sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Os porcos e a roça de mandioca

    De um galho da árvore, o garoto gritou: "Lá vou eu" e saltou. No rio, brincando e espirrando água para todos os lados, estavam outros garotos da aldeia Kamaiurá. O dia já amanhecera e o sol aparecia lentamente na linha do horizonte.

    Na aldeia, algumas pessoas ainda dormiam. A menina Kamavu se espreguiçava na rede, entretida com uma pequena fresta na parede da casa, que deixava entrar um feixe de luz amarelado. Sua mãe estava próxima do fogo preparando um bolo de mandioca chamado beiju. "Hoje vamos na roça arrancar algumas mandiocas", disse a mãe para a menina. "Acabe de acordar e venha comer um pedaço de beiju quentinho." Nas casas kamaiurá, que ficam lá no Parque Indígena do Xingu, come-se beiju o tempo todo: puro, com peixe assado ou ensopado ou com pimenta.

    Pouco depois os meninos voltavam do rio e um grupo de mulheres e crianças saía em direção à roça. As mulheres carregavam cestos vazios que voltariam cheios de mandioca. Antes de se embrenhar pela mata, resolveram passar pelo Posto Leonardo, onde há uma pista de pouso pela qual chegam os aviões trazendo funcionários da Funai, visitantes e remédios. No dia anterior tinham escutado o ronco do avião e as crianças, que estavam no Posto, correram para a aldeia contar da chegada de uma visitante. Alguns adultos tinham ido até o Posto e, à noite, toda a aldeia Kamaiurá já sabia que uma linguista chegara no avião e iria morar alguns meses com eles, para aprender a falar e a escrever a língua dos kamaiurá. Estavam curiosos para saber como era a estrangeira.

    Depois de parar um tempo no Posto e conhecer a visitante, o grupo de mulheres seguiu para a roça, comentando sobre os presentes que ela teria trazido. Lá chegando, ouviram os gritos das crianças: "Os porcos-do-mato comeram a nossa mandioca". Os kamaiurá fazem cercas em volta das roças para impedir que bandos de porcos-do-mato entrem e destruam o que está plantado. Mas desta vez os animais tinham derrubado um pedaço de cerca e comido boa parte das plantas e mandioca.

    As mulheres ficaram enfurecidas. Também, não era para menos. Há vários meses elas estavam trabalhando nessa roça. Primeiro os homens tinham vindo, na estação seca, para derrubar as árvores grandes que, ao tombarem, arrastavam as de menor porte. Eles haviam esperado que as madeiras e as folhas secassem e então atearam fogo. Quando as cinzas, os troncos e o solo esfriaram, as mulheres vieram e plantaram pedaços de mandioca na terra. Essa plantação era feita entre troncos e galhos que haviam sobrado da queimada e antes que começasse a época das chuvas.

    Antigamente os kamaiurá utilizavam machados de pedra e instrumentos de osso e madeira no trabalho da roça. Após o contato com os brancos, este objetos foram pouco a pouco sendo substituídos por instrumentos de metal, como o facão, o machado de ferro e a enxada. Isso facilitou o trabalho na roça, que mesmo assim continua a ser árduo e a exigir muito esforço. Era por isso que as mulheres estavam tão zangadas. Queriam voltar para a aldeia e mandar seus maridos caçarem aqueles porcos comilões.

    Trataram de arrancar as mandiocas que haviam sobrado, enchendo seus cestos. Algumas aproveitaram para pegar um pouco de fumo e algodão que elas também cultivavam. Aquela era uma roça recente e as mulheres continuariam plantando ali por mais alguns anos antes de abrirem uma nova. As mais práticas trataram de arrumar a cerca destruída, para que os porcos não invadissem de novo. Na volta à aldeia, passaram outra vez pelo Posto e contaram a todos o que havia ocorrido. O chefe de posto da Funai, a pedido das mulheres, emprestou espingardas para um grupo de homens, que no final da manhã partiu para a mata em busca dos porcos.

    O sol estava forte por volta do meio-dia e o pátio da aldeia Kamaiurá, deserto. Nem mesmo as crianças se aventuravam a sair de suas casas. Mas, à medida que a tarde chegava, o zunzum das conversas foi crescendo. Na casa da menina Kamavu as mulheres acabavam de decidir que iriam fazer moitará com as mulheres de uma outra casa. Queriam quebrar a monotonia da tarde e esquecer as mandiocas que tinham sido comidas pelos porcos.

