Ao acordar, Oxalá não podia acreditar no que seus olhos viam. Estava tudo mudado. O mundo agora existia!
Onde antes não havia nada, viam-se campos, rios, mares. Plantas de todas as formas e tamanhos forravam o chão da Terra, peixes enchiam os mares de formas e movimentos, bandos de pássaros animavam os ares em revoadas coloridas e sonoras. A luz estava em todos os lugares. O Sol, no firmamento, iluminava o dia. E depois do dia vinha a noite, e com ela o escuro, quebrado pelo clarão da Lua e pelo cintilar das estrelas. Oxalá se comoveu com tanta beleza e se aqueceu no calor do universo recém-nascido.
De repente se deu conta: quem era o responsável por aquilo tudo, se ele dormira nas últimas horas? Procurou o saco da Criação e não o achou. Mais que depressa, Oxalá tratou de voltar à casa de Olorum. No caminho, ao passar pela encruzilhada, deu de cara com Exu terminando sua refeição, lambendo os beiços de prazer. Zombeteiro, Exu disse:
"Os inhames que ganhei de Odudua estavam soberbos. E você, meu caro irmão mais velho, apreciou o vinho-de-palma?"
Oxalá não precisou ouvir mais nada: fora passado para trás. Enganado por seu próprio orgulho e presunção.
Adetutu sentiu pena de Oxalá e resolveu lhe fazer companhia no caminho para o palácio de Olorum. Mas não lhe deu atenção, estava deprimido demais. Ou será que ele não percebia que ela estava ali, será que ela ainda não existia? Pensou a menina.
Na casa de Olorum, Oxalá foi duramente repreendido.
"Nunca mais beberá vinho-de-palma nem comerá nada que se extraia da palmeira de dendê", determinou o Ser Supremo, como castigo. "Nem você, nem nenhum de seus descendentes."
Oxalá estava arrasado, evidentemente, e não ousava olhar o Pai nos olhos. O Ser Supremo então disse:
"Ainda falta o mais importante no mundo. Eu pus na sua cabeça a semente de uma ideia que não pus no saco da Criação. Apesar de tudo, você é meu primogênito e há de ser lembrado como Oxalá, o Grande Orixá."
Oxalá sentiu que alguma coisa se mexia em sua cabeça. Então o Pai lhe disse:
"Vá e crie."
Oxalá partiu com destino ao mundo.
Olorum mandou chamar Exu e ordenou:
"Acompanhe seu irmão mais velho. Espero que desta vez ele não beba. E você, nada de trapaças."
Oxalá tratou de passar bem longe do dendezeiro. Compenetrado, sempre lembrando que dessa vez devia tentar ser humilde, Oxalá depositara na primeira encruzilhada, como presente para Exu, um cabrito, quatro galos, cebolas, azeite de dendê, sal, pimenta e noz-de-cola e outra de água fresca. Um verdadeiro banquete dos deuses, que Exu adorou.
Adetutu sentia que suas pernas e braços, seus pés e mãos, todas as partes de seu corpo, enfim, eram apertadas por várias mãos vigorosas, como se alguém a estivesse modelando, ajustando aqui, dando forma ali. Depois sentiu no rosto o calor de um sopro e ouviu palavras de ordem que a chamavam para a vida.
Oxalá estava criando o ser humano.
Conto de Reginaldo Prandi retirado do livro A Criação do Mundo - Contos e Lendas Afro-brasileiros, Editora Cia. das Letras / Editora Schwarcz, São Paulo, 2009.
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