faremos um desenho circunscrevendo as formas de orientação sexual em torno das homossexualidades e as questões políticas e identitárias envolvidas nessas relações privadas e públicas na sociedade contemporânea, já que é a partir da politização das sexualidades que podemos observar o preconceito e os enfrentamentos em torno da visibilidade e dos direitos homossexuais.
Este livro que ora apresentamos está articulado em seis capítulos que objetivam sustentar o argumento de que o preconceito, como um mecanismo social, colabora e produz formas subalternas de cidadanias e que o enfrentamento contra essas subalternidades exige um alargamento do campo do político.
O Capítulo 1 é a apresentação do argumento principal do livro ou o limite e a expansão do debate que ele enfoca. Introduzimos a discussão da homossexualidade no âmbito da política e, para tal, lançamos mão de dois conceitos fundamentais: o de política e o de identidade. Seu argumento principal é que a experiência homossexual tensiona os limites historicamente estabelecidos entre as experiências privada e pública nas sociedades atuais.
No Capítulo 2,para compreensão do lugar de subalternidade em que as homossexualidades estão inseridas, retomaremos os principais debates históricos sobre a diversidade sexual e alguns modelos de explicação da sexualidade humana. Serão apresentados alguns dos principais argumentos que posicionaram as homossexualidades no campo do debate público, seja científico ou moral. A partir daí, o leitor poderá seguir os nossos argumentos, os quais defendem que o preconceito é um instrumento importante na manutenção das hierarquias sociais. Em seguida, no Capítulo 3 apresentamos alguns fragmentos de importantes estudos sobre gays, lésbicas, travestis e transgêneros, que têm consubstancializado um campo de pesquisa e intervenção dos mais dinâmicos e criativos nas últimas décadas.
No Capítulo 4 explicitamos uma abordagem sobre o preconceito e a sua relação com a manutenção da subalternidade. Aqui a principal questão focada se baseia na ideia de que o preconceito, como um mecanismo psicológico e social, sustenta e é sustentáculo de formas de criminalização, classificação social e hierarquização das experiências da diversidade. No Capítulo 5 fazemos uma apresentação daquele que entendemos como um ator político fundamental no enfrentamento da inferiorização social a que homossexuais estão submetidos, além de ser, sem dúvida, um dos mais expressivos movimentos de enfrentamento do preconceito com relação à diversidade sexual: os movimentos GLBTs. Fazemos uma rápida apresentação da emergência deste ator político e das novas configurações político-culturais que, através da ação social de inúmeros grupos, organizações não-governamentais e movimentos sociais, se evidenciam atualmente como um importante agente de democratização do espaço público brasileiro. E, por fim, mas sem conclusões, indicamos uma lista de recursos para a continuidade dos estudos sobre as diversas problemáticas que envolvem atualmente as homossexualidades.
O leitor aqui não é só convidado a navegar pelas palavras e pensamentos dos autores, mas é também convocado a reescrever nossas posições, criticá-las e, portanto, dialogar conosco, pois o enfrentamento do preconceito e a democratização das hierarquias sexuais não se dão somente por consensos científicos ou aparatos legais, mas sobretudo pelo fomento de uma nova cultura política embasada na conscientização social dos indivíduos participantes de determinada comunidade política.
Texto retirado do livro Preconceito contra homossexualidades - A hierarquia da invisibilidade, de Marco Aurélio Máximo Prado e Frederico Viana Machado, Editora Cortez, Coleção Preconceitos, São Paulo, 2008.
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