    Sem muitos preparativos, cada mulher apanhou um ou dois objetos e se dirigiu para a casa escolhida para fazer o moitará. Entraram todas sem cerimônias e foram logo se sentando no chão. As mulheres da casa visitada se juntaram a elas. Uma visitante iniciou o moitará depositando uma cuia no chão. Esta foi pega e examinada por todas as mulheres da casa. Uma delas se interessou e colocou como oferta um pente. O pente foi então examinado pelas mulheres do outro grupo e retirado do chão. Estava concluída a troca. Um outro objeto era posto para avaliação. O entusiasmo das mulheres crescia com o volume de bens colocados no chão e que circulava pelas suas mãos. A troca só se encerrou quando os artigos trazidos pelas visitantes acabou, e elas então retornaram para suas casas. Mas, a bem da verdade, o moitará ainda não tinha terminado. Agora era a vez das mulheres da casa visitada irem à casa das que haviam iniciado o moitará. Lá começou uma nova rodada de trocas. Alguns homens, que não tinham saído para caçar, acompanhavam de longe a algazarra das mulheres. Eles também realizaram moitará, quando um grupo de homens de uma casa decide trocar coisas em outra casa. Já começa a escurecer quando um grupo de homens entrou no pátio da aldeia. Tinham vagado pela mata seguindo as marcas deixadas pelos porcos. O pai de Kamavu estava contente: tinha conseguido abater um porco, que agora seria repartido entre seus parentes.

    À noite, em volta do fogo, enquanto comiam os beijus preparados com as mandiocas que haviam sobrado com pedaços de carne de porco, homens e mulheres daquela aldeia Kamaiurá comentariam sobre o estrago feito pelos porcos na roça, sobre a caçada da tarde, a chegada da linguista e as trocas realizadas durante o moitará. Tudo isso daria muito o que falar.


História de Luis Donisete Grupioni. Retirado da revista Nova Escola, Dezembro de 1992. Fundação Victor Civita; Editora Abril.

Essa história foi baseada no livro Os Índios de Ipavu, de Carmen Junqueira, Editora Ática, São Paulo, 1978.

Nanã-Buruku

Considerada o orixá mais antigo do mundo, Nanã-Buruku tem ligações com o lado feminino dos criadores da Terra.


    De origem daomeana, Nana foi incorporada há séculos pela mitologia iorubá, quando o povo nagô conquistou o povo da região de Daomé, assimilando sua cultura e incorporando alguns orixás dos dominados à sua mitologia.

    Nanã está associada aos mitos e lendas sobre a criação da Terra, sendo precursora de todos os deuses que têm o poder de gerar vida. Por ser um dos primeiros orixás criados por Olodumaré, é caracterizada como uma anciã ou uma avó.

    Segundo a tradição, ela existe desde tempos remotos anteriores à descoberta do ferro e, por isso, em seus rituais não devem ser utilizados objetos cortantes de metal. Nunca deve ser invocada sem um motivo muito forte, pois é um orixá muito poderoso e de tendência devastadora quando provocado.

    Nanã pode ser considerada o lado feminino dos criadores do mundo, pois é conhecida como a "Grande Senhora" das terras molhadas e fecundas, com a qual foram criados todos os seres. Ela reina na lama - que criou a vida na Terra - nos pântanos e nas águas paradas. Ao mesmo tempo em que dá a vida, faz com que as criaturas retornem ao seu elemento de origem para depois renascerem na terra, representando assim o ciclo da vida e da morte.

    O termo Nanã significa raiz, aquela que se encontra no centro da terra. É considerada uma figura controvertida do panteão africano: em alguns momentos é perigosa e vingativa, em outros se sente relegada a um segundo plano, guardando ressentimento pela situação.

    Narra a lenda que, em sua passagem pela Terra, Nanã desprezou seu filho primogênito com Oxalá, Obaluaê, por ter nascido com diversas doenças de pele, abandonando-o na praia. Iemanjá o encontrou quase morrendo, cuidou dele e o criou como filho. Quando Oxalá soube do que Nanã havia feito, condenou-a a ter mais filhos, que nasceram anormais (Ossain, Oxumarê e Ewá), e ordenou que vivesse num pântano sombrio e escuro.

    Nanã é a deusa do reino da morte, sua guardiã, que recebe os mortos os acalenta e aquece, repetindo a vida intrauterina para um posterior nascimento.

    Nanã Buruku é conhecida no Brasil como a mãe de Obaluaê e é sincretizada com Sant'Ana. Seus colares são de cor branca com listras azuis. Para alguns o seu dia da semana é a segunda-feira, como Obaluaê, e para outros, o sábado. Seus adeptos dançam com dignidade, representando uma senhora idosa e respeitável. Seus movimentos lembram um andar lento e penoso, apoiado num bastão. Os búzios também fazem  parte de seus paramentos, ornando seu cajado, o ibiri. Seus preceitos são extremamente complexos e ricos em detalhes.


