terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

A Criação da Humanidade

    Ana Carolina é uma menina inquieta, sempre querendo aprender mais sobre as coisas. "Como?, por quê?, quem? pra quê?" são perguntas que ela vive repetindo. Seu pai não tem muita paciência para ficar respondendo a tantas perguntas. A mãe acredita que ela será uma cientista quando crescer. A professora gosta das perguntas, mas fica brava quando Ana não dá qualquer chance para seus amigos também perguntarem.

    Um dia a professora estava falando sobre a origem do mundo, do universo e das pessoas. E contou a teoria científica do início de todas as coisas: "Uma grande explosão ocorreu no céu e surgiram muitos planetas, astros e estrelas. A Terra, que ardia em brasas, foi resfriando e apareceram os primeiros sinais de vida. Estes foram se tornando complexos e se diferenciando. Milhares de anos depois surgiram os macacos, que foram evoluindo e que teriam dado origem aos homens. Por isso eles são tão parecidos conosco".

    Ana Carolina maravilhada com o que tinha acabado de ouvir, lembrava dos macacos que vira no zoológico e que poderiam ser seus parentes ancestrais. Mal a professora terminou de falar, ela se ergueu e disse que sabia de uma outra história sobre a origem de tudo. Contou que sua avó tinha lido para ela uma história que estava na Bíblia e que era mais ou menos assim: "No início só havia Deus. Então ele resolveu criar o mundo todo com todas as coisas que existem. Fez isto em poucos dias. Aí Deus criou, com barro, o primeiro homem e deu a ele o nome de Adão. Mas Adão vivia triste pelo paraíso e Deus tirou uma costela dele e fez uma mulher para ficar com ele. Era Eva. Eles se casaram e tiveram filhos e então surgiu a humanidade".

    A professora elogiou a prontidão da menina e perguntou se alguém mais sabia sobre outras histórias a respeito da origem  do mundo e das coisas. Lá do fundo da sala, uma outra menina levantou o braço e gritou: "Eu sei, minha mãe me contou uma história bem diferente". A professora logo adivinhou que devia se tratar de uma história sobre os índios, pois a mãe de Juliana era antropóloga. Os antropólogos são pesquisadores que durante vários meses vão morar junto com os índios para aprender suas línguas, suas culturas, suas tradições. Dito e feito: a pequena Juliana se levantou e contou uma história dos índios Waiãpi, que segundo ela moram em várias aldeias lá nas florestas do Amapá, bem perto da fronteira do Brasil com a Guiana Francesa.

    "Minha mãe aprendeu esta história com uma amiga dela que foi morar um tempo junto com os índios Waiãpi. A história é assim: no início o criador, que se chama Ianejar, estava sozinho. Ele não gostava de estar sozinho. Então um dia ele foi apanhar me e resolveu fazer uma mulher. Ele soprou e o mel virou uma mulher. Aí ele falou para a mulher ir na roça e buscar mandioca. O sol foi esquentando e a mulher de mel derreteu. Ianejar estranhou a demora da mulher e foi ver o que tinha acontecido. Chegou na roça e só viu o cesto que ela tinha levado. Então Ianejar foi buscar arumã, que é um tipo de palmeira. Ele soprou e o arumã virou uma mulher. 'Vai lá na roça buscar mandioca', disse Ianejar. A mulher foi, voltou e fez uma bebida com a mandioca ralada, chamada caxiri. Ianejar disse que o caxiri estava azedo e muito ruim. Depois a mulher foi na mata buscar imbaúba e fez duas flautas: uma pequena e a outra grande. Ianejar soprou na flauta grande e saíram muitas pessoas. A mulher de arumã soprou na outra flauta e saíram muitas mulheres. Naquele tempo, não havia pessoas, só Ianejar e sua mulher. Mas depois disso, a Terra ficou cheia de Waiãpi".

    Juliana já estava quase sem fôlego quando terminou de contar a história. Disse que os índios têm muitas histórias que nós não conhecemos e que eles vivem de forma diferente. Disse também que nós podemos aprender muitas coisas com eles e que devemos respeitá-los. Mesmo assim, alguns meninos riram da história de Juliana, mas Ana Carolina estava séria. Ela tinha prestado atenção em tudo. Diferentemente de outras vezes, não veio com o seu "Como?, por quê?, quem?, pra quê?" Quieta e pensativa, tomou uma decisão: queria aprender mais coisas sobre os índios. Afinal de contas, eles fazem parte da nossa mesma humanidade.


História de Luís Donisete Grupioni retirada da revista Nova Escola, Novembro de 1992. Fundação Victor Civita, Editora Abril. 

A história sobre a criação da humanidade dos índios Waiãpi foi baseada no mito contado pelo índio Pao para a antropóloga Dominique T. Gallois em 1977.

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