Arquétipo


    Nanã Buruku é o arquétipo das pessoas que agem com tranquilidade, respeito, gentileza e dignidade. São pessoas lentas e agem sempre com segurança. Gostam de crianças e as educam com muita mansidão, lembrando a tolerância e paciência das avós. Suas reações sempre são equilibradas e a sabedoria de suas decisões as mantém no caminho da justiça. Não têm muito senso de humor e transformam com facilidade pequenos problemas em grandes dramas. Ao mesmo tempo, têm uma grande capacidade de compreensão do ser humano, pois perdoam e consolam as pessoas de uma forma muito natural.


Texto retirado da revista Sexto Sentido Especial: Orixás; Mythos Editora, São Paulo, 2010.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Obaluaê

 Obaluaê significa "Rei e Dono da Terra" e é um orixá relacionado à terra seca e quente, com o calor que lembra a febre das doenças contagiosas. Seus trajes de palha escondem o segredo da vida e da morte.


    Obaluaê é um orixá da cultura da região de Daomé, que foi assimilado pelos iorubás. Enquanto os orixás iorubanos são extrovertidos, alegres de pequenas falham que os identificam com os seres humanos, os deuses daomeanos estão mais associados a uma visão religiosa, em que existe um distanciamento entre deuses e homens.

    Obaluaê era visto como fonte de perigo e terror, sendo a marca da passagem de doenças epidêmicas, castigos sociais, catástrofes. Era considerado aquele que punia os malfeitores enviando-lhes doenças, como a varíola.

    Obaluaê é a forma jovem do orixá Xapanã, enquanto Omolu é sua forma velha.

    Xapanã é um nome proibido tanto no Candomblé como na Umbanda, não deve ser mencionado pois pode atrair doenças de forma inesperada. Omolu é a forma que mais se popularizou, e acabou sendo confundida não apenas com a forma mais velha de Obaluaê, mas com sua essência genérica.

    O termo Obaluaê é constituído pela contração de Oba-'Iu'aiye, o rei que é senhor da terra e é também chamado Oluwa Aiyê, Senhor da terra. A ela pede licença para o uso da terra. Sua veste é de palha da costa e esconde o segredo da vida e da morte. Todos o temem, por enviar as doenças, muitas vezes, como castigo ou como desígnios divinos para uma renovação da vida, ao mesmo tempo em que pode causar moléstias (lepra, varíola, peste, eczemas, malária, etc.).

    De acordo com antigas lendas, Obaluaê nasceu com o corpo todo coberto de chagas, que ficavam escondidas sob suas vestes de palha. Foi por meio de sua própria força interior que ele conseguiu curar-se e também desvendar os segredos das doenças que atingem os seres.

    Obaluaê está ligado ao elemento terra, e é detentor de seus segredos. Tem ligação com as árvores e com os espíritos que as habitam. Seu santuário fica geralmente fora de casa ou da aldeia.

    No Brasil, Obaluaê é associado a São Lázaro, São Roque e São Sebastião. 

    As pessoas que lhe são consagradas usam dois tipos de colares: de contas marrons com listas pretas ou o Iagidiba, feito de pequenos discos de chifres de búfalo.

    Seus iaôs (filhos de santo) dançam inteiramente vestidos de palha da costa. Na cabeça, usam um capuz da mesmo palha, cujas franjas cobrem o rosto. Dançam curvados para frente, como que atormentados por dores e imitam os tremores da febre.

    Em muitas lendas, Obaluaê é apresentado como um orixá que perdeu uma perna. Desta forma, muitos de seus filhos podem sofrer de algum problema em seus membros inferiores. Segunda-feira é o dia da semana que lhe é consagrado.


Arquétipo


    O arquétipo de Obaluaê é o de pessoas que gostam de exibir seus sofrimentos, tristezas e desgraças. Mesmo quando atingem situações estáveis, podem rejeitá-las por escrúpulos tolos e imaginários. Em algumas situações se empenham no bem-estar dos outros, colocando de lado seus próprios interesses. No entanto, sua característica mais marcante é o convívio com o sofrimento que se manifesta numa tendência de autopunição, transformando traumas emocionais em doenças físicas. Sua maior insatisfação não é contra a vida, mas contra si mesmo. Não são pessoas de levar desaforos para casa e nem têm o hábito de falar pelas costas. Odeiam fofocas e vulgaridades do gênero. A solidão é muito peculiar a essas pessoas, devido à sua própria personalidade.


Texto retirado da revista Sexto Sentido Especial: Orixás; Mythos Editora, São Paulo, 2010.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

A Criação da Humanidade

    Ana Carolina é uma menina inquieta, sempre querendo aprender mais sobre as coisas. "Como?, por quê?, quem? pra quê?" são perguntas que ela vive repetindo. Seu pai não tem muita paciência para ficar respondendo a tantas perguntas. A mãe acredita que ela será uma cientista quando crescer. A professora gosta das perguntas, mas fica brava quando Ana não dá qualquer chance para seus amigos também perguntarem.

    Um dia a professora estava falando sobre a origem do mundo, do universo e das pessoas. E contou a teoria científica do início de todas as coisas: "Uma grande explosão ocorreu no céu e surgiram muitos planetas, astros e estrelas. A Terra, que ardia em brasas, foi resfriando e apareceram os primeiros sinais de vida. Estes foram se tornando complexos e se diferenciando. Milhares de anos depois surgiram os macacos, que foram evoluindo e que teriam dado origem aos homens. Por isso eles são tão parecidos conosco".

    Ana Carolina maravilhada com o que tinha acabado de ouvir, lembrava dos macacos que vira no zoológico e que poderiam ser seus parentes ancestrais. Mal a professora terminou de falar, ela se ergueu e disse que sabia de uma outra história sobre a origem de tudo. Contou que sua avó tinha lido para ela uma história que estava na Bíblia e que era mais ou menos assim: "No início só havia Deus. Então ele resolveu criar o mundo todo com todas as coisas que existem. Fez isto em poucos dias. Aí Deus criou, com barro, o primeiro homem e deu a ele o nome de Adão. Mas Adão vivia triste pelo paraíso e Deus tirou uma costela dele e fez uma mulher para ficar com ele. Era Eva. Eles se casaram e tiveram filhos e então surgiu a humanidade".

    A professora elogiou a prontidão da menina e perguntou se alguém mais sabia sobre outras histórias a respeito da origem  do mundo e das coisas. Lá do fundo da sala, uma outra menina levantou o braço e gritou: "Eu sei, minha mãe me contou uma história bem diferente". A professora logo adivinhou que devia se tratar de uma história sobre os índios, pois a mãe de Juliana era antropóloga. Os antropólogos são pesquisadores que durante vários meses vão morar junto com os índios para aprender suas línguas, suas culturas, suas tradições. Dito e feito: a pequena Juliana se levantou e contou uma história dos índios Waiãpi, que segundo ela moram em várias aldeias lá nas florestas do Amapá, bem perto da fronteira do Brasil com a Guiana Francesa.

    "Minha mãe aprendeu esta história com uma amiga dela que foi morar um tempo junto com os índios Waiãpi. A história é assim: no início o criador, que se chama Ianejar, estava sozinho. Ele não gostava de estar sozinho. Então um dia ele foi apanhar me e resolveu fazer uma mulher. Ele soprou e o mel virou uma mulher. Aí ele falou para a mulher ir na roça e buscar mandioca. O sol foi esquentando e a mulher de mel derreteu. Ianejar estranhou a demora da mulher e foi ver o que tinha acontecido. Chegou na roça e só viu o cesto que ela tinha levado. Então Ianejar foi buscar arumã, que é um tipo de palmeira. Ele soprou e o arumã virou uma mulher. 'Vai lá na roça buscar mandioca', disse Ianejar. A mulher foi, voltou e fez uma bebida com a mandioca ralada, chamada caxiri. Ianejar disse que o caxiri estava azedo e muito ruim. Depois a mulher foi na mata buscar imbaúba e fez duas flautas: uma pequena e a outra grande. Ianejar soprou na flauta grande e saíram muitas pessoas. A mulher de arumã soprou na outra flauta e saíram muitas mulheres. Naquele tempo, não havia pessoas, só Ianejar e sua mulher. Mas depois disso, a Terra ficou cheia de Waiãpi".

    Juliana já estava quase sem fôlego quando terminou de contar a história. Disse que os índios têm muitas histórias que nós não conhecemos e que eles vivem de forma diferente. Disse também que nós podemos aprender muitas coisas com eles e que devemos respeitá-los. Mesmo assim, alguns meninos riram da história de Juliana, mas Ana Carolina estava séria. Ela tinha prestado atenção em tudo. Diferentemente de outras vezes, não veio com o seu "Como?, por quê?, quem?, pra quê?" Quieta e pensativa, tomou uma decisão: queria aprender mais coisas sobre os índios. Afinal de contas, eles fazem parte da nossa mesma humanidade.


História de Luís Donisete Grupioni retirada da revista Nova Escola, Novembro de 1992. Fundação Victor Civita, Editora Abril. 

A história sobre a criação da humanidade dos índios Waiãpi foi baseada no mito contado pelo índio Pao para a antropóloga Dominique T. Gallois em 1977.

sábado, 29 de janeiro de 2022

O Bem é a Meta

    Surge a Era Nova.
    O sol da esperança desbasta as trevas da ignorância.
    Pequenos grupos de servidores verdadeiros do Evangelho, no silêncio da renúncia, estão levantando os pilotis sobre os quais será erguida a Era Nova.
    Sem alarde, em luta ingente, esses corações convidados constituem segurança para o mundo melhor de amanhã.
    Não obstante o vendaval, as ameaças do desequilíbrio e o predomínio aparente das forças da violência, o bem, como fluido de libertação, penetra todo o organismo terrestre preparando o mundo novo.
    Não engrossam as fileiras dos desanimados, nem aplaudem a insensatez dos perversos ou apoiam a estultícia dos vitoriosos da ilusão.
    Quem aprendeu a confiar em Jesus põe as suas raízes na verdade. São minoria, não, porém, grupo ao abandono.
    Todos os grandes ideais da Humanidade surgem em pequeninos núcleos, que se alargam em gerações após gerações.
    O Cristianismo restaurado, por sua vez, é a doutrina do amanhã, no enfoque espírita, porque a mensagem de Jesus teve de destruir as bases do paganismo para erguer o santuário do amor, o Espiritismo deve apenas erigir, sobre o     Cristianismo, o templo luminoso da caridade.
    Chamados para este ministério, não duvidam, alegrando-se por terem seus nomes inscritos, como diz o Evangelho, no livro do Reino dos céus e serem conhecidos do Senhor.
    Nossa casa tem ação. É hoje reduto festivo, santuário que alberga Espíritos mensageiros da luz, oficina onde se trabalha, escola de educação e hospital de recuperação de vidas.
    Com outros Obreiros aqui temos estado, mantendo a chama da verdade acesa - como ocorria com os antigos faróis com a flama ardente, apontando a entrada dos portos e mais tarde dando notícias dos recifes e perigos do mar.
    Filhos da alma, nunca desistam de fazer o bem, em face do aparente triunfo do mal em desgoverno, em torno de suas vidas.
    Passada a tempestade, a luz volta a fulgir.
    A sombra é somente ausência da claridade. Não é real.
    Só Deus é Vida; somente o Bem é meta.

Texto retirado do livro Momentos Enriquecedores; Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis; Livraria Espírita Alvorada Editora; Salvador, 2015, 2ª Edição.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Uma Noite no Paraíso

     Certa vez, dois amigos inseparáveis fizeram o seguinte juramento: aquele que casasse primeiro chamaria o outro para padrinho, mesmo que esse outro estivesse no fim do mundo

    Pois bem: um dos amigos morre e o outro, que estava noivo, não sabendo o que fazer, vai pedir conselhos ao seu confessor. O pároco assegura que a palavra deve ser mantida. Então o noivo vai até o túmulo do amigo convidá-lo para o casamento.

    O morto aceita o convite de muito bom grado. No dia da cerimônia, não diz uma palavra sobre o que vira no outro mundo.

    No final do banquete, ele fala:

    - Amigo, como lhe fiz este favor, você agora deve me acompanhar um pouquinho até a minha morada.

    O recém-casado, não resistindo à curiosidade, pergunta como era a vida do outro lado.

    O morto, fazendo um pouco de suspense, responde desta forma:

    - Se quiser saber, venha você também ao paraíso.

    O outro concorda. O túmulo se abre e o vivo segue o morto.

    A primeira coisa que vê é um lindo palácio de cristal, onde os anjos tocavam para os beatos dançarem e São Pedro, muito feliz, dedilhava seu contrabaixo. Mais adiante, o amigo lhe apresenta nova maravilha: um jardim onde as árvores, em vez de folhas, tinham pássaros de todas as cores que cantavam.

    - Vamos em frente - diz o morto ao amigo, que fica cada vez mais deslumbrado. - Agora vou levá-lo para ver uma estrela.

    O recém-casado percebe que não se cansaria nunca de admirar as estrelas, os rios, que em vez de água eram de vinho, e a terra, que era de queijo.

    De repente o noivo cai em si, lembra-se da noiva que ficara a esperá-lo e pede:

    - Compadre, preciso voltar para casa, minha esposa deve estar preocupada.

    - Como preferir.

    Assim dizendo, o morto o acompanha até o túmulo, sumindo logo a seguir.

    Ao sair do túmulo, o vivo fica assombrado com o que vê ao seu redor: no lugar daquelas casinhas de pedra meio improvisadas há palácios, bondes, automóveis, as pessoas todas vestidas de modo diferente. Para se certificar, pergunta o nome da cidade a um velhinho que por ali passava.

    - Sim, é esse o nome desta cidade.

    No entanto, ao chegar à Igreja é atendido por um bispo muito importante que, consultando os arquivos existentes ali, descobre que trezentos anos atrás um noivo havia acompanhado o padrinho ao túmulo e não tinha voltado nunca mais.


Uma Lenda Italiana. Texto de Sylvia Manzano. Retirado da revista Nova Escola, maio de 1994. Fundação Victor Civita, Editora Abril.

Oxumarê

 Oxumarê é o segundo filho de Nanã, irmãos de Ossain, Ewá e Obaluaiê, orixás associados ao mistério da morte e do renascimento. Ele é a "serpente arco-íris" com múltiplas características e funções.


Embora Oxumarê seja conceituado como um orixá masculino, existe também a ideia de que seja macho e fêmea ao mesmo tempo. Essa dupla natureza seria vivida de forma alternada, de seis em seis meses, e se encontra representada nas cores vermelha e azul.

Segundo os mitos, Oxumarê é um servidor de Xangô. O seu trabalho consiste em recolher a água que cai na terra durante a chuva e levá-la de volta às nuvens, por meio do arco-íris. Além disso, tem como obrigação dirigir as forças que produzem o movimento.

Narra a lenda que Oxumarê vivia num grande estado de penúria, quando foi chamado por uma rainha de um reino vizinho, Olocum, cujo filho sofria de uma doença estranha. Oxumarê curou a criança. A rainha ficou feliz e lhe deu muitos presentes. Olofin, o rei do reino em que Oxumarê habitava, ficou muito espantado com o seu esplendor repentino e lamentou não ter sido o primeiro rei a prestigiar Oxumarê. Para não ser considerado um rei avarento e mesquinho, Olofin também lhe deu muitos presentes. Oxumarê ficou rico e respeitado. Por isso, ele também é um orixá associado à cura.

Oxumarê é o símbolo da continuidade e da permanência, e é representado, muitas vezes, por uma serpente que se enrosca e morde a própria cauda. Segundo os mitos, ele se enrola em volta da Terra para impedir que ela se separe. Alguns sacerdotes relacionam o seu movimento circular com a dinâmica da vida e do Universo - o movimento de rotação da Terra e sua translação em torno do Sol.

Para os iorubás, ele é a divindade que traz a riqueza aos homens. Ele representa as polaridades - o masculino e o feminino, o bem e o mal, o dia e a noite.

O seu culto no Brasil foi muito distorcido e combatido devido à sua relação com a serpente, pois não há animal mais peçonhento e maldito do que a cobra, segundo os conceitos cristãos propagados no Ocidente.

No Brasil, as pessoas dedicadas a Oxumarê usam colares de contas de vidro amarelas e verdes. Elas usam também o brajá, longos colares de búzios enfiados de forma que lembram as escamas da serpente.

O dia da semana consagrado a ele é terça-feira. Na Bahia, é sincretizado com São Bartolomeu. Sua festa acontece no dia 24 de agosto, ocasião em que seus devotos se banham em uma cascata coberta por uma neblina, onde o sol faz brilhar o arco-íris.


Arquétipo


Oxumarê é o arquétipo da renovação, da necessidade de mudança. Demonstram desejo por riquezas e são pacientes e persistentes em seus empreendimentos. Não medem sacrifícios para atingir seus objetivos. Quando atingem o sucesso, tornam-se facilmente orgulhosos e fazem questão de demonstrar sua grandeza. São de certa forma generosos, pois dificilmente negam ajuda àqueles que necessitam. Agitados e observadores, procuram constantemente o equilíbrio e a harmonia. Suas grandes forças são e eloquência e a inteligência, armas que usam com muita habilidade em situação de ataque ou defesa. Quando estão calmas, são pessoas fáceis de se lidar. Entretanto, quando estão aborrecidas ou com raiva, agem de forma impulsiva e até mesmo violenta.


Texto retirado da revista Sexto Sentido Especial - Orixás; Mythos Editora, São Paulo, 2010.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Iemanjá

 Iemanjá é um orixá muito popular no novo mundo, principalmente no Brasil. Considerada a "Rainha do Mar", é uma divindade maternal, sempre disposta a zelar por seus filhos.


Iemanjá é uma das rainhas das águas do mar - sua morada - local onde costuma receber os presentes e oferendas de seus devotos. O seu nome deriva da expressão YéYé Omó Ejá que significa "mãe cujos filhos são peixes". Na África, era cultuada pelos egbá, nação iorubá da região de Ifé e Ibadan, onde se localiza o rio Yemojá.

Seguindo os mitos, Iemanjá era filha de Olokun, deus (em Benin) ou deusa (em Ifé) do mar. Narra a lenda que seu primeiro marido foi Orunmilá, deus das adivinhações, e que se casou também com Olofin, rei de Ifé.

Os domínios de Iemanjá são os das profundezas das águas, de onde emerge para atender seus fiéis, principalmente as mulheres que possuem problemas de fertilidade e fecundidade. Seu axé é assentado sobre pedras marinhas e conchas, e são guardadas numa porcelana azul.

Iemanjá é maternal e está sempre pronta para amamentar as crianças que estão sob seus cuidados. Ela é uma figura extremamente simples, se comparada com as outras divindades do panteão africano, sendo representada com o aspecto de uma matrona, de seios volumosos, símbolo de maternidade fecunda e nutritiva.

Iemanjá simboliza o espelho do mundo. Ela é a mãe que orienta e mostra os caminhos, que educa e sabe explorar as potencialidades de seus filhos.

No Brasil, Iemanjá é uma divindade muito popular, e é sincretizada com Nossa Senhora da Imaculada Conceição, festejada no dia 8 de dezembro. Embora ela seja associada à água salgada, na Bahia ela é homenageada no dia 2 de fevereiro, numa das festas mais populares do ano em que milhares de pessoas, trajadas de branco, saem em procissão ao templo-mor, localizado próximo à foz do Rio Vermelho, onde depositam variedades de presentes e oferendas (espelhos, bijuterias, perfumes, comidas, etc).

No Rio de Janeiro, Santos e Porto Alegre, é reverenciada durante a última noite do ano, quando centenas de milhares de adeptos, perto da meia-noite, acendem velas ao longo das praias e jogam flores e presentes no mar. Essa celebração também inclui as tradicionais "sete ondas" que os fiéis pulam, fazendo pedidos a Iemanjá para o ano que se inicia.

Ela é frequentemente representada sob a forma de uma sereia, com longos cabelos soltos ao vento. Chamam-na, também, Dona Janaína, ou mesmo Princesa ou Rainha do Mar. O sábado é o dia da semana que lhe é consagrado. Seus adeptos usam colares de contas de vidro transparentes e vestem-se, de preferência, de azul-claro.


Arquétipo


O arquétipo de Iemanjá é o de pessoas que prezam o lar e a família, que se preocupam com os filhos. Existe muito carinho e respeito na relação com os filhos. Quando a segurança dos mais próximos está em jogo, podem agir de forma agressiva ou traiçoeira. Possuem apego ao lar e gostam de viver num ambiente confortável. A força e determinação fazem parte de seu caráter. São solidários e prezam pelas amizades. Não se preocupam muito com a carreira e nem fazem planos para o futuro. Geralmente, possuem um círculo restrito de amigos porque demoram muito para confiar nas pessoas. Muitas vezes põem à prova as amizades que lhe são devotadas, demoram a perdoar uma ofensa e, se a perdoam, não a esquecem jamais.


Texto retirado da revista Sexto Sentido Especial - Orixás; Mythos Editora, São Paulo, 2010.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Obá

 Obá é um orixá feminino iorubá, cultuado em toda a África como a deusa protetora do poder feminino. Capaz de grandes sacrifícios pessoais, era uma mulher forte, que comandava as demais e desafiava o poder masculino.


Obá, orixá do rio de mesmo nome, foi esposa de Ogum e, mais tarde, a terceira mulher de Xangô. Tudo relacionado a ela é envolto em mistérios. Muito enérgica, era fisicamente mais forte que muitos orixás masculinos. Embora ela tenha se transformado num rio, é considerada uma deusa relacionado ao fogo.

Obá é um orixá que raramente se manifesta, e existem poucos estudos sobre ela. Consciente do seu poder, ela luta e reivindica os seus direitos, e enfrenta qualquer homem, menos aquele que tomar o seu coração.

Entre as esposas de Xangô, ela ocupava o último posto. Sentia-se inferior em relação às outras mulheres por julgar-se incompetente nas tarefas cotidianas, como o preparo de alimentos. Com espírito dócil, geralmente tolerava muitas coisas que a desagradavam.

A deusa é bastante conhecida por ter seguido um "conselho" de Oxum para agradar Xangô. Decepou a própria orelha e a ofereceu em um ensopado a Xangô, acreditando que isso o faria apaixonar-se por ela. O marido, ao receber o prato ficou revoltado e desprezou Obá. Por esse motivo, Oxum e Obá brigaram de forma violenta. Desde então Obá sempre se apresenta  escondendo seu defeito com a mão.

Obá muitas vezes é associada ao ciúme. Entretanto, ela representa o amor, as paixões e todos os possíveis dissabores e tristezas que o sentimento pode provocar. Se ela tem ciúmes é porque ama. Há quem diga que ela canaliza toda a energia das suas paixões frustradas para a guerra, tornando-se uma guerreira que nenhum homem ousa enfrentar. Sua cor é o vermelho e sua dança é de guerreira: ela brande um sabre com uma das mãos e leva um escudo na outra. Suas oferendas consistem em cabras, patos e galinhas d'angola. Ela é associada à Santa Catarina e o dia da semana consagrado a ela é quarta-feira.


Arquétipo


O arquétipo de Obá é o de pessoas que, embora possuam valor, são incompreendidas. Algumas vezes são extremistas em seus conceitos, com atitudes determinadas e agressivas. Entretanto, a sua agressividade é puramente defensiva, pois desconfia muito das pessoas pelas experiências infelizes do passado. Muitas vezes sofrem de complexo de inferioridade e julgam que as pessoas se aproximam apenas para tirar proveito de alguma coisa. Embora sejam bons companheiros e amigos fiéis, são possessivos e ciumentos no amor e, por isso, não conseguem alcançar a felicidade. Quando se apaixonam, nunca são senhores do relacionamento, pois abdicam de todas suas convicções e ideais por amor, pois Obá é a mulher que se anula completamente quando ama. Apesar de seu emocional ser um pouco perturbado, encontra compensação para suas frustrações no sucesso material. Investe sua energia em sua carreira, como uma forma de resgate pessoal.


Texto retirado da revista Sexto Sentido Especial: Orixás; Mythos Editora, São Paulo, 2010.

sábado, 22 de janeiro de 2022

Oxum

 Oxum é o orixá do Rio de mesmo nome que corre na Nigéria. Conhecida no Brasil popularmente como "Mamãe Oxum", ela rege particularmente as águas em movimento.


Apesar de ser comum a associação entre rios e orixás femininos, Oxum é considerada a dona da água doce, reinando sobre todos os rios. As lendas a descrevem com ricas vestes e objetos de uso pessoal. Sua imagem é quase sempre associada à maternidade, sendo comum ser invocada com a expressão "Mamãe Oxum".

As mulheres que desejam ter filhos dirigem-se a Oxum, pois ela controla a fecundidade, sendo de sua responsabilidade o cuidado com os fetos em gestação e com as crianças que nascem, até quando aprendem a falar.

Conta-se que, quando os deuses chegaram à Terra, se reuniam sem a presença das mulheres. Aborrecida com a situação, Oxum teria provocado a esterilidade em todas as mulheres como uma forma de vingança. Os orixás, ao buscarem ajuda de Olodumaré, descobriram que, sem a presença de Oxum em suas reuniões, nada daria certo na Terra. A fecundidade só voltou quando Oxum aceitou o convite para se reunir com os deuses.

Considerada uma das figuras mais belas dos mitos africanos, Oxum tem como domínio a sensualidade e a atividade sexual. Os fiéis procuram sua ajuda para a solução de problemas afetivos, pois ela é a responsável pelas uniões amorosas. Ela também auxilia as pessoas em suas finanças, tanto que, muitas vezes é chamada Senhora do Ouro.

Oxum também é o símbolo da sensibilidade. Muitas vezes, ao incorporar, derrama lágrimas, característica que se transmite aos seus filhos, identificado por "chorões".

Segundo a tradição iorubá, sua cor é azul-claro e ouro, seu metal é o cobre, metal mais nobre conhecido na época. Oxum gosta de riquezas materiais, mas não no sentido de usura ou mesquinhez. É sensual e exibicionista, consciente de sua rara beleza, e se utiliza desses atributos com jeito e carinho para seduzir as pessoas e conseguir seus objetivos.

No Brasil, seus adeptos usam colares de contas de vidro de cor amarelo-ouro e numerosos braceletes de latão. O dia da semana consagrado a ela é o sábado. A sua dança lembra o comportamento de uma mulher vaidosa e sedutora. Ela é sincretizada com Nossa Senhora das Candeias, na Bahia, e no sul do Brasil com Nossa Senhora da Conceição.


Arquétipo


O arquétipo de Oxum é o de pessoas elegantes, graciosas, com bom gosto, apaixonadas por joias, perfumes e roupas caras. Simbolizam o charme e a beleza feminina. Possuem muita sensualidade, porém são recatadas. Existe sob sua aparência graciosa e sedutora um grande desejo de ascensão social. O arquétipo psicológico associado a Oxum se assemelha à imagem que temos de um rio, em que a aparência de calmaria pode esconder muitas coisas. São persistentes em sua buscas, chegando muitas vezes à obstinação. Gostam muito da vida social, festas e dos prazeres em geral.

Devido a sua sensibilidade, muitas vezes esquecem as ofensas recebidas e procuram reatar os laços de amizade. Tem também como característica a generosidade, pois não gostam de presenciar pessoas em dificuldades.


Texto retirado da revista Sexto Sentido Especial - Orixás; Mythos Editora, São Paulo, 2010.